Em meados da década de 1980, o Carnaval da pequena cidade de São José Ferrer, na Mata Norte de Pernambuco, se viu ameaçado. O cantor da orquestra que animaria a folia do município passou mal depois de uma bebedeira e o maestro, desesperado, se viu com pouco tempo para arrumar um substituto. Logo alí ao lado, como quem não quisesse nada, um jovem rapaz de apenas 13 anos, Edilson Carlos. O garoto já era conhecido por tocar saxofone por aquelas bandas e foi chamado para salvar a festa. E salvou.
A partir dali, o menino que sonhava em ser artista começou a trilhar o seu caminho. Cantava forró ao lado de um padrinho sanfoneiro e frevo na orquestra da cidade. Os ritmos tradicionais de Pernambuco viraram o seu "feijão com arroz". O sonho de brilhar nos palcos foi trilhado a pé, em caminhões de banana que o levavam de carona à capital Recife, e nos ônibus 1002 que também faziam o caminho até a cidade grande. Edilson, hoje conhecido como Ed Carlos, se perdeu, literalmente, várias vezes nessas idas e vindas; mal sabia ele que estava se perdendo pelos caminhos certos e hoje, o cantor celebra seus 30 anos de carreira.
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Ed começou pra valer cantando forró no Cavalo Dourado, hoje o Baile Perfumado, localizado no bairro do Prado, no Recife. Ele conseguiu uma vaga por insistência da tia, que trabalhava no lugar mas, apesar de ter conquistado o público e o contratante, precisou suportar a desconfiança de outros artistas que diziam que o jovem não tinha o menor jeito de forrozeiro. Os longos cabelos negros do cantor lhe davam ares de roqueiro e até Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, lhe deu ordens para que os cortassem. Não o fez até hoje.
Em 1988, Ed conquistou o seu primeiro reconhecimento. Venceu o festival Frevança, como compositor, com a música Frevo Alegria. O que ele queria mesmo era cantar, mas foi impedido por não ser conhecido do público. Quem executou sua canção foi Bubuska Valença que o levou ao palco quando a canção chegou à final. Ed Carlos cantou observado por 'monstros' do frevo: Edson Rodrigues, Ademir Araújo, Jota Michiles e Getúlio Cavalcanti; e não fez feio. "Subi anônimo no palco, ao lado do meu intérprete, e fiquei em segundo lugar. Um menino com 18 anos de idade, entre os feras, aquela nata de compositores da época", relembra o artista.
No ano seguinte, ele voltou ao palco do Frevança e saiu de lá com o prêmio 'Sombrinha de Prata’, como cantor revelação. A partir daquela data - que ele estabeleceu como o começo oficial de sua carreira -, Ed cantou em vários outros palcos. Os compositores de frevo passaram a procurá-lo, um "indiozinho sem pedigree, sem costas quentes nem parentes importantes", como ele próprio diz, e passou a cantar as composições de todos eles. Foi assim que ele acabou se tornando o intérprete que mais gravou frevos de um compositor só e ganhou uma posição no RankBrasil, livro dos recordes brasileiros. "Foi acontecendo, não fiz isso de propósito. Foi uma consequência mesmo", diz.
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Dos festivais, Ed Carlos partiu para as ruas. Cantou em inúmeros blocos de Carnaval pelas periferias da capital pernambucana e comandou a Frevioca do Galo da Madrugada por cinco anos. Uma conquista suada, o próprio cantor pediu o 'emprego' na Secretaria de Cultura, após vencer um festival, e , apesar da desconfiança inicial dos gestores, conseguiu. "Nunca tive moleza, não. Esse é o grande lance dessa conquista toda", diz. Ele virou o cantor oficial da Frevioca e se 'graduou' em Galo. “Em cinco anos a gente se forma, né? Eu me formei em Galo da Madrugada”, brinca.
Ed acredita ter corroborado para que o frevo, esse ritmo tão popular, se tornasse ainda mais "do povo". Ele passou a animar o Carnaval do Recife e, driblando vaidades e desconfianças, foi construindo seu nome. Até que cansou. Foi namorar com o maracatu de baque virado, tendo passado cinco anos ao lado do Nação Pernambuco, em Olinda; e cantou com Antúlio Madureira, quando surgiu o icônico Passo da Ema. Do namoro com o Nação vieram três temporadas na Europa. Na última delas, o pernambucano resolveu ficar por lá, fazendo shows e cantando todos os ritmos de seu lugar de origem.
Na Europa, Ed passou pela França, Alemanha e Itália, entre outros países. Ele encantou os 'gringos' e, também, muitos brasileiros que conheceram lá no velho Continente as particularidade de sua própria cultura. "Vi um pernambucano pedindo desculpas porque saiu de Olinda sem conhecer sua cultura e conheceu comigo lá. Hoje eu sou reconhecido em casa, mas tudo isso aconteceu fora. Foi aí que eu vi que estava no caminho certo". O cantor é considerado um dos artistas que mais divulgou a cultura pernambucana mundo afora e ganhou até um prêmio, concedido pela Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet), por isso.
'A música nossa de cada dia'
A experiência de Ed Carlos foi adquirida, não só pela sua dedicação à música, mas, também, pelo seu convívio com grandes mestres da cultura pernambucana. Ele reconhece a importância de ter aprendido com os maiores e, de maneira respeitosa, cita seus professores: "Minha relação com os mestres foi muito forte. Com Mestre Salú, com Ademir Araújo, o pessoal de Badia, Dona Selma do Coco... Da minha geração, eu sou o único artista que tem amizade em todos os segmentos".
Mas, além da amizade, o cantor pode orgulhar-se de ser um dos poucos artistas gabaritados para trafegar entre as mais diversas manifestações tradicionais de Pernambuco. Para não deixar dúvidas, já gravou Luiz Gonzaga, excursionou com Dona Selma do Coco e com o maracatu, cantou para Ariano Suassuna e dividiu composições com Mestre Salú, por exemplo. "Virei um arquivo vivo da minha geração. Eu cantei o forró de véio, o frevo de desocupado e o maracatu de negro e macumbeiro", brinca.
Ed Carlos 'para baixinhos'
As três décadas de carreira de Ed Carlos parecem apenas um começo quando se observa sua relação com a criançada. O cantor tem o costume de chamar crianças ao palco em seus shows e tem sido o animador oficial do Calunguinha, prévia infantil do Homem da Meia-Noite. "Essa coisa com a criança tem muito a ver comigo, até pq eu sou criança 24 horas por dia, não tenho maldade com ninguém e criança também não tem, então elas percebem isso em mim".
Ele vê nessa relação uma verdadeira renovação de seu público. para os pequenos, uma oportunidade de conhecer mais sobre a cultura pernambucana e curtir com um artista consagrado da área. "Hoje eu tenho fãs dos sete aos 70 anos. Tanto as crianças lá do Calunguinha como as senhorinhas do Bloco da Saudade. Todo dia eu encontro uma criança de oito, 10 anos que vem me dar um abraço. Isso não tem preço, é realmente uma renovação".
'Eu sou o frevo'
Para celebrar as três décadas de carreira, Ed Carlos tem preparado algumas surpresas. Ainda este ano pretende lançar um álbum autoral e também pensa em fazer um DVD. Apesar da longa estrada, o cantor ainda trabalha com a energia e o fôlego de iniciante, pronto para todas as oportunidades que, assim como no começo, ele está disposto a agarrar: "São 30 anos de coisas bacanas que aconteceram e estão acontecendo. São 30 anos de verdade fazendo o que eu faço com amor. Pra mim, ainda faltam muitos anos, isso é só a continuidade de um sonho que se tornou realidade".
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