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Ainda que não fosse uma noite de casa cheia, como já é esperado para a estreia desta sexta, para o sábado e também para o domingo, centenas de pessoas compareceram à Praça da República, na noite de quarta-feira (24), para disputar lugares no Theatro da Paz: tudo para acompanhar e, ao fim, aplaudir de pé o ensaio geral da cantata “Los Pájaros Perdidos – O Tempo no Tango”, a nova atração do XV Festival de Ópera do Theatro da Paz. A edição de 2016 do festival teve início no dia 6 de agosto e deve se estender até o primeiro dia de outubro.
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Após semanas de ensaios a portas fechadas, essa foi a primeira oportunidade para que a plateia de Belém pudesse finalmente tomar contato com a aguardada produção. Há bons motivos para isso: com a montagem de “Los Pájaros Perdidos”, essa é a primeira vez que se cria uma cantata original para o festival paraense de ópera. Além disso, a produção reúne uma constelação de talentos, que toma o palco do Theatro da Paz e também os seus bastidores.
Por três dias, eles gravitarão ao redor da força expressiva do tango e do legado musical deixado por composições essenciais para as carreiras dos músicos argentinos Astor Piazzolla (1921-1992) e Carlos Gardel (1890-1935). Tudo isso costurado por um roteiro marcado por uma grande fusão da música com linguagens como a poesia, a dança e as artes visuais e cênicas.
Gêneros – Para entender porque uma cantata integra a programação de um dos mais tradicionais festivais de ópera da atualidade no Brasil – que também já soma expressiva atenção também do cenário internacional -, é preciso começar sabendo que a cantata é como uma prima da ópera. Explicando de forma mais simples, pode-se dizer que a ópera é, grosso modo, uma forma de fazer teatro com a ajuda do canto: em geral, histórias completas, escritas em libretos, são narradas unindo as artes dramáticas e a música. A diferença entre óperas e cantatas, portanto, está na estrutura das montagens. As cantatas, em geral, querem resumir uma moral, ou estado de espírito, através de sequências de músicas que resumem algum argumento.
“Tudo que entra nessa montagem já foi cantado. Criou-se uma história, contada através dessas músicas, retiradas do imaginário do tango antigo de Gardel e do tango novo de Piazzolla. É a história de um casal, com seus reencontros, perdas, paixão, amor, narrada pela passagem do tempo e pelas quatro estações, que representam o próprio passar de uma vida”, pontua Caetano Vilela, o premiado diretor paulista que assina a direção cênica e a iluminação da cantata. “É um trabalho que há um ano vem sendo maturado. E o fato de ter sido a primeira cantata criada para se apresentar no Theatro da Paz reflete a grande representatividade que hoje tem o Festival de Ópera do Pará.”
Além de conceber a ideia original de “Los Pájaros Perdidos – O Tempo no Tango”, título que é baseado numa composição de Piazzolla, o diretor Caetano Vilela também é responsável por um dos trunfos da montagem: o forte apelo visual da iluminação, que inclui também projeções, sobre grandes panadas, de criações da artista visual paraense Roberta Carvalho, sobre o cenário concebido pelo paulista Roni Hirsch. Elas ajudam a construir a narrativa da cantata, ao lado dos esforços de músicos, cantores e bailarinos.
Outro trunfo vem do trabalho do coreógrafo e bailarino argentino Luis Arrieta, que responde por todos os movimentos corporais sobre o palco, de músicos e cantores a bailarinos. Arrieta teve um desafio a vencer: conciliar a tradição popular do tango à expressão da dança moderna, e conduzir o fio dinâmico coreográfico que orienta e dá corpo à produção.
Em cena, além do coreógrafo e bailarino argentino, estarão interagindo 14 bailarinos paraenses e dançarinos de tango convidados, que vieram de São Paulo (SP). Entre eles, Irupé Sarmiento, Júlio César, Margareth Kardosh e Vitor Costa, além da paraense Isanira Coutinho. “Esse é um trabalho muito bem cuidado, o que ajuda muito os intérpretes. É deslumbrante dançar assim. É a primeira vez que danço num palco inclinado. Há 25 anos me dedico ao tango. E o esforço de subir e descer me faz lembrar o ir e vir do fole, da respiração do bandoneon”, sorri o paulista Vitor Costa, que atualmente vive na Holanda, e que tem raízes paraenses já que parte da família dele é originária de Belém.
“Foi um desafio conciliar o tango com o balé clássico. Focamos muito nas expressões faciais, que têm grande importância. Foi um mês trabalhado cerca de cinco horas por dia”, conta a jovem bailarina Evelyn Modesto, pouco antes de se juntar ao círculo que os colegas fazem na coxia. Faltam apenas alguns minutos para a estreia para o público. De mãos dadas, eles fazem uma oração. Soa a primeira sineta do teatro.
“Esse encontro de linguagens e de tempos é uma expressão contemporânea. Há músicas do passado e mais atuais, e bailarinos de várias idades no palco. E, nesse momento, de ensaio geral, é preciso entender que nossa visão, aqui dentro das coxias, é diferente daquela do público. Há um olhar mais matemático do espetáculo, pensado e iniciado há meses, cujo resultado é fazer com que ele seja o mais emocionante possível para a platéia. Toda interpretação será permeada pelos movimentos”, pondera o coreógrafo e bailarino argentino Luis Arrieta. Sentado sobre um praticável que compõe o cenário, momentos antes das cortinas serem levantadas, Arrieta mantém o olhar em direção à panada. Em silêncio e sozinho, parece checar mentalmente se está tudo certo. É a ele que coube dirigir esse esforço de construção.
Narrativa – Quando a cantata - que é a primeira concebida para uma edição do Festival de Ópera -, pode ser finalmente tocada pelos olhos e ouvidos do público do Theatro da Paz, é o bandoneonista Martín Mirol quem está no palco. É do argentino a responsabilidade de fazer o acompanhamento dos tangos em seu instrumento mais expressivo. “É uma experiência muito enriquecedora. Nunca havia tocado tango neste tipo de arranjo. É um gênero musical que já tem mais de cem anos e várias fases, e aqui acho que fechamos o conceito da passagem do tempo de uma forma muito bonita”, comemorou Mirol.
“É uma experiência muito importante, principalmente por ser a primeira cantata cênica autoral feita para festival, e construída a muitas mãos. Nos exigiu pelo menos sete meses de trabalho nos arranjos”, resume o músico paraense Luiz Pardal, que dividiu a direção musical do espetáculo com o maestro Miguel Campos Neto. É Neto quem conduz também os 19 músicos da Orquestra Jovem Vale Música durante a uma hora e 20 minutos de apresentação da cantata.
É com eles que se unem a cantora popular mexicana Eugenia León – que pela primeira vez se apresenta em Belém – e o tenor carioca Fernando Portari, que participa do Festival de Ópera pela terceira vez seguida, após várias passagens em montagens no exterior. “É uma honra estar em Belém e no maravilhoso Theatro da Paz”, fez questão de ressaltar esta semana a cantora, que já soma 40 anos de carreira.
“Esse é o grande momento. O ensaio geral é o grande dia de juntar tudo o que foi feito até aqui, todo esse trabalho longo e gradativo de construção, e de sentir a receptividade do público. É fundamental para as apresentações que virão”, resume o contrabaixista Príamo Brandão à porta do fosso que abriga a orquestra. Lá, no piso abaixo do palco, a agitação ruidosa dos músicos contrasta com a atmosfera de quase silêncio contrito que impera na penumbra acima do tablado, atrás da panada. No escuro que aguarda ser desvelado, a qualquer momento, pela plateia, ouvem-se apenas ruídos múrmures, comandos técnicos cautelosos e algum ou outro barulho de velcros ajustados de última hora.
Toca a terceira sineta. E abre-se, enfim, a cortina, rasgando a tensão dos minutos de espera. A luz que penetra no palco do Theatro da Paz traz consigo palmas e rostos de todos os tipos. As mesmas palmas que oitenta minutos depois consagrarão os meses de trabalho da montagem da cantata “Los Pájaros Perdidos”. Há flores, lágrimas e sorrisos plantados esta noite no palco do mais belo e tradicional teatro da Amazônia. E elas seguirão sendo colhidas pelos próximos três dias de festa da ópera entre os paraenses.
Serviço:
As récitas da cantata “Los Pájaros Perdidos” ocorrem nesta sexta (26), sábado (27) e domingo (28), sempre às 20h, no Theatro da Paz. Os ingressos estão à venda na bilheteria do Theatro da Paz. Valores: R$ 50 (plateia, varanda, frisa e camarote de 1ª); R$ 30 (camarote de 2ª); R$ 20 (galeria) e R$ 10 (paraíso). Todas as informações sobre o Festival de Ópera do Theatro da Paz, de histórico à agenda da edição deste ano, incluindo detalhes sobre a localização dos lugares dentro do Theatro da Paz, podem ser acompanhadas pelo site oficial do evento (www.festivaldeopera.pa.gov.br/site).