Fundador do Instituto Inclusivo Sons do Silêncio, o músico profissional e pedagogo Carlinhos Lua decidiu investir na carreira de professor de música para pessoas com deficiência. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
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A mistura das melodias dos instrumentos musicais ultrapassa as portas do auditório e ecoa por todo o primeiro andar do Centro Cultural dos Correios, no bairro do Recife Antigo. Dó, ré, fá, sol e outras notas musicais são assimiladas e cada particularidade das vibrações das ondas sonoras passam literalmente pelo corpo, através da pele e ossos. Nas tardes das terças e quintas-feiras, a música tem um significado especial para cerca de 15 crianças participantes das aulas gratuitas. Eles não conseguem ouvir da forma tradicional porque são surdos, mas sentem na pele a pulsação dos acordes que aprendem a praticar com o professor Carlos Alberto, 49, conhecido como Carlinhos Lua.
Fundador do Instituto Inclusivo Sons do Silêncio, o músico profissional e pedagogo Carlinhos decidiu investir na carreira de professor de música para pessoas com deficiência em 2015, ano em que o instituto foi fundado. No início do projeto, o maestro dava aulas para deficientes auditivos adultos, pessoas com Síndrome de Down e outras deficiências. Mas, em dezembro de 2017, ele iniciou um novo desafios com crianças surdas. Segundo o Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Goegrafia e Estastística (IBGE), 9,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva. Dessas, 2.147.366 milhões apresentam deficiência auditiva severa, situação em que há uma perda entre 70 e 90 decibéis (dB). Cerca de um milhão são jovens até 19 anos.
A capacidade de “sentir” o som é tema da pesquisa de Dean Shibata, da Universidade de Washington. O cientista americano afirma que pessoas com deficiência auditiva podem apreciar a música da mesma maneira que as que ouvem com perfeição porque a área do cérebro dos ouvintes que percebe a música é a mesma com que os surdos percebem a vibração. Essa pesquisa impulsionou o músico Carlinhos a se dedicar ao ensino da música, com vários instrumentos musicais, aos surdos. Ele queria quebrar o tabu de que deficientes auditivos só poderiam aprender instrumentos de percussão.
Nas tardes das terças e quintas-feiras, a música tem um significado especial para cerca de 15 crianças participantes das aulas. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
O professor se aprofundou nas pesquisas e conheceu o método Tadoma, em que a pessoa surdo-cega coloca o polegar na boca do falante e os dedos ao longo do queixo. Dessa forma, eles conseguem sentir a vibração das cordas vocais. As aulas para a criançada são gratuitas, têm duração de três horas, das 14h às 17h, e as mães acompanham a felicidade dos jovens ao aprender os novos acordes e ter contato com o violões, violinos, saxofones, flautas e outros instrumentos.
A ideia do projeto é ensinar música para mais pessoas com deficiência e alfabetizar em Libras para formar a Primeira Banda Filarmônica Inclusiva do Brasil. “A educação inclusiva é essencial na formação e construção do caráter, e através do ludismo da música, levamos aprendizados importantes para essas pessoas”, explicou Carlinhos Lua. Ele lamentou, no entanto, que o sonho de montar a orquestra teve que ser paralisado porque muitos alunos sequer sabiam se comunicar através da Língua Brasileira de Sinais e por isso, precisa ensinar antes para que eles compreendam as aulas de música. Somente em 2002, por meio da sanção da Lei n° 10.436, a Libras foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país.
Enquanto as filhas se divertem na aula, a mãe Andreza Jacira, 32, acompanha o desenvolvimento delas ao lado de outras mães nas cadeiras do auditório do Centro Cultural dos Correios. Mãe de Isabelle e Izadora, gêmeas de oito anos, ela conta que passou a frequentar o curso de música há seis meses. “Eu tenho duas filhas, uma delas é ouvinte e a outra é deficiente auditiva, mas trago as duas para a aula”, disse Andreza.
Ela pontua que quando as meninas nasceram não sabiam da deficiência de uma delas. Ainda bebês, as garotas passaram por um teste de orelhinha e foi detectado que uma delas estava com a audição ausente. “Com o passar dos, anos tivemos certeza de que Isabelle era surda, já que Izadora começou a falar de tudo e a irmã nada. Fui em muitos médicos para tratar e nos indicaram uma fonoaudióloga. Foram anos de luta para encontrar uma escola inclusiva que fosse de qualidade”, relatou.
Desde que começou a trazer Isabelle nas aulas, Andreza conta que a evolução é notável em casa e na interação com os instrumentos. “Ela ama o saxofone e essas aulas têm feito muito bem para as duas. Elas se ajudam”, explicou. A mãe afirmou, no entanto, que são muitas dificuldades para encontrar espaços inclusivos em Pernambuco. “Procurei o Centro de Referência de Assistência Social do Recife para inscrevê-la em atividades esportivas, mas estamos na lista de espera. Nossa família ainda está se habituando, com o passar dos anos estamos aprendendo libras e buscamos nos aperfeiçoar no assunto”, contou.
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A doméstica Angélica da Silva, 38, foi a primeira que matriculou Gabriel Silva, 11, nas aulas de música para surdos. Ela se orgulha de ter trago muitas outras mamães e alunos com deficiência para a sala de aula do professor Carlinhos. Aos quatro anos, Gabriel fez um implante coclear, dispositivo médico eletrônico para pessoas com perda auditiva de grau severo a profundo. “Ele hoje consegue ouvir se tiver com o aparelho e as aulas têm sido maravilhosas para o meu filho. Ele se sente integrado”, afirmou.
Carlinhos destaca que seu sonho de ensinar surdos a teoria e prática da música, através das partituras, tem se tornado realidade a cada ano. Mas, como o projeto é ambicioso, necessita de investimentos e dinheiro para que seja tocado em frente. “Como eu não tenho apoio financeiro, criei um curso de Libras pago - R$ 60 mensais - para ajudar nos custos. Muitos instrumentos são doações e outros tivemos que comprar, o Governo de Pernambuco conhece o meu projeto, mas só faz bater nas costas e dizer que é lindo, ajudar que é bom, nada”, declarou o professor.
A pesquisadora Haguiara Cervelline diz que musicalidade é a possibilidade que o homem tem de expressar a música interna, ou entrar em sintonia com a música externa, por meio do seu corpo e seus movimentos, por meio da sua voz, cantando, do tocar, do perceber um instrumento sonoro musical ou não, ou de uma escuta musical atentiva. Isto é, a música é para todos, sejam ouvintes ou surdos.