Tópicos | Lei da Anistia

O Regime Militar no Brasil é um dos conteúdos mais presentes na prova de história, em Ciências Humanas e suas Tecnologias, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Foi um período onde a política esteve nas mãos dos militares e estes promoveram diversos Atos Institucionais (AI) marcados pela repressão, autoritarismo, censura aos veículos de comunicação, perseguições a adversários políticos e opositores do governo, de acordo com o que dizem os livros de história.

O processo iniciou-se com um golpe, em 31 de março de 1964, culminando com o afastamento do presidente João Goulart e a ascensão do Marechal Castelo Branco ao poder. A justificativa dos militares seria a ameaça do Brasil tornar-se uma nação comunista. O regime durou 21 anos, até a eleição Tancredo Neves em 1985.  

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Depois de 40 anos, a Lei da Anistia vive o momento de menor contestação. Além da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2010, que decidiu por sua constitucionalidade, a atual correlação das forças políticas no governo de Jair Bolsonaro (PSL) afasta a possibilidade de sua revisão. Militares e opositores da ditadura ainda consideram as feridas do período abertas - torturas, mortes e desaparecimentos -, mas não enxergam espaço, na Justiça ou no Parlamento, para qualquer mudança na legislação.

Parte do pacto feito pelos militares e pelos civis para garantir a abertura, a Lei 6.683/1979 considerou anistiados todos os delitos políticos e os chamados crimes conexos cometidos entre 1961 e 1979. Excluíam-se da anistia os condenados por terrorismo, sequestro e atentados, que mais tarde teriam as penas reformadas e, por fim, seriam anistiados com a Emenda à Constituição número 26, em 1985, que também convocou a Assembleia Constituinte.

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Pretendida pelo governo do general João Figueiredo e promulgada em 28 de agosto de 1979, a lei foi a 34.ª anistia concedida desde a fundação da República. Buscava-se, segundo os militares, pacificar e reconciliar o País. Após dez anos de exílio, o jornalista Fernando Gabeira desembarcou então no Rio. Houve festa. "A favor da pacificação está o tempo. Com ele, discutir a anistia fica fora do lugar, pois a polarização de 1964 não existe mais. A guerra fria acabou; só existe na visão de radicais."

Para Gabeira, o pacto da transição é intocável. "Como fato da realidade política e como produto da atual correlação de forças, com a eleição de Bolsonaro, o tema não deve ser reaberto." Ele diz que festejara à época a anistia e não vê por que, uma vez mudada a correlação de forças, mudar de opinião. "Mas respeito quem desejava rever a lei."

A consolidação da lei é defendida também por um dos parlamentares que a votaram no Congresso, o então senador Pedro Simon (MDB-RS). "O MDB tinha o seu projeto de anistia. E o governo, o seu", conta o senador, que foi a Nova York com o senador Tancredo Neves (MDB-MG) negociar o apoio do ex-governador Leonel Brizola para o projeto. "Mas o Brizola defendeu o projeto do governo, pois temia que o nosso não atendesse aos exilados."

No Brasil, a luta pela anistia tinha aliados como o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), a ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No governo, o projeto era conduzido pelo senador Petrônio Portela e pelo general Golbery do Couto e Silva. Havia resistências ao projeto do governo no MDB, conta o então deputado federal Miro Teixeira (MDB-RJ): "A discussão continuou no partido até que o Teotônio Vilela (senador por Alagoas) disse: 'A lei é essa ou não teremos anistia'."

A votação na Câmara foi apertada. A oposição e dissidentes da Arena ainda tentaram aprovar um substitutivo, que garantia uma anistia ampla irrestrita, mas a proposta acabou derrotada por cinco votos (201 a 206). Para Simon, a lei "deu um sentido de normalidade à vida pública brasileira, abrindo caminho até para a legalização dos partidos comunistas nos anos 1980." Para Miro, não há um ponto final com a lei. "As feridas da tortura nunca cicatrizarão para quem foi torturado."

São essas feridas que levam o senador Major Olimpio (PSL-SP) considerar que se está longo de uma pacificação. "O presidente Figueiredo quis uma anistia para os dois lados. Esse gesto, até mal interpretado, foi salutar." Na época, Olimpio era cadete da PM de São Paulo. "Não me esqueço, porém, que o capitão Carlos Lamarca matou o tenente Alberto Mendes Júnior."

Quem também não esquece é o ex-deputado Marcos Tito (MDB-MG), que teve o mandato cassado em 1977 com base no AI-5. Ele estava entre os anistiados. "A anistia não reparou e todas as demais perseguições."

Em dois momentos a lei foi contestada. A primeira vez, quando se tentou aprovar na Constituinte que o crime de tortura era imprescritível - a esquerda foi derrotada pelo Centrão. Depois, quando o STF analisou se a lei estava de acordo com a Constituição de 1988, a Corte decidiu por 7 votos a 2 que a lei tinha validade. "A lei marcou o fim da ditadura. Sabemos que ela dificilmente vai mudar. Mas, se a Justiça está bloqueada, isso não impede que a luta se faça em defesa da memória dos que combateram a ditadura", afirmou o secretário de Direitos Humanos do PT e ex-preso político, Adriano Diogo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Decidir sobre a constitucionalidade da Lei da Anistia foi o voto mais importante do jurista Eros Grau, de 79 anos, nos sete anos em que permaneceu como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a legalidade da extensão da anistia para os agentes do regime militar que haviam sido responsáveis por violações dos direitos humanos, Eros Grau disse que não deu sua opinião pessoal ao votar a favor da lei aprovada em 1979. "O que o tribunal fez quando julgou a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental)? Ele não fez justiça, ele aplicou a lei e a Constituição." Leia a seguir, a entrevista do ex-ministro.

Doutor Eros Grau, como o senhor construiu o seu voto no julgamento sobre a anistia?

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Seguramente, foi o meu voto mais importante no tribunal. Eu havia vivido momentos históricos importantes e sido preso duas vezes. Sabia que a anistia tinha de ser ampla, geral e irrestrita. Era isso que estava por detrás de todas as movimentações antes do surgimento da Lei da Anistia. Além disso, é importante ver o que está escrito na lei e o que está escrito é muito claro. O juiz, seja de 1.ª instância ou ministro de um tribunal superior, é responsável pela correta aplicação da Constituição e das leis. Não vai lá dar sua opinião pessoal e não pode ser vítima de seus sentimentos. Ele deve interpretar a lei ainda que não goste do que diz a lei. Ele terá o dever de proceder prudentemente. Quando falamos de jurisprudência estamos falando de prudência, e não de ciência, de paixão, de arte. É a prudência aristotélica. Ganhei alguns inimigos em razão do voto que dei. Aí entra outro ponto, que é profundamente importante em torno do qual tenho me batido: há uma distinção entre lei e justiça. Um juiz deve aplicar a lei. Ainda que não goste dela eu tenho de aplicá-la. E a justiça não tem nada que ver com a lei. E a justiça, como diz o profeta Isaías (32:15-17): 'O direito habitará no deserto e a justiça no vergel. O fruto da justiça será a paz. E o efeito da justiça será sossego e segurança para sempre'. Ainda bem que a leis existem, pois, mesmo quando os mais fortes dominam, eles precisam fazer leis que garantam a sobrevivência dos mais pobres. Essa diferença entre lex (lei) e jus (justiça) é fundamental. O que o tribunal fez quando julgou a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental)? Ele não fez justiça, ele aplicou a lei e a Constituição com serenidade e prudência.

Qual a importância da consolidação da anistia para o nosso ordenamento jurídico atual?

Acho que ela foi fundamental na medida em que, a partir daí, estabilizaram-se as relações políticas. Atualmente, eu rogo a Deus nas alturas que isso permaneça, mas, hoje em dia, eu temo que isso não ocorra.

Durante o seu voto no Supremo, o senhor recupera a historicidade do movimento pela anistia. Qual a razão disso?

É muito importante, quando um juiz ou um tribunal toma uma decisão, para se obter a correta compreensão - não a exata, pois o direito não é ciência nem arte, é uma prudência -, é importante para chegar a uma compreensão correta buscar as raízes daquele texto normativo que você vai interpretar e compreendê-lo como uma norma formada pela realidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A punição de agentes públicos envolvidos com graves violações de direitos humanos, como recomendou a Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final, entregue na quarta-feira à presidente Dilma Rousseff, vai depender sobretudo do comportamento do Judiciário frente à questão. Até agora os juízes têm se mantido em grande parte refratários à ideia de punição.

De um conjunto de dez ações já encaminhadas à Justiça pelo Ministério Público Federal, pedindo punição para militares e policiais civis acusados de graves violações de direitos humanos na ditadura, apenas três estão em andamento. As outras sete ações foram paralisadas por decisão dos juízes.

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O argumento recorrente nas decisões judiciais é o de que os acusados foram beneficiados pela Lei da Anistia de 1979. Os juízes se guiam pelo Supremo Tribunal Federal. Mais especificamente pelo julgamento, em 2010, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, na qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu a anulação do perdão dado aos representantes do Estado acusados de crimes como tortura e execução sumária. Por 7 votos a 2, a ação foi julgada improcedente pela corte.

O Grupo de Trabalho Justiça de Transição, no qual atuam os procuradores federais encarregados de promover a investigação e persecução penal dos agentes públicos, está recorrendo em instâncias superiores contra todas as decisões de paralisação das ações. Em dois casos obtiveram vitórias em tribunais regionais, em São Paulo e no Rio, que podem sinalizar uma mudança de posição do Judiciário.

Em São Paulo, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3) determinaram a continuidade de uma ação penal contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, na qual é acusado pelo crime de ocultação de cadáver.

O debate vai voltar ao STF. No momento já aguardam julgamento naquela Corte duas ações que questionam a Lei da Anistia. Uma foi apresentada pelo PSOL. A outra, pelos procuradores que buscam a punição dos envolvidos no caso do ex-deputado Rubens Paiva, que desapareceu em 1971.

De acordo com a Comissão da Verdade, a anistia concedida aos autores de graves violações de direitos humanos contraria convenções internacionais. O grupo também lembra a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2010, ao julgar ação de familiares de desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, condenou o Brasil a punir os responsáveis.

"Enquanto o STF não tomar uma decisão reconhecendo a força obrigatória da sentença da Corte Interamericana, os juízes vão continuar com dificuldade de aplicá-la", diz o procurador regional da República Marlon Weichert. "Eles se sentem temerosos." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O pedido pela revisão da Lei da Anistia marcou, nesta segunda-feira (15), as homenagens aos 35 anos do retorno do ex-governador, Miguel Arraes, a Pernambuco após o exílio político durante a Ditadura Militar. Durante a cerimônia, no Instituto Miguel Arraes, na Zona Norte do Recife, foram relembrados momentos como a chegada do ex-governador ao estado, após residir 14 anos na Argélia. Ele foi deposto em 1964, após o Golpe de Estado.

O governador de Pernambuco, João Lyra Neto (PSB), relembrou os legados do líder político e pontuou que ele fez o Brasil ter outro olhar para o povo pernambucano. "Ele foi um dos políticos mais importantes do século XXI. Ele fez com que Pernambuco e o Braisl voltasse o seu olhar para a população mais pobre. Ele contribuiu muito para a nossa história", frisou o gestor.

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O presidente da Comissão da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, Fernando Coelho, foi um dos parlamentares, da época, a receber o ex-governador no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e a participar da votação que concedeu a Anistia para os exilados. Ao relembrar os fatos, Coelho disse ter assistido momentos marcantes. “Foram dois dias de votações tensas no Congresso. A anistia não foi um ato de liberdade do governo. Nas oito sessões nunca ouve acordo entre as bancadas, o clima era de grande confronto”, afirmou o ex-deputado. 

Para ele a revisão da Lei é uma questão de justiça. “Nosso objetivo não é apenas de ordem acadêmica ou cultural. Mas para que venha se fazer justiça”, disparou ao lembrar que os torturadores da época também foram anistiados, o que, segundo Coelho não deveria ter acontecido. 

O presidente da Comissão também recordou como foi receber Miguel Arraes junto com Jarbas Vasconcelos e Marcos Freire. “Nunca vi nada igual ao que aconteceu naquele dia. Lembro como hoje de tudo. Antes de Arraes descer do avião, fomos pedir ao comandante brigadeiro da época para que ele liberasse o autofalante, sabíamos que Arraes chegando ao Brasil ia querer falar, mas não conseguimos. Arraes desceu e falou, nós fizemos uma ladainha. Os mais próximos iam repetindo o que era dito e assim sucessivamente”, contou. 

Ao ouvir os relatos de Fernando Coelho, o neto de Miguel Arraes, advogado Antônio Campos, solicitou que o ex-parlamentar documente em artigo tudo o que viu durante a votação da Lei da Anistia para reforçar o pedido de revisão no Congresso. Para Campos, se faz necessário que o Congresso Nacional e a Justiça reveja a legislação. “A luta de Anistia, que é de preservação da história, ainda continua. A revisão da Lei é para se fazer justiça. A anistia do povo brasileiro vai se completar quando se tiver uma boa educação, se ela vier para fortalecer a democracia”, argumentou.

Segundo o advogado, as dividas do regime militar com a família de Arraes foram pagas pelos pernambucanos que o reelegeram governador.  “A concessão da anistia e o reassentamento funcional dele, como servidor público, foram importantes para a vida de Arraes. O grande projeto político dele era de formatar a nação brasileira sem copiar modelos estrangeiros e criar uma identidade nacional”, frisou. 

Para o secretário estadual da Criança e da Juventude, Pedro Eurico, a Anistia mútua não deve ser admitida. “Não há possibilidades de se perdoar aqueles que praticaram um crime em nome do Estado. Estamos preocupados com as futuras gerações. A tortura continua nas delegacias da vida, aqueles que praticaram este tipo de ato devem ser enquadrados de acordo com a Lei”, corroborou. 

Homenagem a Eduardo Campos

Antes da cerimônia foi inaugurado no Instituto Miguel Arraes o Centro Cultural Eduardo Campos, em homenagem ao ex-governador falecido no dia 13 de agosto, após um acidente aéreo no litoral de São Paulo, em Santos.  

Trinta e cinco anos após a sua instituição a revisão da Lei da Anistia tem sido foco de muitos políticos e, nesta quinta-feira (22), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) vai debater o tema na Câmara Municipal de Olinda. O encontro está agendado para as 19h.

A discussão será comandada pelo presidente da legenda na cidade, Tales Vital, e contará com a participação da ativista dos direitos humanos e fundadora do movimento Tortura Nunca Mais, Amparo Araújo. Além dos deputados estaduais Aluisio Lessa e Laura Gomes, o deputado federal suplente Severino Ninho e o vereador petista, Marcelo Santa Cruz.

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A revisão da Lei de Anistia, de 1979, ganhou força, nesta quarta-feira (9), com a aprovação pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do PLS 237/2013. O texto, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), permite que militares e civis responsáveis por graves violações de direitos humanos sejam punidos por seus crimes. A proposta foi colocada em pauta a pedido dos integrantes da Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça, que apoiam campanha da Anistia Internacional pela punição dos crimes da ditadura militar (1964-1985).

O projeto segue agora para exame das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

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Conduzida pela presidente da CDH, senadora Ana Rita (PT-ES), a votação contou com a presença do presidente da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, e de representantes de entidades de direitos humanos.

Conforme o artigo 1º do projeto, “não se incluem entre os crimes conexos [definidos pela Lei de Anistia] aqueles cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de qualquer forma, se opunham ao regime de governo vigente no período por ela abrangido”.

Imposição

De acordo com Randolfe Rodrigues, o objetivo da proposta é superar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADPF 153 de que crimes como tortura, sequestro e homicídio cometidos durante o regime militar sejam considerados conexos aos crimes políticos e, portanto, abrangidos pela Lei de Anistia. Para o senador, a lei aprovada em 1979 foi uma imposição do período da ditadura.

"Aquela Lei não foi resultado da luta sonhada e desejada pelos exilados. Não existe pacto quando um dos lados está armado e o outro está desarmado. A Lei da Anistia foi uma imposição", isse o senador, afirmando também que o projeto contribuirá para o resgate da memória e da verdade do país.

O único mérito da Lei da Anistia, segundo o parlamentar, foi garantir o retorno dos exilados, contrários ao regime. Para Randolfe, adequar a Lei da Anistia à Constituição de 1988 e ao sistema internacional de direitos humanos é tarefa urgente do Poder Legislativo.

"Não pode haver ódio, mas não pode haver perdão. Não é uma lei para olhar para o passado, é uma lei para olhar para o futuro", pontuou o psolista, afirmando ainda que a ditadura deixou uma estrutura conservadora no estado brasileiro, como o atual modelo das policiais militares.

*Com informações da Agência Senado

 

A atual coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, voltou a defender nesta segunda-feira a revisão da interpretação da Lei da Anistia em vigor no País. Ela se manifestou durante audiência pública realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, durante a qual foi lançada uma moção por uma campanha nacional pela reinterpretação da lei.

Ressalvando que falava em seu nome, e não da comissão, Rosa Maria disse que o Brasil deve cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que se manifestou sobre o tema ao julgar uma ação movida por familiares de participantes da Guerrilha do Araguaia. Divulgada em dezembro de 2010, a sentença diz que a anistia dada pelo Brasil aos policiais e militares que, durante a ditadura, cometeram crimes contra os direitos humanos, tais como tortura, sequestro e ocultação de cadáver, viola Convenção Americana - para a qual esses crimes são imprescritíveis. A Lei da Anistia foi, na concepção dos integrantes da corte internacional, uma auto-anistia, o que também viola convenções das quais o Brasil é signatário.

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Na abertura do encontro desta segunda, Rosa Maria qualificou como contraditória a posição do Brasil, que, após ter decidido fazer parte de um organismo internacional, se recusa a cumprir suas determinações. "É uma contradição não aceitar essa cogência, que foi buscada o quando o Estado se associou a uma ordem internacional", disse. "São organismos internacionais na área do direito que têm que estabelecer um paradigma de comportamento para os governos dos Estados."

A coordenadora da comissão disse que a Comissão da Verdade não tem uma posição definida sobre a questão da anistia e que o tema deve ser discutido apenas na parte final dos trabalhos, quando o grupo passar a discutir as recomendações ao Estado brasileiro. Entre os seis integrantes da comissão, lembrou a coordenadora, quatro já se manifestaram pela revisão da interpretação em vigor. Os outros dois apoiam a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em abril de 2010, ratificou a interpretação de que os agentes de Estado acusados de violarem direitos humanos também foram anistiados.

Também participaram da audiência pública o jurista Fábio Konder Comparato, o advogado e ex-secretário estadual de Justiça Belisário dos Santos Júnior, o procurador federal Marlon Weichert e o professor de direito José Carlos Moreira da Silva Filhos. Todos defenderam a necessidade de se rever a interpretação da lei.

Ao final das exposições, a ex-presa política Amelinha Telles, que assessora a Comissão Estadual, anunciou o lançamento da moção com críticas à lei. O texto, que deverá ter a assinatura de entidades de direitos humanos, é o primeiro passo para uma campanha nacional em defesa da reinterpretação daquela decisão, adotada em 1979, ainda durante a vigência da ditadura.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta quarta-feira que o governo não pretende enviar ao Congresso projeto que reveja a Lei da Anistia. As declarações do ministro ocorrem um dia após integrantes da Comissão da Verdade sinalizarem que vão propor no relatório final mudanças no entendimento da Lei, que assegura que não serão punidas pessoas envolvidas com atos de tortura, morte e desaparecimento ocorridos no período da ditadura (1964-1985).

"A posição do governo é de não encaminhar nenhum projeto de lei revendo a Lei da Anistia porque há uma decisão judicial", afirmou Cardozo, em Brasília. A decisão citada pelo ministro foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, e definiu que a anistia vale para todos os crimes do período ditadura militar

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"A Comissão da Verdade tem se manifestado, ela atua com autonomia e liberdade. É um órgão de Estado, portanto, pode fazer as sugestões, orientações e revelações que achar devida", acrescentou Cardozo.

Em comentário sobre a Lei da Anistia de 1979, o atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, disse ontem em São Paulo que o Brasil deveria seguir as regras de tribunais internacionais, para os quais a autoanistia não é aceitável.

"Sentenças de tribunais internacionais devem ser cumpridas", afirmou, referindo-se a uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a recomendação para que o Brasil reveja a lei, promulgada ainda durante o período do regime militar. Pinheiro também disse que não se pode esquecer que, "no governo de Fernando Henrique houve uma luta grande para que o Brasil reconhecesse a jurisdição da Corte Interamericana".

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Ele se referia ao fato de, em 1998, na comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o então presidente ter sancionado a decisão do Congresso que reconheceu a jurisdição da Corte. Ao mencionar que a Lei da Anistia foi promulgada ainda durante a vigência do regime militar (1964-1985), o coordenador disse: "Autoanistias não são aceitas em cortes internacionais".

Pinheiro enfatizou por duas vezes, no início e no fim de suas observações, que elas refletem sua posição pessoal e não a da comissão. Diplomático, também disse que o grupo que coordena não representa o Estado e não cabe a ele tomar decisões ou fazer manifestações sobre o assunto. Referiu-se, por fim, ao fato de ter atuado durante oito anos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, fato que o aproximou bastante daquele sistema. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em um dos ataques mais duros da ONU ao modelo de transição política no Brasil, o relator da entidade contra a tortura, Juan Mendez, acusa a Lei da Anistia brasileira de ter tido seu objetivo original "travestido" e de ter sido usada como "desculpa para proteger militares e policiais."

A declaração do relator apela ainda para que a sociedade "não se deixe chantagear" pelo argumento de setores que insistem na ideia de que não seria conveniente reabrir o passado.

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Em entrevista coletiva na sede da ONU, Mendez foi questionado pela imprensa estrangeira sobre o fato de o Brasil ainda ser um dos poucos países na América do Sul a não investigar seu passado. "No Brasil, na transição, houve um movimento para se ter uma lei de anistia, porque políticos perseguidos precisavam voltar e participar da vida política do País. Houve um movimento para se ter uma anistia. Era uma forma de abertura para a democracia. Mas, lamentavelmente, a lei foi aplicada para proteger os militares e a polícia de processos", declarou Mendez.

Para ele, o objetivo original da anistia foi "travestido". Segundo ele, isso significa que a lei foi criada com um propósito, mas foi aplicada em outro sentido. "Houve uma mudança de rumo na justiça, justamente no sentido contrário ao que ela originalmente estabelecia", disse Mendez. "A lei foi estabelecida para tentar criar um espaço político, mas foi usada como argumento para impunidade."

Essa distorção da lei também ocorreu em outros países sul-americanos, mas, de acordo com o relator, esses países latino-americanos já conseguiram superar os limites de suas leis de anistia. "Mas, lamentavelmente, o Brasil manteve a anistia para militares e policiais responsáveis por crimes sérios."

Limitações

Para o relator, a Comissão da Verdade não irá superar, sozinha, as limitações da Lei da Anistia brasileira. "No entanto, se a comissão for conduzida de forma séria, abrirá possibilidades para processos em um segundo estágio", declarou. "Se isso vai ocorrer eu não sei. Mas o direito internacional aponta nessa direção", insistiu.

O relator elogiou o governo da presidente Dilma Rousseff na tentativa de reconduzir o assunto no Brasil. "Há, pelo menos, uma chance de olhar o passado. O governo mostra que está pronto para rever o passado, pelo menos dizendo a verdade agora."

Na avaliação do relator, cabe também à sociedade tomar a decisão de olhar para o passado. "A experiência latino-americana mostra que não se pode deixar chantagear por aqueles aliados civis dos militares que dizem que é melhor não tocar no passado por conta das repercussões que isso pode ter. Essa chantagem não pode ser aceita", concluiu Mendez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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