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Cinquenta anos depois de serem assassinados na ditadura militar brasileira, dois estudantes da Universidade de São Paulo (USP) foram homenageados pela universidade com diplomas honoríficos neste mês. Mortos em 1973, Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz foram alunos do Instituto de Geociências (IGc) na década de 1970 e também militantes do movimento estudantil da USP. 

A homenagem faz parte do projeto Diplomação da Resistência, uma iniciativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e da vereadora paulistana Luna Zarattini (PT), em parceira com o Instituto de Geociências da USP.

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As duas diplomações póstumas são as primeiras entre 33 homenagens que a universidade deve promover por meio do projeto para estudantes que foram assassinados pela ditadura militar. O objetivo, informou a instituição, é “reparar as injustiças e honrar a memória dos ex-alunos”.

“Diplomar estudantes que foram assassinados na ditadura significa reparar uma dívida histórica que a universidade tem com esses estudantes. Muitos deles se destacaram academicamente, politicamente e, por razões óbvias, não puderam finalizar seus estudos porque estavam mortos”, disse Renato Cymbalista, coordenador da Diretoria de Direitos Humanos e Políticas de Memória, Justiça e Reparação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento. “É muito importante que a universidade reconheça essa enorme ruptura, essa tragédia, e se coloque em uma posição de solidariedade e de empatia com os familiares, com os amigos e com os parentes das vítimas e também consiga se colocar como uma instituição que não aceita a violação de direitos humanos”, acrescentou, em entrevista à Agência Brasil.

Em 2013, a universidade criou a sua própria Comissão da Verdade para examinar e esclarecer as graves violações aos direitos humanos que foram praticadas contra docentes, alunos e funcionários da universidade durante a ditadura militar brasileira. No relatório final, a Comissão da Verdade concluiu que a ditadura militar foi responsável pela morte de 39 alunos, seis professores e dois funcionários da universidade.

“Uma das recomendações da Comissão da Verdade da USP foi justamente a diplomação honorífica. Algo que nós agora estamos seguindo”, disse Cymbalista.

Alexandre Vannucchi Leme

Alexandre Vannucchi Leme tinha apenas 22 anos e estudava Geologia da USP. quando foi preso, torturado e morto por agentes do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) paulista, um órgão subordinado ao Exército.

Nascido em Sorocaba, era filho de professores e militava na Ação Libertadora Nacional (ALN) na época de sua prisão. Segundo a Comissão Estadual da Verdade, ocorrida na Assembleia Legislativa de São Paulo, Leme foi visto pela última vez no dia 15 de março de 1973, assistindo aulas na USP. No dia 16 de março, ele foi preso por agentes do DOI-Codi e submetido a intensas sessões de tortura. Um inquérito policial instaurado na época informava que ele foi preso “para apurar atividades subversivas da ALN”. No dia seguinte à sua prisão, Leme morreu em decorrência das torturas.

O estudante foi enterrado como indigente e a causa da morte divulgada pelo governo foi atropelamento, que teria ocorrido, segundo a versão militar, enquanto Vannucchi tentava fugir da polícia. Apenas em 2014 sua certidão de óbito foi retificada, com a informação de que havia sido morto no DOI-Codi por tortura.

Ronaldo Mouth Queiroz

Ronaldo Mouth Queiroz também era estudante de Geologia e vinculado à ALN. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP e, sob o pseudônimo de Mc Coes, produziu um jornal independente que fazia críticas políticas bem-humoradas.

Queiroz foi morto a tiros por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em 6 de abril de 1973, três semanas após a morte de Vannucchi, enquanto estava em um ponto de ônibus. A versão oficial dizia que Queiroz teria morrido após uma troca de tiros com militares, mas testemunhas que estavam no mesmo ponto de ônibus disseram ter visto ele ser executado.

Conceder o diploma honorífico a esses estudantes é um caminho para a memória e a reparação desse período. No entanto, os familiares e amigos das vítimas da ditadura militar no Brasil ainda prosseguem na luta por justiça e condenação. “O Brasil não foi capaz de fazer justiça. Ele não foi capaz de condenar explicitamente os algozes da ditadura. Isso porque, quando a gente teve a nossa lei da anistia, nós anistiamos tanto aqueles que tinham sido perseguidos pela ditadura, que estavam em exílio ou que estavam na clandestinidade quanto os torturadores. E isso teve algumas consequências bastante problemáticas porque a gente nunca conseguiu realmente fazer justiça como, por exemplo, aconteceu na Argentina, onde perpetradores foram para a cadeia e estão pagando por seus crimes. Isso não aconteceu aqui no Brasil”, disse Cymbalista.

O Senado fará uma sessão especial como um ato sobre os 60 anos da Ditadura Militar no Brasil em 2024 e lembrar a luta do Congresso Nacional contra forças autoritárias. Requerimento com esse objetivo foi aprovado nesta quarta-feira (20) em sessão plenária. A data ainda será agendada.

Autor do pedido, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que o golpe militar de 1964 foi um dos eventos mais marcantes da História do Brasil pois mudou radicalmente o rumo político, social e econômico do país. A ditadura, apontou o senador, foi responsável pela cassação de mandatos legislativos e suspensão de direitos políticos de cidadãos brasileiros.

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“Com efeito, a realização da sessão especial no Senado Federal é simbólico e resultado diagnóstico da luta do Congresso Nacional contra forças autoritárias e antidemocráticas”, ressalta Randolfe no requerimento.

*Da Agência Senado

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, comparou nesta sexta-feira (1º) o massacre de Paraisópolis, ocorrido em 2019, aos crimes praticados por agentes do estado na ditadura militar. “A ditadura militar está presente em fatos como o que ocorreu em Paraisópolis”, enfatizou ao participar do evento Mulheres em Luta por Memória, Justiça e Verdade, no Memorial da Resistência, na região central da capital. 

Em dezembro de 2019, uma ação da Polícia Militar (PM) em um baile funk na comunidade de Paraisópolis, zona sul paulistana, resultou na morte de nove jovens. Os policiais que participaram da operação afirmam que as mortes foram causadas por pisoteamento, resultado da confusão instaurada no local.  Um relatório elaborado pela Defensoria Pública de São Paulo contesta essa versão e aponta como causa da morte asfixia. A partir de exames periciais, o documento aponta que as vítimas teriam sido encurraladas em uma viela e sufocadas com o uso de gás lacrimogêneo. 

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Memória

Para quebrar os ciclos de violações de direitos, Almeida ressaltou a necessidade de se manter viva a memória desses fatos. “Nós não queremos mais que se repita a escravidão, não queremos mais que se repita a ditadura militar”, disse o ministro ao discursar. “Tudo que nós vimos em 1964, durante 21 anos, ainda está presente na sociedade brasileira, está muito forte. Estou falando do 8 de janeiro [com a invasão da sede dos três poderes em Brasília por manifestantes de extrema-direita], que foi o ápice disso, mas, eu quero lembrar que nós tivemos quatro anos de um governo que exaltou a ditadura militar no Brasil”, disse. 

Estado repressor

A própria estrutura do Estado brasileiro, segundo Almeida, dificulta a universalização de direitos básicos. De acordo com o ministro, o Brasil sofre de uma “falta de soberania econômica” que causa uma “desigualdade profunda”. “A gente só consegue sustentar esse tipo de ambiente, essa falta de soberania econômica, se junto a isso vier também um Estado profundamente autoritário, violento, repressor, um Estado infenso à democracia”, relacionou. 

Na visão de Almeida, essa situação dificulta mudanças, mesmo quando pessoas progressistas estão à frente dos governos. “Aqueles que já estiveram na administração pública sabem, boa vontade não é suficiente. Há uma série de dificuldades para que haja, de fato, um espaço para que as vozes do povo possam participar das políticas governamentais”, acrescentou. 

Depoimento

Mãe de um dos jovens mortos no Massacre de Paraisópolis, Maria Cristina Quirino também questionou até que ponto existe democracia no país. “Essa democracia que matou meu filho, porque é assim que eu entendo essa democracia. Hoje, eu não consigo enxergar essa democracia de outra forma a não ser enxergando a morte do meu filho”, disse ao fazer uma fala emocionada durante o evento. 

“Eu sei que existe lei. Eu sou cumpridora dessas leis. Eu respeito as leis, mas eles não respeitaram as minhas leis. Eles me tiraram o direito de criar o meu filho. Meu filho tinha 16 anos. Meu filho que ia crescer, que ia florescer. Ele estava na juventude. Meu filho era uma criança que não se formou no adulto. Ele tinha 16 anos. Ele era um ser humano, era muito importante pra mim, para minha família inteira. Hoje, a minha família está vivendo todos os minutos aquele dia, aquele maldito dia”, disse ao lembrar de Denys Quirino, uma das vítimas do massacre.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso para restabelecer a condenação do ex-coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em julho de 1971, durante a ditadura militar.

O STJ analisou a legalidade da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que derrubou a condenação dos herdeiros de Ustra a pagarem R$ 100 mil para a viúva e a irmã de Merlino, além de reconhecer a participação do então coronel nas sessões de tortura que mataram o jornalista. Ustra morreu em 2015.

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Integrante do Partido Operário Comunista na época da ditadura militar, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, e levado para a sede do DOI-Codi, onde foi torturado por cerca de 24 horas e morto quatro dias depois. 

Julgamento

O julgamento começou em agosto, quando o relator, ministro Marco Buzzi, votou pela anulação da decisão do tribunal paulista e determinou que a primeira instância julgue o caso novamente.  O relator entendeu que os crimes atribuídos a Ustra podem ser considerados crimes contra a humanidade. Dessa forma, a pretensão de reparação às vítimas e seus familiares não prescreve.

"A qualificação dos atos supostamente praticados pelo agente do DOI-Codi como ilícito contra a humanidade impede a utilização desse instituto, consideradas as gravíssimas violações cometidas contra direitos fundamentais e a proteção jurídica contra a tortura", afirmou.

O ministro acrescentou que a Lei de Anistia, aprovada em 1979 para anistiar crimes cometidos durante a ditadura, não impede o andamento das ações indenizatórias, que são de matéria cível. 

Após sucessivos adiamentos, na sessão realizada ontem (29), por 3 votos a 2, a Quarta Turma do STJ negou a tentativa dos familiares de Merlino de serem indenizados pelos atos de tortura praticados pelo então coronel.  Prevaleceu no julgamento o voto proferido pela ministra Maria Isabel Galotti, que votou para manter a decisão da Justiça paulista que considerou o caso prescrito.

Procurado pela Agência Brasil, o advogado Joelson Dias informou que a família Merlino vai recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Com a ideia de "preencher uma lacuna" devida à falta de imagens, mas sem qualquer pretensão científica, o designer gráfico Santiago Barros usa inteligência artificial para promover e impulsionar a busca por bebês roubados durante a ditadura argentina, com base em fotos de seus pais desaparecidos.

"O que você pede ao aplicativo é para imaginar. Para mim, é mais imaginação artificial do que inteligência artificial", explicou à AFP enquanto mostrava como o aplicativo Mid Journey recria possíveis rostos.

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Com um parente desaparecido, este homem tatuado e de cabelos compridos nascido em 1976, ano do golpe, sempre se sentiu desafiado pela luta das 'Abuelas da Plaza de Mayo' (Avós da Praça de Maio), organização de direitos humanos que conseguiu identificar 132 pessoas sequestradas quando bebês e ainda está à procura de outros 300 "netos".

"Achei que poderia preencher uma lacuna relacionada à imagem, imaginar como aquela pessoa estaria hoje. Ficou no imaginário que os netos são crianças ou bebês porque foram sequestrados quando eram bebês, mas agora são pessoas da minha idade", entre 40 e 47 anos, diz Barros.

"Faltava uma representação gráfica de como seriam aquelas pessoas, pelo menos no inconsciente coletivo, independentemente da precisão do resultado", explica. Publicitário e diretor de arte, as ferramentas tecnológicas fazem parte do cotidiano de Barros.

Há um mês, ele começou a usar a inteligência artificial nesta iniciativa, que consiste em inserir no aplicativo fotos em preto e branco dos pais desaparecidos, retiradas do portal da organização Abuelas.

A partir dessas imagens, o aplicativo cria quatro rostos possíveis. Barros escolhe um deles e publica no perfil IAbuelas que criou no Instagram para dar visibilidade ao tema. Em um mês, somou mais de 6.300 seguidores.

Até agora, já publicou cerca de 40 identidades imaginárias correspondentes aos sequestrados em 1976 e já começou a trabalhar nos de 1977. A ditadura durou até 1983.

"A ideia é ajudar na divulgação. Me pareceu que usar a inteligência artificial aproximaria os mais novos, jovens de vinte anos, com uma linguagem que eles possam interpretar", entusiasma-se.

- Abuelas, campeãs do mundo -

Ele esclarece que os resultados do aplicativo “são aleatórios, não são 100% confiáveis ou definitivos”. Quando recebe uma mensagem de alguém com dúvidas sobre a sua identidade, encaminha imediatamente à organização humanitária, criada em 1977.

Em relação ao alcance da Inteligência Artificial, considera que "provavelmente poderá ser utilizada para reconhecer pessoas um dia", mas "deve ficar sempre claro que a única ferramenta infalível é o DNA, e, nisso, as Abuelas são as campeãs do mundo".

O designer gráfico ficou impressionado com o fato de que seus seguidores "compartilharem stories (da conta) e adicionarem seu próprios textos como por exemplo: 'pela primeira vez a inteligência artificial é usada com um bom propósito'. Apesar das incertezas e medos suscitados pela IA, sempre a vi como uma ferramenta".

A campainha tocou no apartamento 31. O estudante paulistano Adriano Diogo, de 23 anos, estava cansado. Estudante de geologia na Universidade de São Paulo (USP), ele, naquele dia, estava extenuado depois de cruzar a cidade e chegado de mais uma jornada como professor de ciências em uma escola secundarista. Andou até a porta. Ao abrir, encontrou o pesadelo. Ele não esperava o que aconteceria a partir daquele 17 de março de 1973. Histórias como a de Adriano têm mais um especial momento de reflexão e memória nesta segunda (26 de junho), Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura.

Tudo está nítido na memória de Adriano Diogo, hoje aos 74 anos de idade. “Primeiro, uma coronhada com o cabo da metralhadora no lado direito do olho”, lembrou em entrevista à Agência Brasil. Ele recorda que foi sendo arrastado aos gritos pela escada, por militares disfarçados. Haviam chegado em uma caminhonete com pintura falsa de um jornal da cidade. Saíram em um Opala verde. Adriano assustou-se com o ódio dos agentes. 

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Do apartamento na Mooca (zona leste de São Paulo), os militares levaram o universitário por 10 quilômetros, até o Complexo do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Vila Mariana, onde funcionava a Operação Bandeirante (Oban), um centro de repressão política que desembocou em um espaço de tortura e assassinatos durante a ditadura militar no Brasil.

90 dias na solitária

As diferentes violências que se seguiram àquele dia em que a campainha tocou, incluindo os 90 dias em uma solitária, depois 45 no prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), e mais um ano e meio no Presídio do Hipódromo, deixaram marcas profundas no homem. Mas não deixaram jamais os ideais e o ativismo. “Embora eu fosse bem jovem, desde o dia em que saí da cadeia, há 50 anos, eu fazia o que faço hoje. Vou em cadeias, em espaços de internação de menores, em delegacia. Quando pessoas de movimentos sociais são presas, busco saber o que aconteceu”.

Daqueles dias de dores diversas, ele se lembra com detalhes dos momentos. Inclusive que um dos algozes e dos mais violentos era um tal de major Tibiriçá, codinome do chefe do DOI-CODI à época, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira no ano de 2008.

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Foi Ustra quem recebeu Adriano Diogo no complexo da Operação Bandeirante. Além de comandar a violência física, o militar, em diferentes ocasiões, mostrava fotos de amigos e colegas assassinados e autopsiados em demonstrações de violência psicológica. “Conte o que você viu aos seus amigos na cela”, provocava. 

Adriano Diogo descobriu na cadeia a morte de um grande amigo, nos dias seguintes ao que chegou ao DOI/Codi o líder estudantil  Alexandre Vannucchi Leme, aos 22 anos de idade, também estudante de geologia na USP. Para o amigo Adriano, Alexandre era o “Minhoca”, apelido dos tempos da faculdade. “Para tentar apagar as marcas de tortura contra o Minhoca, eles levaram o corpo para fora da Oban e simularam atropelamento com um caminhão”. 

Ninguém acreditou na fraude. Tamanha foi a repercussão que o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, organizou uma missa no dia 30 de março em memória do estudante. A repercussão foi grande. “O Ustra ficou muito nervoso. Levou todos os presos para o pátio e bateram na gente de todas as formas”, recorda Adriano Diogo. 

Enquanto Ustra esteve na chefia, durante 40 meses, houve 40 mortes. Além disso, chegou, em média, uma denúncia de tortura a cada 60 horas, segundo registrou a Comissão da Verdade. Outro momento marcante, em 1973, foi aquele em que Gilberto Gil cantou a música Cálice (composta em parceria com Chico Buarque) na USP, em primeira mão, para dezenas de estudantes. “Ele teve muita coragem realmente”, considera.

Retomar a vida

Depois de quase dois anos, Adriano Diogo saiu da cadeia. “Fui buscar o diploma lá na geologia e retomar a vida”. Ele fez carreira como geólogo e pesquisador. Foi deputado e até presidiu a Comissão da Verdade na Assembleia Legislativa de São Paulo. Um problema, porém, foi que as recomendações do relatório ficaram apenas no papel. O relatório final foi entregue à sociedade em março de 2015. depois de três anos de trabalho.

Um dos capítulos é de “Mortos e Desaparecidos”, com 165 casos investigados, inclusive a do amigo Alexandre Vannucchi Leme . “Nós fizemos uma série de recomendações ao Estado brasileiro e não foram atendidas (confira aqui o relatório). Para você ter uma ideia, o Brasil é signatário do Protocolo de Istambul de combate à tortura. Sabe quantos comitês de combate à tortura têm no Brasil, além do nacional? Só um (no Rio de Janeiro)”, lamenta. 

Na sexta (23), o atual governo reativou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Uma reunião marcada para o dia 21 de agosto, data que marca os dez anos da lei que criou esse sistema, vai estabelecer um plano de trabalho e de atuação.

Marcas registradas

relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) trouxe 29 recomendações e a maioria ficou também somente no papel, identificou um relatório do Instituto Wladimir Herzog.

Apenas duas recomendações foram atendidas pelo poder público, avaliou a entidade. A revogação da Lei de Segurança Nacional e a introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal, foram as exceções.

Para a coordenadora do relatório, a historiadora Gabrielle Abreu, o sentimento das pessoas torturadas no Brasil, é mesmo esse de impunidade. “A violência e a impunidade, infelizmente, são marcas registradas no Brasil. Vimos ocorrer no período da escravidão, por exemplo, quando milhões de homens e mulheres negros foram escravizados”, afirmou.

O relatório, segundo ela, tem a finalidade de estimular uma reflexão verdadeira e crítica sobre o que foi a ditadura e outros períodos de grave violação de direitos humanos. A busca por não deixar esquecidas essas histórias é fundamental, disse a historiadora. Além disso, há no entender dela, invisibilidade e apagamentos de torturas e mortes de diferentes grupos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, populações mais pobres submetidas aos desmandos.

“Há história desconhecidas da ditadura, como nas favelas. É uma montanha de violações de direitos humanos que foram apagadas”. 

Os dados do relatório mostram não somente ter havido recomendações da CNV não realizadas (total de 14), mas também retrocessos (sete). Esse é o caso da recomendação da “criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura”.

Tortura aos 16 anos

Voltar ao passado, porém, é reconhecer histórias de violências inadmissíveis. No dia 16 de abril de 1971, Ivan Soares, com apenas 16 anos de idade, foi capturado junto com o pai, o operário Joaquim, e levado para as instalações do DOI-Codi, em São Paulo. Pai e filho participavam do Movimento Revolucionário Tiradentes.  

“Eles nos torturaram durante dois dias seguidos. Eles mataram meu pai e eu continuei preso. Prenderam também a minha mãe (uma professora) e minhas irmãs. Elas foram espancadas, Uma delas foi estuprada”.  

Menor de idade, Ivan ficou nas mãos da ditadura durante quase seis anos sem ser processado ou condenado. “Os militares anunciaram que ele tinha morrido em um suposto tiroteio com as forças de repressão”. Ivan era estudante do então ginásio. “A gente tinha a vida de trabalhadores pobres. Nasci numa favela em Porto Alegre onde não tinha nada. Não tinha água encanada, luz, ônibus,esgoto, escolas. Tudo era muito difícil”. 

Ele explica que os moradores dessa comunidade de Vila Jardim  lutavam por melhores condições de vida. “Desde que me entendi por gente eu vi as lutas das pessoas que são da classe trabalhadora, tentando sair da condição de ser pisado pelo sistema capitalista”.

Os últimos três anos de cadeia Ivan cumpriu em um presídio de segurança máxima, que foi a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Ele era o único preso político e convivia com os presos e pacientes psiquiátricos.

Ivan saiu da prisão em agosto de 1976, disposto a recomeçar a vida. Mas as perseguições não cessaram. Uma vez por semana, ele precisava se apresentar na auditoria militar. “Eu era seguido todos os dias, 24 horas por dia. Eu ia estudar, trabalhar. Mas sempre com a presença dela, dessas figuras execráveis por perto".  

“Eu descia do ônibus e tinha que caminhar a pé até a escola. Em um carro, eles passavam me xingando fazendo piadinha. Diziam para eu correr para eles treinarem tiro”. A tortura era também do lado de fora. “Desde o momento em que eu estava sendo torturado, tinha absoluta noção de que vivia um processo histórico, Eu me mantive pelo fator ideológico”. Hoje, ele mora na cidade de Foz do Iguaçu (PR). 

Hoje, ele considera fundamental a aplicação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade. ”Nós revelamos os crimes da ditadura. E a gente vai continuar lutando”.

 

A Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) promove, nesta terça-feira (20), uma Audiência Pública com o tema “Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição: como estão essas políticas públicas em Pernambuco?”. sob a coordenação da deputada estadual Dani Portela (PSOL), a atividade busca trazer à tona a situação dos documentos que relatam a ditadura militar de 1964, que estão arquivados em dois equipamentos na cidade.

O primeiro é o Arquivo Público Estadual João Emerenciano, onde, segundo a deputada, foram observados problemas estruturais e de armazenamento do material, que incluem documentos relativos ao período militar em Pernambuco. “Os documentos estão expostos às águas das chuvas, com risco de incêndio, acondicionados em locais sem as mínimas condições de cuidado com o acervo”, relatou Portela.

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Também é mencionado pela parlamentar o Memorial da Democracia, localizado no Sítio da Trindade, na zona norte do Recife. Apesar de ter encontrado um lugar com um melhor estado de preservação, ela ainda salienta a importância de manter o local com boas condições para funcionários e visitantes.

“Além disso, constatamos que do ponto de vista da gestão, o espaço vivia um impasse, sem uma definição por parte do Governo do Estado acerca da administração. Até a semana passada, o Memorial mantinha suas atividades através do trabalho voluntário de 3 pessoas que trabalham no equipamento. Na última quinta-feira ocorreu a assinatura do convênio entre a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e a Cepe Editora, prevendo a administração financeira e administrativa do equipamento”, finalizou Dani.

Dentre as autoridades confirmadas estão o Secretário Executivo de Justiça e Direitos Humanos, Jayme Asfora; o diretor recém-empossado do Arquivo Público de Pernambuco, Sidney Rocha; a vereadora do Recife, Cida Pedrosa (PCdoB); a representante do Comitê Memória Verdade e Justiça, Amparo Araújo; além de representantes do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE).

A Justiça Federal de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, condenou na última quinta-feira (8), Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Espírito Santo, a sete anos de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de ocultação de cadáver. A decisão da semana passada foi divulgada nessa segunda-feira (12) pelo Ministério Público Federal (MPF).

A ação penal ajuizada pelo MPF está relacionada ao desaparecimento de 12 militantes políticos durante o regime autoritário. As vítimas são: Ana Rosa Kucinski Silva, Armando Teixeira Frutuoso, David Capistrano da Costa, Eduardo Collier Filho, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, João Batista Rita, João Massena Melo, Joaquim Pires Cerveira, José Roman, Luís Inácio Maranhão Filho, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto e Wilson Silva.

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Na sentença, a Justiça Federal reconheceu “a imprescritibilidade dos crimes sob apuração, aqui considerados como crimes contra a humanidade (ou de lesa-humanidade), em atenção à Constituição da República, às normas internacionais de direitos humanos e à jurisprudência sedimentada no âmbito dos sistemas global e interamericano de proteção aos direitos humanos”.

Denúncia

A denúncia contra Guerra foi apresentada, em julho de 2019, pelo procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, do MPF em Campos dos Goytacazes. O réu foi acusado de destruição e ocultação de cadáveres. Segundo o procurador, as ações criminosas de Guerra são graves e não devem ser toleradas em uma sociedade democrática. “O comportamento do réu se desviou da legalidade, afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública por qualquer agente do Estado, sobretudo daquele no exercício de cargos em forças de segurança pública, a que se impõe o dever de proteção a direitos e garantias constitucionais da população”, afirmou o procurador Virgílio.

Relato

Os crimes cometidos por Guerra foram investigados em processo criminal, baseado em seus próprios relatos no livro Memórias de Uma Guerra Suja. Ele confessou ter recolhido os corpos de 12 pessoas e levado para serem incinerados entre 1973 e 1975. Os corpos foram retirados de locais como a "Casa da Morte" em Petrópolis (RJ) e o DOI-Codi no Rio de Janeiro, sendo incinerados posteriormente na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes. A confirmação dos corpos levados por Guerra foi feita em vários depoimentos, incluindo um prestado no MPF no Espírito Santo. Essas 12 pessoas mencionadas por Guerra fazem parte de uma lista de 136 pessoas consideradas desaparecidas pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

A condenação cabe recurso. A Justiça Federal concedeu a Cláudio Guerra o direito de recorrer em liberdade. A Agência Brasil não conseguiu contato com a defesa do ex-delegado do antigo Dops.

 

Para além dos livros e arquivos, é difícil encontrar referências explícitas no Rio de Janeiro ao período da ditadura militar. Não há centros de visitação, tampouco museus sobre o tema. Com isso em mente, a historiadora Samantha Quadrat, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), mapeou lugares da cidade que guardam as memórias do regime autoritário entre 1964 e 1985.

Desde o ano passado, ela coordena visitas guiadas com estudantes da educação básica, universitários e professores. A atividade é parte do projeto “Lugares de Memórias”, apoiado pela bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. 

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“Roteiros como esses permitem que você fomente questionamentos, empatia pelas vítimas, valores democráticos, e que discuta também a relação da cidade com as forças de segurança. É uma possibilidade de pensar o ensino na ditadura militar”, explica a historiadora. “A gente não tem no Rio um museu como o de São Paulo, o Memorial da Resistência. Então, é importante que a gente ocupe a cidade, se aproprie cada vez mais dela, dessa história e dessas memórias”, argumenta.

O primeiro roteiro que a pesquisadora desenvolveu foi sobre o movimento estudantil secundarista. A ideia é tornar mais conhecida a atuação desse grupo durante o regime militar, por entender que as histórias sobre a resistência universitária costumam receber mais atenção. Samantha mapeou pontos emblemáticos da cidade que lembrem principalmente a vida e o assassinato do estudante Edson Luís, símbolo da luta dos secundaristas.

Restaurante Calabouço

Um dos destaques é o prédio do Ministério Público, na região central do Rio. No espaço onde hoje existe um estacionamento, funcionava na década de 60 o restaurante Calabouço. Ele havia sido instalado originalmente em um ponto do bairro do Flamengo e fornecia refeições com preços mais baixos para estudantes da rede pública.

O prédio foi demolido e um novo estabelecimento aberto no centro. Mas a obra estava inacabada e o restaurante passou a selecionar quais usuários podiam entrar. No dia 28 de março de 1968, um grupo de estudantes secundaristas ocupou o lugar e protestou contra as novas condições. Dezenas de policiais militares interromperam a manifestação e atiraram nos estudantes. Edson Luís Lima Souto, de 18 anos, foi atingido no peito.

A história continua na Santa Casa de Misericórdia, também incluída na visita guiada. Depois de baleado, Edson Luís foi conduzido para lá, onde foi confirmada a morte. Os colegas secundaristas impediram que o corpo fosse levado ao Instituto Médico Legal (IML), com medo de que os policiais sumissem com ele. O destino escolhido foi a então sede da Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara, atual Câmara Municipal. É no local que termina o roteiro com a historiadora.

“Ali, diante dos olhos vigilantes dos estudantes que temiam o que a ditadura poderia fazer com o corpo do secundarista, foram feitas a autópsia e o velório. Aos poucos, milhares de pessoas foram chegando para prestar homenagem e protestar contra a ditadura. Infelizmente, esse episódio não é lembrado na visitação guiada que é realizada no local”, afirma a historiadora.

Edson Luís homenageado

A única lembrança concreta que existe do episódio no Rio é o monumento criado em 2008 para homenagear Edson Luís. Foi uma oferta à cidade da então Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal. Ele fica na praça Ana Amélia, perto da Santa Casa de Misericórdia.

A escultura traz uma bandeira rasgada em meio a uma mancha vermelha e pegadas de vidro na base. Mas quem chega ali hoje não encontra placa, nem qualquer outra referência explicativa. A reportagem da Agência Brasil chegou a ser abordada por um morador da região que desconhecia o significado do monumento.

A pesquisadora prepara outros roteiros sobre a ditadura, que vão trazer recortes temáticos como o golpe de 64 e a história do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna - DOI-CODI, o órgão de inteligência e repressão subordinado ao Exército brasileiro. Ela reforça que ações como essa são importantes para resistir aos silêncios, intencionais ou não, do período autoritário que o país viveu. Mas que é fundamental que o Rio de Janeiro e outras cidades invistam na preservação dessa história. 

“A ditadura e os governos democráticos, durante os debates da modernização, acabaram destruindo alguns desses lugares de memória. É urgente que a gente tenha centros de memória. Um deles deveria ser no prédio do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS - que está caindo aos pedaços e que chegou a ser o museu da polícia. É fundamental que a gente crie a demanda pelos memoriais, que haja reflexão na cidade, que consiga fazer um museu como o Chile fez, de memória e direitos humanos”, afirma Samantha.

O destino do prédio onde funcionou o DOPS, no centro da cidade, está em disputa há anos. Recentemente, a deputada estadual Dani Balbi (PSOL) apresentou projeto na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) para que seja criado no prédio o Museu da Memória e da Verdade do Estado.

Serviço 

Colégios, professores, estudantes e outros interessados em participar das visitas guiadas do projeto “Lugares de Memória” podem escrever para o e-mail da historiadora (samantha.quadrat@gmail.com) ou entrar em contato pela conta do Instagram (@lugaresdememoria).

 

Apesar de homens, mulheres, crianças e idosos terem sido afetados e sofrido durante a repressão da ditadura militar pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), há 59 anos completos nesta sexta-feira, 31, as mulheres sofreram atrocidades e torturas especialmente piores do que as outras pessoas. Foi identificado, durante depoimentos para a Comissão Nacional da Verdade, que estupro, abusos físicos e sexuais eram práticas comuns de tortura feita pelas por militares do Exército e da polícia. O LeiaJá regata alguns desses relatos.

Dilma Rousseff

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A primeira mulher a ocupar a cadeira da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT), foi uma das mulheres que sofreu com a violência e repressão. Ela iniciou a militância na Organização Revolucionária Marxista, antes mesmo de fazer parte do armado Comando de Libertação Nacional. Dilma teve que abandonar a faculdade de economia em Minas Gerais. Depois, o grupo que integrava fez parte da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, mas ela nunca pegou em armas. A ex-presidenta foi capturada pela Operação Bandeirantes, em 1970. Foi presa e torturada em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro. 

Passou pelo pau-de-arara, pelas máquinas de eletrochoque, e foi violentada com palmatória e cassetetes, que desfiguraram a sua arcada dentária. Então, ela foi condenada a seis anos de prisão, teve os direitos políticos cassados e ficou encarcerada numa cela com 50 mulheres. Por ter participado do julgamento, Dilma conseguiu reduzir a sua pena e sair da prisão em 1972. 

Em relato na Comissão Nacional da Verdade, em 2014, Dilma contou sobre a prática comum dos socos, eletrochoques, e arrancar dentes das pessoas presas. Ela era constantemente ameaçada. “Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um presunto e ninguém vai saber”, relatou a ex-presidenta, sobre uma das ameaças recebidas.

 

Miriam Leitão

A jornalista Miriam Leitão foi presa em 1972, aos 19 anos, por envolvimento com o PCdoB no combate ao regime militar. Ela contou que, durante a prisão no quartel de Vila Velha, no Espírito Santo, sofreu torturas físicas enquanto estava grávida de um mês. Ela foi jogada em uma cela escura e completamente nua, tendo sido obrigada a interagir com uma jiboia viva. 

Levou chutes, socos, tapas e cacetadas por parte dos oficiais, além de ter sido ameaçada de estupro por diversas vezes e ter sido privada de receber comida nas celas do quartel. Ela revelou que os soldados lançavam cães em sua direção enquanto a chamavam de terrorista aos gritos, fazendo com que os animais ficassem irritados. 

 

Rose Nogueira

A militante Rose Nogueira, que atuava na Ação Libertadora Nacional (ALN), foi presa em um dia comum enquanto estava em seu apartamento com o marido Luiz Roberto e seu filho, Carlos. Ela foi abordada pelo delegado Fleury, que ameaçou não devolver o seu filho, mas, na abordagem, Rose o convenceu a deixar a criança com os avós. 

Levada ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), em São Paulo, foi torturada psicologicamente, violada, estuprada, e aprisionada em celas insalubres com mais de 50 mulheres, incluindo Dilma Rousseff. Por estar amamentando à época que foi presa e não podia tomar banho, Rose cheirava a leite azedo. 

Ela passou nove meses presa na Penitenciária de Tiradentes. Quando foi solta, ficou em condicional sendo vigiada até o julgamento, que aconteceu dois anos depois, em 1972, quando foi julgada e absolvida. 

 

Amélia Teles

Amelinha Teles foi torturada com a família: o marido, a irmã e os dois filhos pelo coronel Brilhante Ustra. Amelinha era constantemente agredida por ele na frente dos filhos. Na Comissão, ela relatou ter passado pelo pau-de-arara, ter levado choques no corpo inteiro, apanhado de palmatória e sofrido violência sexual. Os filhos eram levados para vê-la nua, cheia de sangue e urina.

Militante do PCdoB, Amélia Teles foi presa em 1972 pela Operação Bandeirantes e foi conduzida para o DOI-CODI, em São Paulo, quando caiu nas mãos de Brilhante Ustra, que a torturou pessoalmente junto ao marido Carlos Nicolau Danielli, que foi assassinado em frente à esposa e usado para tortura psicológica. 

Segundo relatos de Amélia, Brilhante Ustra decidiu que os filhos dela, que tinham menos de 5 anos na época, fossem levados à sala de tortura e obrigados a assistir as sessões em que a mãe era agredida e estuprada por ofíciais do Exército. Ela sobreviveu e tornou-se militante na causa das famílias de desaparecidos políticos. 

A família Teles ganhou, em primeira instância, uma ação contra o coronel Ustra pelos crimes que sofreram, fazendo com que ele fosse o primeiro a ser reconhecido como torturador, em 2008. 

 

Iracema de Carvalho Araújo

Com aproximadamente 11 anos, pois não sabe ao certo o ano em que nasceu, Iracema foi sequestrada junto à mãe pelo Destacamento de Operações de Informação (DOI) de Recife. Sua mãe, Lúcia, era professora ligada do PCdoB e às Ligas Camponesas, por isso tornou-se alvo da polícia. Naquele dia, os militares colocaram Iracema e Lúcia num carro, vendadas, e as agrediu fisicamente, prejudicando 80% da visão de Iracema com um soco no rosto. 

Ela chegou a passar por sessões de tortura física e obrigada a assistir a mãe sendo agredida, espancada e eletrocutada no DOI-CODI. Ela lembra que a tortura que sofreu foi intensa e marcou a sua memória. 

 

Araceli Cabrera Sánchez Crespo

Araceli Crespo é um dos casos mais escandalosos da ditadura. Aos oito anos de idade, Araceli foi sequestrada, drogada, torturada, morta e carbonizada. O seu corpo foi encontrado em uma mata em Vitória, capital do Espírito Santo, completamente desfigurado e já em estado de decomposição. 

Os principais suspeitos são Dante de Barros Michelini, o Dantinho; seu pai, Dante de Brito Michelini; e Paulo Helal, que pertenciam a famílias de influentes do Espírito Santo junto ao regime militar. Eles negaram conhecer a vítima durante o julgamento. No entanto, Dantinho e Helal conheciam a mãe de Araceli, a boliviana Lola Sánchez. Ela era um contato para traficar cocaína na rota Brasil-Bolívia, e teria usado a própria filha como “mula” para entregar drogas a membros da família Michelini. 

Em 1980, Santinho e Helal foram condenados a 18 anos de prisão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. No entanto, foram absolvidos por “falta de provas” pelo juiz Paulo Copolilo, 11 anos depois. Lola fugiu do país. 

O Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é em homenagem a Araceli. A data é celebrada no dia 18 de maio, data da morte da menina. 

 

Dinalva Oliveira Teixeira

A baiana foi uma das vítimas fatais da ditadura militar. Militante do PCdoB, foi uma das guerrilheiras mais conhecidas na região do Araguaia. O relatório da Comissão Nacional da Verdade apontou que ela foi presa, torturada e assassinada em julho de 1974, perto de Xambioá, no Tocantins. Ela estava grávida em estado avançado.

O relatório também diz que Dinalva foi fuzilada olhando nos olhos do sargento Joaquim Artur Lopes de Souza, de codinome Ivan, e aconteceu o seguinte diálogo:

Dina: Vou morrer?

Ivan: Vai, agora você vai ter que ir

Dina: Eu quero morrer de frente

Ivan: Então vira pra cá. 

 

Aurora do Nascimento Furtado

Militante da ALN, Aurora foi assassinada aos 26 anos de idade. Ela foi presa em 1972 e encaminhada à “Invernada de Olaria”, delegacia civil no Rio de Janeiro. 

Aurora foi torturada no pau-de-arara, levou choques, foi espancada, afogada e sofreu queimaduras. Além disso, recebeu a “coroa de cristo”, uma tira de aço colocada em volta da cabeça que vai sendo apertada aos poucos para que o crânio seja esmagado e os olhos saiam para fora das órbitas. Ela foi alvejada por 29 tiros e teve o corpo jogado na rua. 

 

Zuzu Angel 

Uma das estilistas mais importantes do Brasil, Zuzu Angel virou referência não apenas no nicho. O filho dela, Stuart Angel, era militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e foi sequestrado por agentes da repressão em 1971. Seu corpo nunca foi encontrado e a sua mãe, Zuzu, passou a vida lutando para que pudesse encontrá-lo. 

No entanto, Zuzu morreu em 14 de abril de 1976, depois que o carro dela foi encurralado e capotado na saída do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, e logo levantou-se a hipótese de ter sido uma emboscada para matá-la. 

Um ano antes ela teria deixado uma carta para Chico Buarque e outros amigos dizendo que “se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”. O relatório da Comissão da Verdade chegou à conclusão, em 2014, que a morte de Zuzu não foi um acidente e que houve envolvimento dos militares. O túnel onde ela morreu foi renomeado para Túnel Zuzu Angel. 

 

Pela primeira vez em quatro anos, o Ministério da Defesa do Brasil não comemora o aniversário do golpe militar de 1964. Geralmente, a celebração é adicionada à ordem do dia e lida em batalhões e quartéis ao redor do país. Neste dia 31 de março, que marca 59 anos desde o golpe, três vítimas do ex-coronel e torturador Carlos Brilhante Ustra revelaram os episódios de violência dos quais fizeram parte durante a ditadura. Os depoimentos foram publicados na coluna do jornalista Chico Alves, do UOL. 

Ustra, que morreu em 2015, foi um coronel do Exército Brasileiro, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) em São Paulo. O órgão tinha como atividade principal a repressão a grupos de oposição à ditadura militar, especialmente “agitadores” de esquerda, artistas e professores. 

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Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura militar. Ele chegou a ser homenageado, mais de uma vez, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando era deputado federal e também após o ex-mandatário assumir o Planalto. 

Um dos relatos publicados pela coluna menciona o dia em que duas crianças, de quatro e cinco anos, assistiram a mãe ser torturada após ter sido estuprada. A mulher é a jornalista Amelinha Teles, hoje com 78 anos. Ela foi sequestrada por agentes da ditadura e levada para o DOI-Codi de São Paulo, junto com o marido, Cézar, e com Carlos Nicolau Danielli. Nicolau foi um dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCB), do qual Amélia também fez parte. 

O episódio se passou em dezembro de 1972, ano em que Carlos Nicolau morreu. As vítimas ficaram reféns do DOI de 28 de dezembro a 14 de fevereiro, por 48 dias. 

Os depoimentos 

Amelinha relatou que, primeiro, os agentes do DOI-Codi tiraram o seu marido e o colega de partido do carro no qual foram sequestrados. A ação aconteceu na Vila Clementina, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. Os homens foram agredidos com chutes e socos no estômago e no rosto. A sessão de tortura foi comandada por Ustra, que à época era major e utilizava os codinomes "Doutor Silva" e "Doutor Tibiriçá". 

A jornalista diz que chegou a questionar Ustra diretamente sobre as agressões, mas levou um tapa na cara e foi levada à sala de tortura junto aos outros dois.  

"Passei por diversos tipos de torturas. Tinha choque elétrico na vagina, no seio, na boca, no ouvido. Tinha palmatória, com uma madeira toda furada, de maneira que a pele vai soltando. Fui espancada por vários homens, além dele. Naquela primeira noite mesmo eu fui estuprada por um deles que era Lourival Gaeta, que tinha o codinome Mangabeira", compartilhou Amelinha.  

Segundo a vítima, cerca de oito homens participavam das sessões, enquanto obedeciam a ordens de Ustra. "Um dia, Ustra foi buscar em casa meus dois filhos, Edson, de 4 anos, e Janaína, de 5 anos, e minha irmã, Criméia, grávida de oito meses. Ele espancou a minha irmã. E teve a desfaçatez de levar meus filhos para dentro de uma sala onde eu estava sendo torturada, nua, vomitada, evacuada", completou Teles. 

Outras vítimas 

O segundo relato publicado neste dia 31 pertence a Gilberto Natalini, médico e ex-vereador paulistano. Hoje ele tem 71 anos, mas à época, tinha apenas 20 anos e estava no início da faculdade de medicina. Foi preso pelo DOI também em 1972. Apesar de ser opositor, não era vinculado à luta armada e nem a organizações políticas. 

"Alguns dias depois, já comecei a apanhar. Eles batiam, davam socos, tapas, choque no corpo, na orelha. Eu sem roupa. Em uma noite, o próprio Ustra me colocou descalço em cima de duas latas grandes. Jogou água no chão e ligou os fios elétricos, para dar choques. Além disso, me batia com um cipó", disse o ex-político. 

Os episódios de Natalini são similares aos do ex-guerrilheiro Emilio Ivo Urich, hoje com 75 anos. Ele fez parte da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tinha 23 anos quando foi preso, antes dos demais, em 20 de novembro de 1970.  

"Na chegada já mandaram que eu tirasse a roupa, lá no pátio. Subi imediatamente para uma sala de tortura. Fui recebido pelo Ustra e passei a ser torturado. Me perguntavam onde estava Yoshitane Fujimori", disse. 

Fujimori foi um guerrilheiro que coordenava ações de inteligência à época. "Nos primeiros 15 dias fui muito torturado pelo Ustra e pelas outras equipes apenas com o objetivo de dizer onde estava o Fujimori. Não queriam saber se eu tinha assaltado banco, se eu tinha sequestrado alguém. Eu ficava à disposição dos torturadores 24 horas. Tomei a decisão de não entregar Fujimori, porque se entregasse ele teria que entregar outros. Há 15 anos processei o Estado brasileiro por danos morais, por conta das torturas, e ganhei. Nesse processo está comprovado que eu era torturado até três vezes por dia", finalizou Ivo. 

A Comissão de Anistia abriu sua primeira sessão de julgamento, na manhã desta quinta-feira (30), no auditório do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com a nova composição indicada pelo presidente Lula (PT). A agenda tem início às vésperas da marca dos 59 anos do golpe militar, deflagrado em 1º de abril de 1964.

Na sessão foram anistiados Romario Cezar Schettino, Claudia de Arruda Campos, José Pedro da Silva Virginius e Ivan Valente. Eles foram opositores da ditadura, ex-integrantes de grupos organizados, como a Frente Nacional do Trabalho e o Ação Popular. Os pedidos haviam sido indeferidos em sessões anteriores, com a composição indicada pelo governo Bolsonaro.

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Durante a cerimônia de abertura, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, discursou defendendo a importância da redução de desigualdades. “Não nos esqueçamos que as violações dos direitos não dizem respeito apenas aos direitos civis e políticos, mas interromperam um processo de redução de desigualdade. Quantos brasileiros poderiam ter sido salvos do abandono se não fosse a ditadura com política excludente. Desigualdade, violência de estado, racismo, machismo, transfobia, são indissociáveis com a forma que o Brasil foi construído. Essa história precisa ser recontada, para que não se repita. Por isso bradamos ao lado dos movimentos, ditadura nunca mais, nunca mais”, declarou.

A presidente da Comissão, Eneá de Stutz e Almeida, afirmou que o plano é que sejam revisados de 4 a 8 mil processos que foram indeferidos ou negados na gestão anterior.

No dia 31 de março de 1964 se deu o início da instauração da ditadura militar no Brasil, que durou até 1985. Durante 21 anos, direitos foram cerceados, opositores foram mortos e a economia foi significativamente atingida. Durante os quatro anos em que foi presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL) relembrou a data com celebrações, ordem do dia, de cartas enviadas e lidas nos quartéis de todo o país. Na atual gestão do presidente Lula (PT), a data não será mais celebrada.

Na véspera do aniversário do golpe, nesta quinta-feira (30), o ex-presidente desembarca no Brasil, depois de uma estadia de 89 dias nos Estados Unidos. Ele sai do território norte americano dentro do período permitido para sua estadia legal no país, que não poderia passar de 90 dias. Jair saiu do Brasil no dia 30 de dezembro de 2022, um dia antes de terminar oficialmente seu mandato presidencial, e sem participar da troca de faixa no dia 1 de janeiro, cerimônia tradicional no país desde a redemocratização.

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O desembarque está previsto para às 7h10, de um voo comercial da empresa Gol. Bolsonaro deverá ser recepcionado no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, pelo presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, sua esposa, Michelle, entre outros aliados.

Com o desejo de ter uma recepção digna de seleção campeã da Copa do Mundo frustrado, o ex-presidente se encaminhará para sua residência. Segundo informações, Jair não pretende cumprir agenda durante o dia, mas alguns apoiadores têm sugerido agendar motociatas para ele voltar a viajar pelo Brasil. Na próxima quinta-feira (5), ele irá depor na investigação sobre as joias que recebeu da Arábia Saudita, e tentou trazer para o país de forma ilegal quando ainda era chefe do executivo nacional.

Após recurso do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal reformou decisão que tinha absolvido o sargento reformado do Exército Antônio Waneir Pinheiro de Lima, que atuou na chamada Casa da Morte. O TRF2 determinou que a ação penal contra ele retome seu curso, já que seus crimes não estão protegidos pela Lei da Anistia e não prescrevem.

Conhecido pelo apelido de Camarão, o sargento já havia se tornado réu por sequestro, cárcere privado e estupro da militante política Inês Etienne Romeu – única sobrevivente da Casa da Morte, localizada em Petrópolis (RJ).

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O acórdão reforça o entendimento de que o Brasil, por ser signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, deve seguir a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou que o país investigue e puna crimes contra a humanidade praticados pelos agentes estatais, não podendo considerar-se um obstáculo à investigação ou processo leis internas de anistia e prescrição, como é o caso dos autos.

Segundo o MPF, os crimes imputados ao militar foram comprovadamente cometidos contra Inês Etienne Romeu num contexto de ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira.

“As torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados cometidos por agentes de Estado no âmbito da repressão política constituem graves violações a direitos humanos, para fins de incidência dos pontos resolutivos 3 e 9 da decisão, os quais excluem a validade de interpretações jurídicas que assegurem a impunidade de tais violações”, afirmou o órgão, mencionando sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund contra Brasil.

Tortura

Inês Etienne Romeu foi sequestrada por militares na cidade de São Paulo e levada, em 8 de maio de 1971, para a chamada Casa da Morte, na região serrana do Rio de Janeiro. O local funcionava como um aparelho clandestino do Centro de Informações do Exército (CIE), onde militares torturavam presos políticos.

As investigações comprovaram que Antônio Waneir manteve Inês Etienne contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a de morte e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima. O réu estuprou a vítima também durante o encarceramento. Sua condição levou-a a tentar tirar a própria vida por quatro vezes.

Após o período na Casa da Morte, Inês Etienne Romeu ainda foi presa em outros locais. Seu encarceramento somente terminou em agosto de 1979. O MPF ouviu a vítima em 2013, ocasião em que Inês Etienne Romeu reconheceu, pela primeira vez, a foto de Antonio Waneir como sendo o “Camarão” da Casa da Morte.

Em 2020, o sargento reformado e outros militares também foram denunciados pelo sequestro e tortura do advogado e militante político Paulo de Tarso Celestino da Silva, crimes igualmente cometidos na Casa da Morte.

Com informações da assessoria do MPF

Passados 59 anos do golpe e da ditadura militar, ainda está presente na sociedade a chamada disputa de narrativas em torno do período.

Uma das questões é qual a real data do golpe: se o dia 31 de março ou 1º de abril. Para o professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis, essa é uma polêmica menor. Segundo ele, o início do golpe foi de fato no dia 31 de março.

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"Na madrugada do dia 31, o general Mourão Filho dá início ao movimento armado pela deposição do João Goulart, e as esquerdas, ironicamente derrotadas, passaram a caracterizar o golpe como tendo sido vitorioso no dia 1º de abril. Como a gente sabe, o 1º de abril é o dia da mentira", argumenta.

Outra disputa presente até hoje é em relação ao termo golpe ou revolução. Daniel Reis reitera que foi um golpe a deposição de João Goulart em 1964, apesar de ter havido apoio de parcelas da sociedade civil a essa deposição, e que partidários do golpe renomearam o movimento como revolução por ela estar associada a coisas positivas na época.

"Golpe é todo aquele movimento que pela violência depõe um presidente da República. Ora, isso é objetivo. No Brasil, João Goulart (Jango) foi deposto por um movimento violento, que não provocou derramamento de sangue notável porque o presidente e as demais lideranças de esquerda resolveram se render sem luta”, explica.

Indo mais profundamente sobre a denominação do período, o professor também explicou porque o período da ditadura civil militar não pode ser considerado um período revolucionário.

“Essas modificações pela raiz, essas transformações designam o processo como revolucionário ou não. Houve revolução na Rússia, em Cuba, houve revolução francesa, americana... Porque ali houve transformações das políticas econômicas e culturais. Isso não houve no Brasil, embora o Brasil tivesse passado por um processo intenso de modernização. Foi uma modernização conservadora e autoritária”, opina.

Sociedade dividida

As pesquisas de opinião feitas à época pelo Ibope nas grandes cidades mostravam uma sociedade dividida. Se antes do golpe 42% consideravam bom e ótimo o governo de João Goulart e 30% regular, após a ação dos militares, pesquisa do Ibope em maio de 1964 revelou que 54% dos entrevistados aprovaram a deposição de Jango.

O motivo da população ter mudado de apoio a Jango para apoio ao golpe pode ter sido o forte sentimento de anticomunismo associado a João Goulart e que foi incentivado pela grande mídia e por adversários políticos. Nas pesquisas do Ibope, o comunismo era visto como ameaça por mais de 65% dos entrevistados. Mas o professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta, reitera o equívoco que era associar João Goulart ao comunismo ou socialismo.

“Muitas pessoas acreditaram que o Brasil estava em vias de se tornar um país comunista, o que estava muito longe de ser verdade. O presidente João Goulart não era um socialista, nem muito menos um comunista. Ele era um político trabalhista a favor de algumas reformas sociais, de salários melhores para os trabalhadores. Mas não era socialista, até porque ele era uma pessoa muito rica, um dos maiores fazendeiros do Brasil. Mas ainda assim, então, houve toda essa agitação em torno da ideia de que o Brasil corria um risco sério de se tornar uma nova Cuba na América Latina”, diz Daniel Reis.

E para quem quiser entender mais as discussões em torno do período, o historiador Rodrigo Patto publicou, em 2021, um livro que estuda mais a fundo todas as questões, chamado de Passados Presentes, o golpe de 1964 e a ditadura militar.

Uma história de amor e de luta pela sobrevivência em dias sombrios no Brasil. É assim que a autora baiana Paloma Weyll define o seu novo romance, Não Esqueça de Mim. A obra mergulha nos acontecimentos da Ditadura Militar para narrar a jornada de dois jovens que são separados por uma guerra e unidos por um sentimento.

A trama envolve o leitor a partir da jornada de Lúcia e João, dois jovens de realidades completamente diferentes, que foram arremessadas em lados opostos de um regime. Ela lutava por uma vida melhor para seus pais e irmão. Já João era o filho caçula e ainda imaturo de uma família abastada da cidade de Itajuípe, no interior da Bahia.

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Além da cidade baiana, os personagens percorrem diferentes cenários brasileiros do final dos anos 1960, desde o Rio de Janeiro, com suas praias e fortes militares, até paisagens naturais do Tocantins. A obra conta com prefácio escrito pela jornalista paraense Vanessa Libório. "Esse livro nasceu da curiosidade de saber como seria viver em lados opostos e, ainda assim, estar juntos durante a ditadura brasileira", conta a autora.

"Como inspiração, tive de um lado as histórias que meu avô contava sobre seu irmão, João Amazonas, líder do Partido Comunista no Brasil. Do outro lado, meu pai, que cumpriu serviço militar obrigatório nesse período. Em comum, tinham o silêncio. Raramente falavam sobre a época, mas juntei as poucas informações deles, com pesquisa bibliográfica e muita imaginação para contar uma história de amor vivida em tempos difíceis", completa.

Apesar de ser uma história de amor, Não Esqueça de Mim traz também importantes reflexões políticas e sociais. O livro é fruto de um exaustivo estudo acerca da sociedade brasileira no período do regime militar. Contudo, além de trazer aspectos daquela época, como o preconceito sofrido pela mulher desquitada, a obra levanta também discussões que permanecem atuais, a exemplo da desigualdade social e da polarização política interferindo na vida das pessoas.

"A política não é o tema central do livro, mas ela é importante. Foi um coadjuvante fundamental para emoldurar os dilemas dos personagens, muito comum às pessoas que viveram naquela época. A década de 70 foi uma época em que a liberdade era restrita, os meios de comunicação escassos, pouca opção de escolha para mulheres. Apesar de ser um romance, o livro aborda também esses aspectos, que são daquele período que também não é muito distante da atualidade", explica Paloma.

O exemplar de Paloma Weyll já está disponível nas versões física e digital. É possível encontrá-lo na plataforma da Amazon ou no site oficial da autora.

*Da assessoria

O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Luís Carlos Gomes de Mattos, desdenhou da divulgação dos áudios dos anos 1970 de integrantes do próprio tribunal que comprovam a prática de tortura durante a ditadura militar. Na sessão do tribunal desta terça-feira (19), ele afirmou que a divulgação dos áudios é "notícia tendenciosa" para "atingir as Forças Armadas".

Os áudios foram divulgados no último domingo (17), na coluna da jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo. Eles foram resgatados pelo historiador Carlos Fico, titular de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O STM passou a gravar as sessões a partir de 1975, às secretas. São 10 mil horas de material até 1985. Com a autorização da Justiça, o historiador conseguiu copiar todas as sessões das gravações, que estão sendo transcritas. 

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"Tivemos aí alguns comentários contra o nosso tribunal ou contra a Justiça Militar de maneira geral", declarou nesta terça-feira o presidente do STM, para quem a intenção da divulgação é "atingir Forças Armadas, Exército, Marinha, Aeronáutica", afirmou o presidente do STM. 

De acordo com ele, os ministros são "absolutamente transparentes" nos julgamentos. "Não tenho resposta nenhuma para dar. Simplesmente, ignoramos uma notícia tendenciosa daquela que nós sabemos o motivo. Aconteceu durante a Páscoa. Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém — porque a minha não estragou. Garanto que não estragou a Páscoa de nenhum de nós", afirmou.

Ele disse estar incomodado porque "só varrem um lado, não varrem o ouro". "Apenas a gente fica incomodado que vira e mexe vem porque não tem nada para buscar. Hoje, vão rebuscar o passado. Agora, só varrem um lado, não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso. Deixa para lá", declarou.

Para Gomes de Mattos, as informações reveladas nos áudios são "besteiras" e "idiotices", que não devem ser dadas respostas. "Nós temos a credibilidade do nosso povo e isso aí é o mais importante. Às vezes dói, viu? Às vezes, dá vontade de você responder, sacudir, mostrar. Não adianta. Você vai sacudir, não vai adiantar nada, porque não muda. Passam-se os anos e a pessoa diz a mesma coisa, as mesmas besteiras, as mesmas idiotices. E nós vamos ficar respondendo? Não, na minha opinião".

Conteúdo dos áudios 

Nos áudios, um general defende a apuração do caso de uma grávida de três meses que abortou depois de receber choques elétricos na genitália, que ocorreu no dia 8 de abril de 1974, como diz no conteúdo. 

Em julgamento no dia 13 de outubro de 1976, o ministro togado Waldemar Torres da Costa afirma que, às vezes, não dá para provar as torturas. "Começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que são realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e às vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente".

O historiador Carlos Fico explicou ao O Globo que, em 2006, o advogado Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu e acionou o STF, que determinou a liberação. No entanto, o STM não obedeceu a ordem e, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso restrito aos autos, decisão que foi posteriormente referendada pelo plenário. 

Ao g1, o professor relatou que por mais que as pessoas tentem negar a tortura da ditadura, cabe aos historiadores mostrar a história como é. "Quando a gente vive tempos traumáticos, algumas pessoas tendem a criar memórias que as apaziguem com o passado. Outra coisa é a história. Não há dúvida que houve tortura, isso é óbvio. É até um pouco reiterativo, repetitivo dizer que houve tortura. Houve. Ponto final. Claro que houve. Outra coisa é a memória que algumas pessoas constroem, de negação da tortura".

A Comissão Nacional da Verdade divulgou, em 2014, um relatório que responsabilizou 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura, dentre eles, tortura e assassinato. O documento também apontou 434 mortos e desaparecidos na época, além de 230 locais de violações de direitos humanos. O Clube Militar chamou o relatório de "coleção de calúnias" e de "absurdo".  

Pesquisa feita pelo advogado Fernando Fernandes e pelo historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trouxe à luz 10 mil horas de gravações de sessões do Superior Tribunal Militar (STM). Em algumas delas, juízes relatam práticas de tortura durante o período da ditadura militar no Brasil. 

Os áudios foram revelados pela jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, em sua coluna deste domingo (17). Segundo ela, as gravações mostram como os ministros do STM não só sabiam como falavam abertamente sobre a tortura de presos políticos. Entre as práticas estavam abortos causados por agressões à prisioneiras, surras com métodos "sádicos" e violência psicológica, entre outras.

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As sessões, inclusive as secretas, foram gravadas de 1975 a 1985. Nos registros, alguns ministros alegam duvidar das torturas, já outros, pedem apuração dos fatos. O acesso ao material se deu após o advogado Fernando Fernandes acionar o Supremo Tribunal Federal, em 2011. A liberação foi dada em 2015, quando Fernando digitalizou centenas de fitas com as gravações. 

Em entrevista à ConJur, o advogado disse que a audição das gravações resultou em dois livros: 'Voz Humana' e 'Poder e Saber, Campo Jurídico e Ideologia'. Ele também pretende montar um site que tornará o arquivo acessível à população. "A divulgação dos arquivos dos julgamentos de presos políticos é essencial para conectarmos as arbitrariedades e entendermos a tortura de 1964 e a moderna de Guantánamo e de Curitiba. A luta pela abertura dos arquivos sonoros dos julgamentos de presos políticos de 64 durou 20 anos".

O general Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI) durante a ditadura militar, morreu neste sábado (16), aos 97 anos. O militar morreu de causas naturais e estava internado no Hospital Central do Exército, em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Cruz deixa quatro filhos. 

Entre 1977 e 1983, Newton esteve no comando do SNI e do Comando Militar do Planalto. Em 1983, Cruz foi acusado de ter participação no assassinato do jornalista Alexandre von Baumgarten, ex-diretor da extinta revista O Cruzeiro. O jornalista foi assassinado no Rio de Janeiro e um dossiê publicado pela revista Veja apontou que Newton Cruz era o mais interessado na morte dele. Ele foi julgado pelo crime e absolvido em 1992.  

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Em 2014, foi denunciado como um dos responsáveis pelo atentado no Riocentro em 1981, ataque a bomba sem sucesso, mas que matou um militar e deixou outro gravemente ferido. Ambos eram integrantes do DOI-Codi. Meses depois da denúncia, a Justiça Federal concedeu habeas corpus ao general e outros denunciados, trancando o processo. Através da Comissão de Verdade, há denúncias contra o ex-general, também apontado como um dos 377 militares responsáveis por crimes na ditadura.

O velório de Newton Cruz será realizado na capela 01 do crematório da Penitência, a partir das 8h30 deste domingo (17). Na sequência, o corpo dele será cremado.  

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso usou ontem sua conta no Twitter para criticar a ditadura militar. As mensagens foram publicadas após o presidente Jair Bolsonaro elogiar o golpe de 1964, em cerimônia no Palácio do Planalto.

"Você sabia que muitos brasileiros foram para o exílio para escapar da violência política? Essa é a história. Você sabia que durante a ditadura todas as músicas, todos os filmes e todas as novelas tinham que ser previamente submetidos ao Departamento de Censura? Você sabia que os jornais tinham censores nas redações decidindo o que podia ser publicado? Essa é a história", escreveu o ministro. "Você sabia que durante a ditadura as eleições foram canceladas, o Congresso foi fechado, parlamentares e professores foram cassados e estudantes proibidos de se organizarem?"

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Por fim, Barroso falou sobre o período democrático. "Você sabia que desde 1988 temos o mais longo período de estabilidade institucional da vida brasileira? Que durante o período democrático o País conseguiu, finalmente, um mínimo de estabilidade monetária? E que todos os indicadores sociais do País melhoraram. Essa é a história", tuitou o ministro.

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também usou as redes sociais para falar sobre os 58 anos do golpe militar. Diferentemente do que defendeu Bolsonaro e as Forças Armadas em suas manifestações, a Justiça Eleitoral se posicionou para "celebrar e reafirmar a importância e a fundamentalidade do patrimônio democrático, da liberdade das cidadãs e dos cidadãos e do estado democrático de direito".

Questionado por jornalistas no Supremo, o presidente do TSE, Edson Fachin, disse que a opinião dele sobre o caso já havia sido manifestada pelo perfil oficial da Corte no Twitter.

Radicalização

Na véspera do aniversário do golpe militar, Bolsonaro, em evento em Parnamirim (RN), já havia radicalizado o discurso. "Pode ter certeza, por ocasião das eleições, que os votos serão contados. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos", declarou o presidente, em referência indireta aos ministros Barroso, Fachin e Alexandre de Moraes, do STF e do TSE.

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