A mulher que sorria de braços abertos agora se encosta em um canto de parede quando descobre que somos jornalistas. Há pouco, nossa equipe havia entrado no restaurante Fogão a Lenha, de sua propriedade, e sido recebida por ela: “boa tarde, vamos almoçar?”. Sem esconder a decepção com a natureza da visita, adianta-se em dizer: “Não faço o que faço para aparecer”. Desde que inaugurou o estabelecimento, há dois anos e dois meses, localizado na Rua Gervásio Pires, no Centro do Recife, a empresária Luana Freitas divide, todos os dias, a comida que produz com pessoas sem-teto que vivem no entorno do Fogão a Lenha.
“Uma vez minha mãe estava chorando porque a gente não tinha comida para o dia seguinte. Eu disse ‘mainha, chora não, vou trabalhar para te ajudar. Eu tinha 10 anos”, lembra a empresária. Luana, que não sabia cozinhar, virou faxineira de um restaurante. Com o tempo, foi promovida a auxiliar de cozinha e a cargos administrativos. “Há três anos, decidi fazer o meu. Comecei com uma lanchonete na Rua do Hospício e com a ajuda de muita gente abri esse restaurante. As doações são minha forma de agradecer pelo que conquistei”, conta Luana.
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Às quatro da tarde, sob os olhares curiosos de alguns comerciantes vizinhos, Luana dispõe três travessas cheias de comida na porta do restaurante. Uma pequena fila começa a se formar timidamente. “Fizeram do lixo, um palácio. Esse terreno aqui era um lixo. A tendência pra quem faz o bem é receber mais do que bem. É de gente assim que estamos precisando nesse país, gente que entende a necessidade do outro ao invés de ficar com pena. Pena não faz ninguém levantar de lugar nenhum”, elogia o cliente Edvaldo Coutinho, atendente comercial.
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A balconista Elaine Rodrigues sai do Curado para almoçar no Fogão a Lenha. “Venho comer aqui, com certeza essa atitude me incentiva a consumir no estabelecimento. Da primeira vez que vi, chorei na rua. Porque é raro ver uma atitude bonita e porque já trabalhei em restaurante. Jogam muita comida fora”, comenta. Em um post no Facebook da cliente do restaurante Daniela Neves, atitude de Luana vem rendendo outros comentários positivos e mais de 33 mil curtidas. “Eu não quis essa repercussão toda. A gente faz essas doações porque tem esperança em um mundo melhor. Não é só de comida que as pessoas precisam, mas é preciso compartilhar para o mundo, compartilhar a verdade de que amor ao próximo existe”, comenta.
Há empresários vizinhos que, contudo, reprovam a iniciativa do estabelecimento. Para alguns, é arriscado doar a comida. “Dizem que se alguém passar mal, eu vou ser responsabilizada. Mas em três anos de funcionamento, nunca recebi esse tipo de queixa. Eu tenho muito respeito pelo cliente. Quem chega para comer no meu restaurante é para comer comida nova. Então vou doar, porque não tenho o hábito de congelar comida. Da mesma forma que gosto de comer fresquinho, eu vou oferecer isso pro meu cliente. E o que sobra, não chamo de sobra, pois é a mesma comida que levo para minha casa”, explica a empresária.
Outros comerciantes ficam incomodados com a movimentação dos sem-teto na área. Luana lamenta: “me criticam pelo fato de eu sustentar ‘marginais’, ‘bandidos’, as pessoas não pensam: ‘ela está alimentando uma pessoa que estava com fome’. Aquelas pessoas precisam saber que Deus existe. Quantos não estão ali porque não tiveram amor, família, acolhimento ou a força de vontade que tive pra vencer? Quantos? Somos muito apontados. Sozinha você não consegue fazer a diferença”.
Há quem discorde. Aos 67 anos, Seu Manuel da Silva, tem uma fala confusa, mas reiteira o óbvio: “moro não rua porque não tenho onde morar”. Em frente ao restaurante, com uma embalagem de sorvete cheia de macarrão, verduras, arroz e carne, se prepara para retirar os talheres de um saco plástico vazio de tudo que possui.“Só aqui dão comida pra gente, vai fazer três anos. Se não fosse ela, eu ia esperar para comer na Igreja, às sete da noite. Ela é especial”.