A partir da campanha Outubro Rosa, o décimo mês do ano passou a ser referência na prevenção ao câncer de mama. Embora os tumores malignos acometam mais de 66 mil mulheres a cada 12 meses em todo o Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), cerca de 90% dos casos têm possibilidade de cura.
Um dos tratamentos para este tipo de câncer é a mastectomia. A cirurgia que retira parte ou toda a mama para os tumores deixarem de agir no local, é considerada uma das mais eficazes na eliminação da doença. No entanto, a mutilação do corpo pode fazer com que as mulheres não assimilem a agressividade do procedimento cirúrgico e possam desenvolver problemas relacionados à autoestima. Para amenizar as mazelas trazidas pelas cicatrizes, algumas técnicas paramédicas e artísticas, como a micropigmentação da pele ou a tatuagem, são recursos utilizados por pacientes que buscam o conforto e a recuperação completa da doença.
##RECOMENDA##Acometida pelo câncer de mama, a professora Joana D’Arc Vieira Botini, 68 anos, procurou o método estético para elevar a autoestima. Segundo ela, o cirurgião que realizou a mastectomia foi quem lhe indicou a micropigmentação na auréola do seio. Para Joana, a manutenção da aparência foi a etapa final do processo clínico. "Foi o último procedimento da conclusão da mastectomia, como um recurso de identificação mais próxima e possível da minha mama verdadeira, de personalidade, de quem eu sou e de como nasci como mulher", declara a educadora. "Muitas pessoas tem vergonha de expor sua mama faltando a auréola, e esse procedimento ajuda a aumentar a autoestima de quem se submeteu a uma cirurgia", complementa.
A professora Joana D’Arc Vieira Botini | Foto: Arquivo Pessoal
A responsável pela aplicação do recurso estético em Joana foi a especialista em micropigmentação Deise Damas, 44 anos. De acordo com a esteticista e professora, o método redesenha cores e contornos originais do mamilo. "Implantamos o pigmento numa camada bem superficial da pele. O trabalho é simular ao desenho do mamilo, podendo ser feita quando há ou não alguma parte dele", destaca a profissional. "O pigmento é específico para este procedimento, pois as cores devem ser parecidas com as dos mamilos naturais", complementa Deise.
O procedimento
De acordo com a especialista Deise, o método não é invasivo e não aponta riscos para a saúde. "São feitas duas sessões que levam uma hora e meia cada. O procedimento deve ser repetido em média a cada dois anos", aponta. "O pós é muito tranquilo, exigindo apenas que a paciente evite fontes de calor".
O procedimento de micropigmentação | Foto: Divulgação / Deise Damas
A profissional ainda destaca que pacientes sem recursos financeiros para pagar pela micropigmentação podem procurar o estúdio, passar por uma avaliação e agendar horário para ser uma das contempladas do mês e ter o recurso paramédico aplicado na área afetada pela mastectomia. "É um benefício para quem não pode pagar pelo procedimento, normalmente pacientes do Sistema Único de Saúde [SUS]. Sempre é feito com autorização médica por escrito após a cicatrização da cirurgia", explica Deise.
Tatuagem
Assim como no documentário "The Dazzling Dozen" (2020), da revista estadunidense Inked, especializada em tatuagens, a securitária Ana Claudia Armando, 53 anos, buscou no desenho uma solução para marcar, de forma definitiva e criativa, as batalhas contra o câncer. Embora tivesse outros dois desenhos na pele, ela tinha receio em cobrir as cicatrizes da cirurgia. "Quando soube do projeto, fui pesquisar um pouco mais sobre o trabalho deles e me apaixonei tanto pela ação em si, quanto pela arte que eles fazem. O resultado não poderia ser diferente: ficou maravilhoso", comemora Ana.
A securitária Ana Claudia Armando | Foto: Arquivo Pessoal
Segundo a paciente, o que poderiam ser sinais considerados feios, virou arte e graça. "Foi um período que eu tinha que passar e passei com força, fé e coragem, mas que deixaram marcas incômodas. Elas relembram a parte feia da experiência e foi isso que o Gabriel transformou em beleza", enfatiza.
O artista
O tatuador Gabriel Nanni, 23 anos, foi o escolhido por Ana Claudia para cobrir as marcas do procedimento cirúrgico. Segundo ele, que é um dos responsáveis pelo estúdio Nanni Ink Tattoo & Art, em Campinas (SP), a inspiração para contribuir com as pacientes de câncer de mama veio após o relato de uma pessoa próxima emocionar ele e a sócia, a artista plástica e tatuadora Stella Nanni, 48 anos.
De acordo com Nanni, o testemunho fez com que o trabalho artístico se tornasse apoio para vítimas da mutilação causada pelas cirurgias. De lá para cá, a família Nanni já ilustrou 40 cicatrizes de maneira gratuita. "Como não temos patrocínio, temos que nos dividir entre nosso estúdio, tatuando e cobrando normalmente, mas a atividade de cobrir as cicatrizes que fazemos gratuitamente", pondera o artista.
A tatuagem feita no seio de Ana Claudia | Foto: Nanni Ink / Tattoo Truck Tour
De acordo com Nanni, o trabalho vai além da chance de dar um alento às vítimas de câncer de mama. Para ele, a iniciativa também trouxe uma valorização maior do próprio trabalho. "Sempre nos questionamos se nossa arte ajudaria as pessoas, e neste projeto nos encontramos. A satisfação em poder mudar a vida de alguém que passou pelo câncer, não tem como descrever".
Ainda segundo o artista, que participou da ação Tattoo Truck Tour, em parceria com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) no Outubro Rosa, o talento empregado nos desenhos é fundamental para ampliar a aplicação da técnica entre as vítimas do câncer de mama. "É importante o maior número possível de mulheres saber que existe essa possibilidade, não só de fazer a reconstituição do mamilo com uma tatuagem 3D, como de fazer outro desenho por cima da cicatriz", conclui o Nanni.