Dezembro é um mês repleto de tradições e rituais que marcam a chegada de um novo ano, além do Natal. Muitos desses ritos são ligados à religiosidade e fé, passando a ter um significado mais profundo e importante para quem os pratica. No entanto, em cada religião, o momento é vivenciado de maneira diferente - alguns nem mesmo consideram a data - e, sendo assim, o LeiaJá foi em busca de descobrir como algumas das diferentes crenças existentes no mundo comemoram (ou não) o período natalino e o Réveillon.
No Brasil, país onde a maioria da população se diz cristã - de acordo com dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), esse número gira em torno de 86,8% - é comum vermos nas casas a típica celebração natalina que reverencia o nascimento do menino Jesus, com troca de presentes e ceia servida pontualmente às 0h. Porém, essas práticas sequer existem, ou fazem sentido, para os praticantes de outras religiões que vivenciam esse momento do final de ano de outras maneiras.
##RECOMENDA##Na cultura judaica, por exemplo, não existe o modelo de Natal cristão. Ao invés disso, a comunidade celebra o Chanucá, ou Hanukkah, a Festa das Luzes. O rabino Clifford Kulwin explica a tradição: "O Natal não tem um papel na religião judaica. Por acaso, uma festa judaica acontece na mesma época do ano, o Hannukah. Ela está ligada ao calendário hebraico e nela comemoramos uma vitória de mais de dois mil anos atrás, onde os macabeus estavam vitoriosos contra os gregos. Comemoramos a vitória deste momento e também o milagre dado por Deus por ter facilitado essa oportunidade de entrar no templo sagrado".
Em dezembro, os judeus celebram o Hannukak. Foto: Pixabay
Segundo o rabino, quando chegaram ao templo, os macabeus perceberam que só haveria luz na Menorá, o candelabro de oito braços, para um dia, foi quando houve um milagre que manteve a luz acesa por oito dias - tempo que hoje dura a festa. Mas, apesar das diferenças nos rituais, os judeus se alegram pelo momento de celebrações entre os diferentes povos. "É importante lembrar que o cristianismo nasceu no judaísmo, então no Natal os cristãos celebram o nascimento de Jesus, é um momento de alegria e reflexão e nós, como bons parceiros na comunidade mais ampla, estamos felizes em ver os outros festejando os dias importantes deles".
Matrizes indígena e africana
No Recife, existem mais de 1.200 terreiros de religiões de matriz africana e indígena. O levantamento foi feito pelo historiador, mestre em Ciências da Religião e sacerdote juremeiro, Alexandre L'Omi L'Odò. Ele recebeu o LeiaJá na Casa das Matas do Reis Malunguinho, em Olinda, para explicar como são as festividades de fim de ano para os fiéis dessas crenças.
Na Jurema Sagrada, existem dois rituais bastante particulares que marcam o fim de ano, é um momento de resgate que tem sido reavivado por alguns terreiros, como o de Alexandre. "Sou extremamente tradicionalista, dentro do conceito da religião, mas existem coisas da questão histórica que a gente quer mudar. É um processo decolonial, para que a gente se encontre com nosso próprios conceitos de mundo. É uma luta a gente conseguir fazer isso porque sempre tem aqueles filhos de santo que querem fazer a festa de Natal. A gente respeita, mas todo mundo sabe meu posicionamento em relação a isso.", explica.
No dia 25 de dezembro, é feito o Corte do Pão, ritual em que o alimento é oferecido como símbolo de abundância: "É um dia que celebra a fartura para dentro do terreiro. O pão, pra gente, também é sagrado, não pela lógica de que ele seja o corpo de Cristo, mas o pão é um alimento que a população pobre se utiliza bastante. É um ritual mais interno, muito simples. Pra gente de terreiro é muito importante essa questão da comida e da sobrevivência, porque muitos dos nossos ainda está em situação de risco".
Alexandre L'Omi L'Odò faou sobre as tradições da Jurema Sagrada e do Candomblé. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
Além disso, também há celebrações "dentro da mesa da Jurema para os senhores mestres e para as senhoras mestras, e para Malunguinho, que é o dono da casa". No final do ano, os juremeiros fazem uma celebração que "fecha" o ano, para depois ser reaberto um novo ciclo, no dia seis de janeiro, o Seis de Reis.
No Candomblé, também há dois rituais específicos para marcar o final do ano. Alexandre, que é de tradição jeje-nagô, membro do Ilê Iemanjá Ogunté, conta que na casa nagô é feita, no dia 25, a obrigação de Olofin. Segundo o sacerdote esse orixá é a "sustentação da casa". "Pra gente, ele é o orixá mais importante, ele é o ‘ododuá’, que é o civilizador do povo yorubá -, não é todo terreiro que conhece esse ritual, ele é muito fechado".
Já no dia 31, são feitas oferendas para todos os orixás e às 0h, em ponto, o Pai de Santo joga os búzios para descobrir qual orixá será o regente da casa naquele ano. "Antigamente, (a prática) era mais rígida. Os filhos de santo eram obrigados a passar o ano novo dentro do terreiro, ninguém tinha vida social no final do ano. Já ficava da obrigação de Olofin até o dia 31 dentro do terreiro, acompanhando todos os rituais até chegar a jogar os búzios, primeiro pra casa geral, depois o jogo para cada filho, até cear. Depois era feito uma festa".
Outras crenças
Para os budistas, doutrina de origem oriental, a figura de Jesus Cristo não existe. Sendo assim, o Natal, de tradição cristã, não existe para quem professa o budismo. Para os fiéis da religião Testemunhas de Jeová, qualquer festividade de aniversário é considerada pagã, sendo assim, eles não comemoram no dia 25 de dezembro. Além disso, segundo eles, não há nada na Bíblia que indique essa data como sendo o dia do nascimento de Jesus, portanto, não há celebração.
Diferentes mas iguais
Apesar das diferenças no que se acredita e na maneira de se colocar a fé em prática, uma coisa pode ser considerada unanimidade: toda religião busca o bem estar dos seus e o cultivo do amor e respeito. Que assim seja nos lares de quem comemora, e de quem não comemora as festas de fim de ano, e que em 2020, todos possam professar sua fé livres de todo e qualquer preconceito.
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