Nas eleições municipais de 2020, o Recife elegeu, para as 39 vagas na Câmara Municipal, oito vereadores negros, isto é, pardos ou pretos, segundo define o Estatuto da Igualdade Racial. Dentre eles, autodeclaram-se pretos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Dani Portela (PSOL), Luiz Eustáquio (PSB) e Osmar Ricardo (PT), que mudou sua autodeterminação de branco para preto. Acontece que o agora vereador eleito, já havia se colocado como branco na inscrição de sua candidatura ao cargo de deputado estadual, nas eleições de 2018, quando ainda integrava o PCdoB.
Procurado pela reportagem do LeiaJá, Osmar Ricardo comentou que sempre defendeu a pauta racial na Casa José Mariano. “Nunca me achei branco, sempre me achei negro. Nossa ação na Câmara sempre foi um cima dos movimentos sociais, meu mandato sempre vai fazer para defender a maioria, que são negros e negras. Isto é uma questão de preenchimento [a declaração ao TSE], sempre participo dos movimentos do PT na questão racial, não é apenas um papel que define a política racial, o que define é a ação”, explicou.
##RECOMENDA##
O pesquisador e mestre em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Caio Santos, lembra que a autodeterminação na briga interna dos partidos está ligada à busca de mais recursos para as candidaturas. “Ainda mais agora que a gente tem resoluções de melhor distribuição de dinheiro entre candidatos negros e negras nos partidos”, afirma.
Em outubro deste ano, por exemplo, o TSE determinou que a distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral para candidatos negros deveria valer ainda para estas eleções municipais. Na ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski defendeu que "políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos nas disputas eleitorais que se travam em nosso país já a partir deste ano, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana".
Santos acrescenta que a pauta racial tem crescido no Brasil, ampliando a conscientização do debate público. “Políticas afirmativas sempre vão vir acompanhadas de tentativas de se achar brecha para favorecer determinados grupos sociais. A autoafirmação é um problema por isso, porque ela molda o discurso conforme for oportuno. A gente precisa sempre ter cuidado ao analisar dados frios sobre representação racial justamente por isso, muitas vezes o conceito de pardo, preto ou negro são utilizados de forma instrumentalizada. Por outro lado há sim um aumento de conscientização política que é positiva”, frisa.
Conjuntura nacional
A demanda por representatividade deu o tom das eleições municipais de 2020. Com recorde de candidaturas em 2020, os negros ampliaram sua participação no comando das prefeituras e nos cargos de vereança. De acordo com dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de cerca de 5,4 mil prefeitos eleitos, quase 1,7 mil candidatos se declararam pretos ou pardos, o que equivale a 32% do total. A quantidade é superior à que foi registrada em 2016, quando a porcentagem de negros equivalia a 29% dos candidatos eleitos.
Além disso, em 2020, pela primeira vez, candidatos negros passaram a ser o maior grupo de postulantes a cargos eletivos no país desde 2014, ano em que o TSE passou a coletar informações de raça. Nestas eleições, cerca de 276 mil pretos ou pardos registraram suas candidaturas, correspondendo a 49,9% do total.