O que fez a sociedade ser tão agressiva? Porque a violência não dá mais espaço para o diálogo? As causas estão atreladas a uma série de fatores sociais, mas, sem dúvida, também se relacionam em como a primeira infância foi negligenciada nas gerações anteriores. Uma das referências no estudo da criança no Brasil, o pós-doutor e especialista em Neuropsicologia e Psicologia Cognitivo-Comportamental, Hugo Monteiro, apontou que os pais podem despertar sentimentos negativos nos filhos quando adotam práticas normalizadas no passado.
A aproximação com filhos pequenos na pandemia atraiu os pais à Educação Positiva, que se apresentou como uma saída consciente e afetiva à educação violenta. Baseado na parentalidade focada nos pontos positivos da criança, o processo educativo incentiva os elogios, a calma, a compreensão e a paciência nas primeiras fases da vida para que os limites se estabeleçam sem provocar traumas.
##RECOMENDA##Para a criação de filhos mais confiantes e empáticos no futuro, Hugo Monteiro ressalta que eles precisam ser positivados o tempo todo. A proposta é orientar ao invés de violentar física e psicologicamente.
"A criança que recebeu violência vai trazer violência de volta", traçou o estudioso, que também é professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e dirigente do Instituto Menino Miguel.
"Tudo tem que ser feito com calma e sem raiva, sem bater e sem impor [...] é importante que a criança sinta que o que vem do pai e da mãe é verdadeiro e quando vier algum limite, não venha com raiva", complementou ao pontuar sobre a importância da relação saudável.
O efeito reverso do "não"
Situações do dia a dia como mandar engolir o choro e tentar conter a criança com força se opõem às indicações da psicologia positiva. Insistir na palavra "não" também pode ressoar como um contraestímulo e causar o efeito reverso: “se você quer que a criança pare de morder e você diz 'não morda', esse comando vai ser entendido pela criança como um reforço que intensifica o morder", descreveu o professor.
O "não" deve ser usado sem constranger a criança e, por mais que seja difícil de deixar de usar na prática, é importante tentar colocá-lo em um sentido mais afetivo, em um tom acolhedor.
O grito não educa
Alguns reflexos da educação violenta são observados ainda na infância, como o choro e o medo excessivo, a facilidade em se irritar e a menor sociabilidade. Outros sinais mais característicos também são comuns, a exemplo da criança que convive em um ambiente de gritaria ter o hábito de colocar a mão no ouvido. "Toda educação com grito é uma deseducação", aponta Hugo Monteiro.
Ele explica que o grito acaba sendo entendido como 'uma pancada' quando é transmitido para o sistema nervoso central. "A educação que grita é uma educação que atrapalha, uma educação que fecha o diálogo", orienta.
Castigo pode atrapalhar
Para não recorrer à palmada, alguns pais optam pelo castigo. Hugo Monteiro sugere que o recurso até pode ser usado, mas não é a saída para o problema da falta de limites estabelecidos.
"Castigo é sempre ruim”, considerou. “A criança vai entender que toda vez que ela errar, ela vai mentir para você. Os pais que castigam os filhos é quase como se eles estivessem dizendo: na adolescência você não vai me dizer a verdade", afirmou o professor.
Mas como a criança pode entender que fazer determinada coisa é proibido? Hugo Monteiro coloca a educação como uma construção diária, em que o aprendizado precisa ser consistente. Essa construção passa pelos limites colocados pelos pais, mas que eles também precisam abrir concessões para entender os filhos e garantir que obtenham autonomia.
Por exemplo, a criança que risca todas as paredes da casa e recebeuma palmada na mão vai continuar com vontade de riscar. "Ele precisa desenvolver essa habilidade, mas se eu deixar uma parede dentro da minha casa para que ele faça só isso, ele vai saber que ele tem aquele lugar para fazer isso”, concluiu Monteiro.
Mês da Primeira Infância
Em julho deste ano, a Presidência sancionou a Lei 14.617, que oficializou agosto como o Mês da Primeira Infância. A intenção é promover ações de conscientização sobre a atenção integral às gestantes e às crianças de até 6 anos de idade e a suas famílias.
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