Compartilhar momentos de felicidade em família, relembrar experiências marcantes ao lado dos amigos e presenciar a chegada dos netos com a certeza de que novas gerações darão continuidade a uma bela história de vida. Saber que conquistou sonhos e proporcionou alegria entre pessoas amadas, além de acreditar que a boa idade e os fios de cabelos brancos não podem representar o fim da linha. No sentindo amplo da palavra longevidade, essas ou quaisquer outras conquistas intensificam a saúde física e o bem estar de idosos que entenderam essa fase da vida como um momento ainda sujeito a novas vivências e cheio de possibilidades para novas contribuições.
Compreender a longevidade dessa maneira, no entanto, nem sempre é comum entre alguns idosos. Circunstâncias pessoais e sociais podem causar nas pessoas da terceira idade um pensamento de declínio e até mesmo de inutilidade. Um recorte específico e que expõe esse pensamento é o de idosos reclusos da sociedade. Por erros cometidos, perderam o direito de liberdade e passaram a enfrentar o crítico cenário do sistema carcerário brasileiro. Na cadeia, pagam pelos crimes cometidos e, diante de adversidades como superlotação e violência, praticamente desacreditaram que a terceira idade pode sim ser um momento de recomeço. Dentre os questionamentos, seria possível envelhecer de forma saudável, na forma mais ampla da expressão, atrás das grades? Uma ação idealizada em Pernambuco busca mudar o quadro dos que desacreditaram na força da longevidade.
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Um projeto realizado no Presídio de Igarassu (PIG), na Região Metropolitana do Recife, tenta amenizar os impactos da terceira idade diante das grades. Na prática, a ideia de longevidade passou a ser colocada em pauta com foco nos reeducandos idosos ou próximos de ingressar nessa faixa etária, com o objetivo de garantir saúde física e bem estar aos atendidos. Alguns deles estão próximos de retornar à sociedade e principalmente aos braços das famílias, mas outros foram esquecidos pelos entes queridos por diversos motivos e recebem uma atenção direcionada ao lado psicológico. Atividades físicas, consultas médicas, exames clínicos, terapia musical, futebol, aulas de artes marciais, trabalho, cursos profissionalizantes, entre outras ações passaram a integrar o dia a dia dos detentos.
"A partir do momento em que o Estado recolhe uma pessoa para o cárcere por ter quebrado os pactos sociais, o reeducando precisa pagar pelo crime que cometeu e o Estado precisa cuidar desse processo de ressocialização. Nosso objetivo é incentivar que ele volte à sociedade como um cidadão de bem, com os valores éticos resgatados. A gente tenta dar um pouco de dignidade a esses reeducandos. Tem idoso com 15 anos de detenção e por isso procuramos fazer um acompanhamento de saúde, nutrição e psicológico, para mostrar a ele que, apesar da idade avançada, existe uma vida e um futuro pela frente, porque a idade não está no corpo da pessoa e sim na mente", destaca a supervisora administrativa do Presídio de Igarassu, Maria das Graças Alves.
De acordo com a supervisora, dos mais de 3 mil detentos do PIG, quase 40 são considerados idosos. Há quase cinco meses, a unidade realizou uma triagem e identificou os reeducandos da terceira idade para dar início ao projeto que fortalece o sentido da longevidade. "Antes eles ficavam tristes nas celas, principalmente os que foram abandonados pela família, sem querer fazer nada. Alguns guardavam rancor, não queriam saber de nenhuma atividade. Nós fazíamos o convite, mas eles demoravam a aceitar. Depois que passaram a fazer nossas atividades, melhoraram bastante e passaram a acreditar que a ressocialização é possível", comenta Maria das Graças.
São quase sete anos entre os muros e grades do presídio. Antônio, 65, sofreu por viver longe da família e pela saudade dos tempos de liberdade. Tem ciência dos erros cometidos e não questiona a punição na cadeia. Por outro lado, em tom baixo revela o quanto foi difícil enfrentar a condição de idoso recluso e incrédulo quanto à possibilidade de uma nova vida mesmo na terceira idade. Faltava incentivo, sobravam ociosidade, sedentarismo e problemas de saúde.
"É difícil, quando você está na cadeia pensa um monte de coisa ruim", diz o reeducando. O projeto do PIG tornou-se o escape de Antônio, “momento de paz” que, segundo ele, o faz esquecer até da vida encarcerado. Para alguns, as atividades podem até parecer algo simples, mas Antônio as consideram como uma chance de recomeço. "Hoje estou bem melhor, até de saúde. Tenho saudade da minha família, quero voltar para rua e tocar os negócios que sempre tive. Ainda dá para fazer algo de bom, mesmo velho", relata. No vídeo a seguir, assista outros relatos de reeducandos beneficiados pelo projeto.
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Segundo a coordenadora de saúde da Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco (Seres), Gabriela Paixão, existe um planejamento estratégico que contribui para a manutenção da saúde dos reeducandos. "A unidade prisional conta com uma equipe multiprofissional composta por enfermeiros, médicos, odontólogos, assistência farmacêutica, fisioterapeuta, técnico de enfermagem, além de outros profissionais como psicólogos e assistentes sociais. Existe uma medicação específica para os hipertensos e diabéticos. Os idosos são acompanhados mensalmente e temos um olhar especial para quem precisa de uma alimentação adequada", explica a coordenadora. "A gente consegue fazer um atendimento de qualidade pelo trabalho em conjunto da equipe, passamos pelos pavilhões e identificamos os idosos que necessitam do atendimento", complementa.
Além dos benefícios para o estado físico dos reeducandos idosos, os profissionais envolvidos no projeto ainda destacam os ganhos psicológicos. Psicóloga do Presídio de Igarassu, Sandra Alaíde Souza explana que existe um "trauma" pela inserção no sistema carcerário e para diminuir esse impacto, as ações realizadas contribuem para o bem estar mental dos detentos.
"A gente tenta melhorar a qualidade de vida deles. A psicologia da saúde dá um apoio no sentido de poder escutar eles, entender a demanda emocional de cada um. Alguns, com o passar do tempo, se sentem esquecidos. Tentamos melhorar a parte cognitiva com instrumentos e dinâmicas de grupo, fazendo com que eles expressem o que sentem, principalmente neste momento de reclusão. O trauma acontece pelo indivíduo estar na cadeia e por isso tentamos resgatar o gosto pela expectativa de vida e pelo mundo lá fora", comenta a psicóloga.
Um levantamento realizado pela Secretaria de Executiva de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco revelou um número pequeno de idosos nos presídios do Estado, em comparação com o quantitativo total de detentos: mais de 30 mil. Em entrevista ao LeiaJá, o secretário Eduardo Figueiredo informou que existem cerca de 380 idosos nas cadeias locais. Para o gestor, o projeto idealizado em Igarassu é considerado uma ação inicial para o atendimento da terceira idade no sistema carcerário e em breve haverá um anúncio concreto de ações que serão expandidas em outros presídios de Pernambuco.
"É importante haver uma política pública voltada à pessoa idosa. O cuidado é essencial em relação à saúde da mulher e do homem idoso, é preciso atentar para a prevenção de doenças. As atividades de ressocialização também são importantes, porque o idoso fica mais vulnerável pelo sentimento de estar fora do lar e da família. A família também é um ponto importante no processo de ressocialização e por isso fazemos um trabalho de assistência social para reforçar os vínculos com os familiares. O Presídio de Igarassu tem um trabalho experimental e que a gente precisa fortalecer. É um pontapé bem dado", diz o secretário.
"A nossa ideia é expandir essas atividades para outras unidades prisionais. Neste mês de setembro, haverá diálogo entre as instituições e a nossa intenção é que em outubro, quando completaremos mais um ano do Estatuto Idoso, a gente possa ter um plano de atendimento voltado para a pessoa idosa. Será um atendimento referenciado nos aspectos da assistência social, médicos e no despertar dos vínculos com os familiares. A visão da ressocialização precisa ser unificada com a proteção da pessoa idosa. Todo ambiente de privação de liberdade potencializa sentimentos e por isso esse ambiente precisa ter uma política especial, com o fortalecimento das áreas técnicas. Os profissionais da assistência social precisam ter um olhar que o reeducando idoso já carrega uma bagagem de sofrimento e nesta reta, a partir dos 60 anos, em que você está em confinamento, os sentimentos se potencializam", complementa o secretário Eduardo Figueiredo.
A saúde do idoso e o contexto penal
Segundo o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Carlos André Uehara, algumas doenças são consideradas frequentes entre a polução idosa. "As doenças crônicas não transmissíveis são as mais comuns na população idosa, entre elas a hipertensão arterial, o diabete e doença pulmonar obstrutiva crônica. Na população idosa privada de liberdade também há uma maior prevalência de doenças infecciosas, como a tuberculose, portadores de HIV e doenças sexualmente transmissíveis. Os cuidados recomendados são os mesmos da população geral, como hábitos saudáveis, com ingesta de dieta balanceada (carboidrato, proteína e fibras), preferencialmente alimentos não industrializados e atividade física regular. Também orientamos a cessação do tabagismo, uso de preservativo e a correta tomada das medicações", detalha o vice-presidente.
Para Carlos André, existem meios que facilitam a manutenção da saúde física e emocional do idoso, cuja responsabilidade também é dos familiares. Dessa forma, a pessoa na terceira idade pode conviver sob os benefícios da longevidade. "Devemos estimular a manutenção de sua independência, muitas famílias com a intenção de evitar acidentes e complicações limitam as atividades do idoso, fazendo com que ele fique restrito e com poucas atividades. Por mais que o idoso apresente dificuldades, devemos respeitar seu ritmo e limitações e estimulá-lo a realizar suas atividades rotineiras. Se houver necessidade, o idoso e seu cuidador devem receber orientações profissionais e passar por um programa de reabilitação. Orientar a família e o idoso é muito importante, se todos estiverem bem informados, a aceitação e a adesão ao tratamento são facilitadas. Se mesmo após todas as intervenções e orientações não ocorrer um acordo, o desejo do idoso deve ser respeitado", orienta.
"De modo geral, a população idosa sofre os mesmos problemas do restante da sociedade, com o agravante que nossos serviços de saúde não estão preparados para a transição demográfica e epidemiológica que está acontecendo. Os planos de saúde privados são mais caros para os idosos, por este motivo muitos fazem seu acompanhamento no Sistema Único de Saúde (SUS). O avanço nos cuidados à saúde e a disponibilidade de tratamento para muitas doenças que matavam possibilitaram o envelhecimento populacional. Dessa maneira, essa nova geração de idosos está mais atenta e aderente aos tratamentos disponíveis", opina o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Sobre o contexto penal nos presídios brasileiros dos reeducandos idosos, não existem ações específicas para esse público. “No entanto, a Coordenação-Geral de Promoção da Cidadania tem envidado esforços para elaboração da Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal, que abarcará a população idosa no sistema prisional, considerando suas demandas específicas e as orientações quanto às ações e atuações diretas. A previsão para a conclusão do texto de proposta da política é o primeiro semestre de 2018”, diz a agente federal de execução penal Tatiana Leite.
Segundo Tatiana, o código penal brasileiro possui um direcionamento para a tomada de algumas decisões. “São reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de 70 anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão”, explica a agente.