Diante das estatísticas de casos de feminicídio, abuso sexual e disparidade salarial, um grupo de mulheres organizou o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado em 1992 na República Dominicana, para discussão dessas temáticas. Na ocasião, foram abordadas questões como racismo, machismo e ações para combatê-los.
O encontro foi o precursor do Dia da Mulher Negra e Caribenha, celebrado nesta quarta-feira (25). A data é um momento de reflexão e discussão sobre a situação das mulheres negras e trazer visibilidade para a luta.
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A data abre precedentes para expor a questão da representatividade na televisão e no cinema, que sempre rende calorosas discussões. Neste cenário, acredita-se que a mídia, como meio de comunicação de massa, influencia na formação de opinião dos espectadores, ou seja, o que nela é veiculado pode estar a serviço da quebra de paradigmas ou do reforço de alguns discursos excludentes e discriminatórios.
Diante dessa discussão, muitas pessoas apontam que papéis direcionados às atrizes negras, em sua maioria, são de coadjuvantes, figuração ou em cargos submissos aos de pessoas brancas.
De acordo com Priscilla Melo, do Coletivo Cara Preta, a ausência ou pequena participação em novelas, seriados e na sétima arte é reflexo da recente saída da escravização dos negros. “A imagem do negro como protagonista em uma novela ou filme e que não retratam a imagem estereotipada do sujo, leigo, ignorante é difícil de ser vista com outro olhar”, ressalta.
Para ela, a mídia reforça o racismo ao apresentar uma figura retrógrada dessa população. “Reforça-se o discurso racista quando se é colocado esse papel de empregada ou outro que deseja afirmar a autoridade sobre outra pessoa. A visão retrógrada da escravização ainda perpetua e é estruturada em pequenos detalhes intensificados pela mídia”, explica.
Recentemente, a novela 'Segundo Sol', da Rede Globo, ambientada na Bahia, levantou, novamente, essa temática, devido à ausência de representatividade dos afrodescendentes no elenco que é formado, majoritariamente, por artistas brancos. Nos últimos oitos anos - de 2010 a 2018 -, das quinze novelas produzidas pela Rede Globo para a faixa das nove, apenas duas produções contaram com protagonistas negras: Babilônia (2015) e Velho Chico (2017), ambas com Camila Pitanga no papel principal.
Durante participação, na última terça-feira (24), no Programa do Porchat, a atriz Zéze Motta comentou sobre a abertura de espaço para atores e atrizes negros na televisão. “As coisas estão mudando muito devagar. Tem mais espaço para o artista negro, mas tem muita luta pela frente. Organizamos um cadastro com 500 atores negros, porque as produções afirmam que não encontram”, salientou.
Ela também afirmou sobre a figura do afrodescendentes a serviçais. "Não tenho o menor problema em fazer a empregada doméstica, desde que ela faça parte da trama, não fique a reboque dos outros personagens. Eu ficava muito frustrada, pensava: ‘fiz curso de arte dramática no Tablado para abrir porta, fechar porta, servir cafezinho, ‘sim senhora’, ‘não senhora’?”, desabafou Zezé Motta.
No cinema, a conjuntura também é desanimadora. Um levantamento realizado pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e divulgado em junho deste ano, mostra o cenário desigual na indústria cinematográfica no tocante a realização, direção, roteirizarão e elenco de curtas, longas e documentários. Os dados apresentados pela Ancine, durante a análise de 142 longas-metragens datados de 2016, mostram 13,3% de atores e atrizes negros no elenco geral dessas obras cinematográficas.
“Os dados alarmantes apresentam que é urgente conquistarmos esses lugares de fala. Outro dia, houve um debate super acalorado no Cinema São Luiz. Durante a estreia do longa a ‘Baronesa’, que é protagonizado por uma mulher negra, mas dirigido por uma mulher branca. É uma grande problemática, sabe? Os lugares de fala são representados desde a escrita do filme”, observa a jornalista Karol Pacheco.
Na pesquisa ‘A cara do cinema nacional: perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos filmes brasileiros’, realizada pelo GEMAA – Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2014, mostra que o cinema nacional tem gênero e cor, ou seja, ocupado por brancos e homens. Além disso, as produções, em sua maioria, apresentam a mulher negra de forma hipersexualizadas.
“A vulgarização e venda desse corpo sobre promessas de uma relação sexual incrível e ‘selvagem’. O ser mulher é totalmente deslocado e atribuido a mulher branca no senso padrão de beleza também. As mulheres negras são colocadas também com o padrão da mulher branca em suas expressões. Onde são silenciadas e colocadas no papel de omissas e de aceitação daquele destino dado”, ressalta Priscilla.
Karol salienta a série de performances #TECNOLOGIAASERVICODAORGIA, a qual aborda essa questão. "É um trabalho criado e realizado por uma negra periférica. Tem um peso diferente, o do lugar de fala. ‘Videoperformo’ sobre prostituição, assédio sexual, sobre indústria cosmética e erótica, masturbação e também sobre aborto e violência obstétrica. Toda uma cadeia sexual que oprime os nossos corpos de mulheres negras".