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O Estado do Pará registrou 715 casos de crime de “perseguição”, também conhecido como stalking, nos quatro primeiros meses deste ano. O dado foi divulgado pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) e representa 44% do total de registros referentes ao ano passado, de janeiro a dezembro, quando foram contabilizados 1.620 delitos.
##RECOMENDA##Filipe Silveira, advogado criminalista, explica que, desde abril de 2021, o crime foi introduzido no Código Penal Brasileiro (Art. 147-A) e significa “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
A lei prevê ainda aumento de pena nos casos praticados contra crianças, adolescentes ou idosos, contra mulher nos casos de violência de gênero, mediante concurso de pessoas ou utilização de arma.
“O delito tem por objetivo preencher uma lacuna muito importante em vários aspectos, inclusive no contexto da violência doméstica e familiar contra mulher, isto é, criminalizar atos de violência física e psicológica que não estavam abrangidos pelos crimes de lesão corporal, de crimes contra a honra, constrangimento ilegal ou ameaça”, explica Filipe.
Silveira chama atenção para a necessidade de atualização da legislação, mas também reforça que alguns pontos merecem atenção. Para ele, as alterações produzidas abrem margem para o tratamento desigual entre danos físicos e psicológicos. “As reformas pontuais aos códigos, em regra, produzem alterações assistemáticas, transformando o sistema normativo em uma colcha de retalhos, produzindo contradições gritantes. Esse dado pode ser percebido no posicionamento do novo tipo penal na Seção I do Capítulo VI do Código Penal que dispõe sobre os crimes contra a liberdade (individual e pessoal). Muito embora o crime de perseguição possa até configurar um crime contra a liberdade, na grande maioria dos casos se traduzirá em uma violência psicológica, com afetação secundária ou inexistente da liberdade de locomoção”, avalia o criminalista.
E acrescenta: “O ponto central, portanto, estará no reconhecimento de que uma perseguição reiterada poderá causar um sofrimento emocional substancial na vítima que pode ou não resultar em uma restrição de sua liberdade e de sua autodeterminação. Ademais, o posicionamento do crime na Seção I do Capítulo VI do Código Penal também resulta, aparentemente, em um rebaixamento dos danos psicológicos. Em outras palavras, o Código Penal pune de forma mais grave lesões corporais físicas do que psicológicas. Há um aparente tratamento penal mais relevante ao físico do que ao psicológico. E tudo isso se torna ainda mais grave quando observamos o crime definido no art. 147-B que trata especificamente da violência psicológica à mulher, como se a conduta de perseguição (stalking) por si só, já não fosse suficientemente grave”.
Para o criminalista, no crime de lesão corporal, por exemplo, se o dano provoca incapacidade para funções por mais de 30 dias ou enfermidade incurável, como os casos de transtorno de ansiedade, a pena máxima alcança o patamar de cinco anos e oito anos de reclusão, respectivamente. “No caso do crime 147-A, além de não existir a previsão de incapacidade para funções ou de enfermidade incurável, a pena mais alta alcança quatro anos”, explica.
“Esse tratamento secundário ao dano psicológico parece sugerir que a violência (especialmente contra mulher) somente seria objeto de atenção nos casos de derramamento de sangue, encorajando um determinado ceticismo quanto à possibilidade dos danos psicológicos causado às mais saudáveis das mentes, desconsiderando traumas duradouros e a possibilidade de patologias mentais profundas que podem decorrer de anos de subjugação psicológica, fortalecendo, portanto, a manutenção de uma cultura machista e desigual incompatíveis com os valores expressados e tutelados pelo direito interno e pelo direito convencional”, alerta Silveira, acrescentando outros pontos da redação penal.
“O legislador caracterizou como criminosa a conduta de ‘perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio’, porém deixou de definir com precisão o conceito de perseguição reiterada, permitindo, assim, a abertura de sentido que desafia a relação biunívoca entre o princípio da legalidade e o da materialidade da ação, na medida em que não há certeza quanto ao comportamento proibido. Melhor seria se o legislador tivesse formulado o tipo penal já delimitando no a definição do que se considera perseguição reiterada”, defende.
Por Ana Laura Carvalho, especialmente para o LeiaJá.