Falta de quórum. Ou seja, dificuldade de reunir a base aliada. Esse é o motivo da suspensão da reunião que definiria os rumos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), no último dia 5 de outubro. A incerteza na continuidade do programa é uma preocupação para estudantes, que já com os contratos vigentes não conseguem a renovação, além de coordenadores de instituições de ensino superior, que ficam na inércia de garantir o ensino mesmo sem o recurso necessário para a manutenção das aulas.
A ausência de pessoas que possam se sensibilizar com a situação crítica da educação do País, em especial com o programa, desestabiliza a confiança dos alunos. Uma estudante de jornalismo que preferiu não se identificar, de 21 anos, se preocupa com a forma tomada pelo governo para resolver a situação do programa. “Acho um absurdo cortar investimentos na educação quando se tem outras alternativas pra bancar a dívida pública. Taxar grandes fortunas é uma delas”, aponta a graduanda.
##RECOMENDA##
A aluna cursa o terceiro período da graduação em jornalismo e teme perder a oportunidade de continuar no ensino superior ou até mesmo que a taxa coberta pelo financiamento, referente a uma mensalidade de mais de R$ 600, seja cobrada a ela. “Tenho medo de que me cobrem a mensalidade, pois meu curso é muito caro”, conta.
Aguardar. É esse o pedido que o Sistema informatizado do Fies (SisFies) faz à também estudante de jornalismo Thaisa Jatobá, bem como aos outros alunos que precisam renovar o financiamento. Thaisa sente medo de ser cobrada pelas mensalidades, que passam dos R$ 1 mil, e também de perder o benefício. Ela ainda reclama da dificuldade de acompanhar a situação dos aditamentos – como são chamadas as renovações semestrais do Fies. “Não temos nenhuma informação nem no site nem pelo telefone”, acusa a graduanda.
A página do Fies emite um alerta aos estudantes que desejam realizar o aditamento. “O aditamento de renovação semestral está em processo de solicitação pela CPSA [Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento] da instituição de ensino. O prazo para validação do aditamento de renovação e solicitação de transferência, suspensão, dilatação e encerramento pelo estudante será divulgado oportunamente.”
Já o SisFies, sistema responsável por executar as partes de solicitação, aditamento, dilatação e encerramento do financiamento, “veta” a entrada dos estudantes que já possuem o benefício. Após o preenchimento de dados para acesso à conta, o aluno recebe a seguinte mensagem: “Acesso permitido somente para estudantes que estejam pré-selecionados em processo seletivo e que não contrataram o financiamento.”
Além de preocupar os estudantes, o incerteza dos repasses financeiros do Fies afeta as instituições de ensino. O presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Janguiê Diniz, afirma que o Fundo é uma ferramenta aliada à educação, visto que a as instituições públicas não têm capacidade para comportar mais alunos. “A educação pública não tem capacidade para comportar o número de estudantes que ingressam no ensino superior anualmente - isso fica bem claro quando comparamos os dados da educação e vemos que o ensino superior particular responde por mais de 80% do setor”, aponta Diniz.
Além disso, Janguiê Diniz ressalta a mudança benéfica que o programa trouxe à educação superior brasileira. “Grande parte da população brasileira não tem condições financeiras de pagar as mensalidades das IES particulares e recorre ao financiamento. Sem o Fies, será quase impossível o Brasil atingir as metas impostas para a educação superior até 2024”, completa o presidente da ABMES.
Para o presidente do Sindicato das Faculdades Privadas de Pernambuco, Jânyo Diniz, os atrasos do Fies também trazem incertezas para as instituições de ensino. "O Sindicato vê com preocupação esses atrasos. Isso começa a afetar significativamente as instituições de ensino. Algumas estão passando dificuldades para honrar seus compromissos", diz Jânyo Diniz.
Instituições sofrem com as dúvidas
A Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, uma das gigantes da educação superior no Brasil, é uma das instituições afetadas pela incerteza e atraso nas verbas do programa. Segundo nota divulgada à imprensa, há promessas vindas do ministro da Educação, Mendonça Filho, que as verbas e o lançamento de novas vagas do Fies já estavam programadas para o dia seguinte à aprovação do projeto de lei que libera o crédito suplementar para o programa pelo Congresso Nacional. “Esperamos que, desta vez, deputados federais e senadores se deem conta da gravidade da situação e de suas consequências, colocando a preocupação com o futuro do Brasil e de seu povo acima de qualquer outra questão”, aponta o comunicado, em nome da reitora da PUC, Anna Maria Marques Cintra.
Ao Portal LeiaJá, no último dia 27 de setembro, a PUC afirmou que poderia deixar o programa, que já entra em seu quarto mês de atraso. A instituição afirmou que cancelaria o financiamento caso não recebesse o repasse das verbas até o final de 2017. “A falta desses repasses traz consequências danosas para os alunos e demais setores do ensino superior do País. A formação dos nossos futuros profissionais depende agora da atuação responsável de cada parlamentar com a continuidade do desenvolvimento da educação universitária do Brasil", constava na nota publicada pela PUC.
No interior pernambucano o dilema é o mesmo. De acordo com a Presidente da Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento do Fies da Faculdade de Integração do Sertão, em Serra Talha, Milena Marta, o Fundo atualmente beneficia 396 estudantes na unidade, sendo 285 veteranos e 111 novatos. “Precisamos esperar a posição do governo para traçarmos novas oportunidades. Vamos adequando o Fies a cada nova mudança vinda do governo. Adotamos o programa no segundo semestre de 2014, porque traz um novo perfil para a faculdade. O aluno que trabalha e não possui condições suficientes para bancar os estudos é beneficiado”, complementa Milena.
MEC promete
O Ministério da Educação (MEC) promete que os estudantes continuarão a contar com o Fies. De acordo com divulgação do ministro da pasta, Mendonça Filho, no último dia 6 de outubro, todos os contratos serão aditados. “Vamos honrar retroativamente todos os contratos e as renovações”, afirmou o parlamentar, não explicando como seriam realizados, de fato, os pagamentos. “Encontramos o orçamento do Ministério sem a dotação financeira suficiente para novos contratos e para a renovação dos antigos, que já estavam em vigência”, completou o parlamentar, de acordo com site do MEC.
Dívida
O Governo Federal deve R$ 700 milhões ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, referentes a taxas do Fies. Por conta da falta do quite da dívida, o MEC não tem como repassar o valor às instituições privadas de ensino superior. Os repasses referentes ao financiamento somam cerca de R$ 5 bilhões.