Até ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) atuava como uma das principais vozes de oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara. Em quatro meses de mandato, Dallagnol apresentou três projetos de lei, foi coautor de mais dois, assumiu três relatorias, elaborou 21 requerimentos de informação para cobrar dados e respostas do governo e se aproximou de parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Das poucas pautas caras a Lula já votadas na Câmara, Dallagnol se posicionou contra todas. O deputado cassado se opôs à urgência para a votação do arcabouço fiscal e do Projeto de Lei das Fake News, votou para derrubar decreto de Lula para alterar regras do Marco Legal do Saneamento e rejeitou o projeto que equipara o salário entre homens e mulheres.
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"Nós temos um governo que tem a faca e o queijo na mão, que já ultrapassou todas as barreiras da história, passando por cima de regras anticorrupção, sendo amigo de ditadores, e que tem a faca e o queijo na mão para amordaçar o Brasil", discursou Dallagnol ao defender seu posicionamento contra o PL das Fake News.
Integrante da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o ex-procurador da Lava Jato estava entre os dez deputados que votaram contra a PEC da Anistia, que perdoa multas e crimes eleitorais cometidos pelos partidos nas últimas eleições. Como mostrou o Estadão, a mesma PEC, agora, é vista por defensores de Dallagnol como um texto que pode ser ajustado para incluir um dispositivo capaz também de anistiá-lo.
A Câmara dos Deputados foi notificada da decisão do TSE na noite de quarta-feira, 17. No dia seguinte, um emissário da Corregedoria da Câmara esteve no gabinete de Deltan, mas ele não estava presente. A partir do momento em que receba pessoalmente a notificação, ele terá cinco dias para apresentar sua defesa. Após a elaboração do relatório pelo corregedor, deputado Domingos Neto (PSD-CE), o processo é remetido à Mesa Diretora, que precisa dar seguimento (ou não) à perda de mandato. Ou seja, na prática, a decisão do TSE ainda não foi aplicada.
Enquanto isso, a mobilização em torno do ex-procurador para tentar salvar o mandato, aumenta. Na tarde deste domingo, 21, está prevista uma manifestação em favor do deputado cassado na frente do Ministério Público Federal (MPF), em Curitiba, onde ele atuou contra Lula na força-tarefa da Lava Jato.
Veja as iniciativas de Dallagnol na Câmara:
Projetos de lei
Individual
Castigo físico: o projeto prevê a obrigação de serviços públicos ou privados de saúde de comunicar a conselhos tutelares ou à polícia indícios de castigo físico, tratamento cruel ou degradante e maus-tratos contra criança e adolescente
Espectro autista: a proposta estabelece prazo indeterminado para laudo médico que ateste transtorno do espectro autista. Apresentado em fevereiro, o PL 590/23 acabou apensado (incluído para tramitação conjunta) em outro texto, o PL 507/2023, e aprovado em plenário da Câmara no dia 10. A proposta seguiu para análise no Senado.
Auxílio a mulheres: a iniciativa prevê que bares, restaurantes e casas noturnas adotem obrigatoriamente medidas de auxílio a mulheres que se sintam em situação de risco
Coautoria
Plataformas: em parceria com apoiadores de Bolsonaro, elaborou proposta que prevê como crime de responsabilidade, passível de impeachment, os crimes de abuso de autoridade e de censura em caso de confisco e censura de uma plataforma digital
Calote: a outra iniciativa proíbe o financiamento de países inadimplentes com o Brasil
Gastos e presença
Gabinete: durante o período como deputado, Deltan gastou R$ 320.764,63 para pagar os salários de 13 assessores por quatro meses e recebeu R$ 23 mil de auxílio-moradia. De salário, foram cerca de R$ 40 mil por mês
Cota parlamentar: o ex-procurador gastou R$ 82.910,61 da cota parlamentar. Do montante, mais de R$ 5 mil foram com corridas por transporte por aplicativo. Gastava ainda R$ 9,3 mil para manter o aluguel de estruturas de apoio parlamentar no Paraná
Assiduidade: o sistema de presença da Câmara registra que Dallagnol foi assíduo durante as sessões em plenário. Sua presença foi marcada 40 vezes e só houve uma ocasião de falta não justificada
Essas foram as declarações, em 28 de fevereiro, na primeira vez em que usou o microfone do plenário. O então recém-empossado deputado reclamou do afastamento de Marcelo Bretas da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio. Ele era o responsável pelos processos derivados da extinta Operação Lava Jato em andamento na cidade.
Em março, Dallagnol voltou à tribuna. Dessa vez para se queixar da intenção do presidente Lula de indicar seu advogado Cristiano Zanin para uma vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF). O deputado citou Zanin ao defender que não fosse aprovado o projeto que dá ao réu a vitória sempre que um julgamento terminar empatado.
Diante do projeto deste governo de vingadores, eu gostaria de dizer ao povo brasileiro que eu jamais vou desistir do Brasil, que eu vou seguir lutando contra a corrupção, contra a incompetência e contra esse governo da vingança
Em defesa de Sérgio Moro (União Brasil-PR)
Essas foram as palavras de Dallagnol no último discurso em plenário, no dia 10 de maio. Ele ainda saiu em defesa do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato, em três discursos. Em duas ocasiões, tratou de quando o ex-magistrado foi alvo de ameaças de morte. Na tribuna, ele criticou Lula pelo menos três vezes e manifestou posicionamento contrário ao PL das Fake News.
Requerimentos de informação
Dallagnol é autor ou coautor de 21 requerimentos de informação apresentados na Câmara para cobrar dados e respostas do governo Lula sobre sigilos, gastos públicos e medidas adotadas por ministros:
Custos de viagens
Em 12 de abril, Dallagnol e outros dez deputados do Novo, PL, União Brasil, PP, Podemos e Patriotas pediram posicionamento do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, sobre a negativa de acesso a dados de custos das viagens nacionais e internacionais de Lula. O requerimento tem como base reportagem do Estadão que revelou que o governo federal negou essas informações no âmbito da Lei de Acesso à Informação (LAI) sob a justificativa de que os dados podem colocar em risco a segurança do presidente e do vice-presidente, Geraldo Alckmin, bem como de seus cônjuges e filhos
Navios do Irã
Antes, em março, Dallagnol e outros quatro deputados da oposição procuraram entender o que motivou o governo brasileiro a autorizar que navios de guerra do Irã atracassem no Rio. Os parlamentares questionaram, por exemplo, se o Itamaraty considerou a possibilidade de que a concessão produziria consequências negativas na relação diplomática do País com os Estados Unidos
Relatórios da Secom
O ex-procurador também solicitou informações sobre a negativa de acesso a relatórios de monitoramento de redes sociais produzidos pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), a compra de móveis sem licitação pela Presidência da República e as medidas adotadas pela gestão petista contra invasões de terra pelo Movimento dos Sem Terra (MST)
TCU e corrupção
Doze dias antes de ser cassado, Dallagnol apresentou requerimento de informações na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara para cobrar explicações do Tribunal de Contas da União (TCU). Queria que a Corte informasse quantos processos instaurou, quantas multas cobrou e o que fez para dar desdobramento às investigações contra corrupção deflagradas nos últimos dez anos. O foco principal das perguntas foi a Lava Jato. Dallagnol não teve tempo de aguardar pela resposta. O pedido, embora já aprovado pela comissão, ainda tramita na Câmara