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Concluí a leitura da monumental trilogia biográfica de Getúlio Vargas de autoria do jornalista/escritor Lira Neto.

Sobre o assunto, escrevi dois artigos: “Uma biografia de respeito” e “As duas paixões de Getúlio” que me custou um esforço enorme de concisão. Afinal, os três volumes totalizam 1374 páginas.

Outra dificuldade, quase insuperável, é definir o personagem. No entanto, o autor propõe um critério de avaliação: “Por certo o melhor caminho para compreendê-lo, em perspectiva histórica, não é o da devoção sincera ou da negação irrestrita”. 

Entre adoração e repúdio, é possível perceber o homem, o mito e tentar decifrar o que é real e o que é imaginário. Convenhamos que, ainda assim, é uma tarefa praticamente inglória, principalmente, se considerarmos que a teoria política identifica no mito um tipo de “conhecimento” extra-racional em que, “O mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa no poema “Ulisses”).

Com efeito, a cultura política brasileira é um campo fértil para criar e idolatrar seres demiúrgicos.

A leitura do terceiro volume dá o retoque final (1945-1954) ao retrato da política brasileira: instituições frágeis, radicalismo exacerbado, vícios históricos e sociológicos em nada republicanos e, ao mesmo tempo, sofrendo as dores do parto da modernização econômica do pós-guerra.

Neste quadro, o ditador deposto, recluso na modesta fazenda de Santos Reis, ressurge na aurora democrática da eleição presidencial de 1945, administrando o silêncio, guiado pela astúcia e, como a legislação da época permitia, foi eleito senador por três estados (São Paulo, Minas e Distrito Federal), deputado federal por seis estados e, de quebra, teve influência decisiva ao apoiar Dutra, seu algoz, que derrotou o favorito Eduardo Gomes. Bastou um manifesto alguns dias antes da eleição, pleito em que Vargas teve 1,1 milhão de votos.

Este foi o ponto de partida para o retorno ao Catete. Caminho pontilhado de lances e manobras com tintas de realismo fantástico que culminou com a chancela de 3,8 milhões de votos dos filhos do “pai dos pobres” e dos trabalhadores alforriados pela CLT, a lei trabalhista, inspirada da legislação do fascismo italiano.

A engenharia política que resultou na candidatura de Getúlio ratifica a associação entre estratégia e destino. Dado como morto; objeto de uma oposição implacável, capitaneada pela UDN; alvo de uma retórica virulenta de Lacerda e da então “banda de música” dos jovens udenistas, Getúlio protegeu-se dos holofotes, falou o necessário, licenciou-se do Senado e costurou alianças impensáveis a exemplo da união com Ademar de Barros, um precursor dos aloprados e do roubo em larga escala, escancaradamente, definido por slogan cínico que divertia o, então governador de São Paulo: “rouba, mas faz”.

Em favor de Getúlio, contava o desgoverno de Dutra, a personificação da mediocridade, temperada pelo desequilíbrio das contas públicas, inflação alta e economia estagnada.

Para abreviar a longa narrativa: a consagração eleitoral encontrou Getúlio com evidentes traços de decadência física. E mal sabia ele que a nascente do “mar de lama” brotou no círculo íntimo e infectou os ventos da esperança.

No fatídico agosto, quando o filho caçula Maneco confessou que vendeu uma fazenda ao chefe da guarda, Gregório Fortunato, por 1,3 milhões em moeda atual, um Getúlio, profundamente abalado disse a Oswaldo Aranha: “Oswaldo está configurado. Debaixo do Catete há um mar de lama”.

O atentado da Toneleros, tramado por Gregório, vitimou o Major Vaz e atingiu Getúlio. A latente ameaça militar reacendeu as inclinações golpistas. Getúlio não vacilou: “Do Catete, somente saio morto”.

A CPI sobre a Última Hora de Wainer ferveu no Congresso. A conjuntura tornou-se insuportável. A reunião ministerial da madrugada de 24 de Agosto foi uma cena típica de tragédia grega. Tancredo Neves, conciliador por vocação, propôs a resistência; a filha querida e conselheira de todas as horas, Alzira, foi ouvida em silêncio constrangedor pelos ministros, espantados com a conclamação à resistência. Feriu brios. Era a filha. A fera. Ferida.

A solução da licença, aparentemente, aceita por Getúlio, durou o tempo em que chegou o ultimato dos quartéis: deposição. Getúlio cumpriu sua última promessa e saiu da vida para entrar na história.

Esculpir o mito em carne e osso significa reconhecer em Getúlio: o déspota (esclarecido?), doutrinariamente positivista e autoritário com profundo desprezo pela democracia representativa; o outro lado da moeda está na modernização conservadora do país que empreendeu (Petrobras, Bndes, BNB, CSN, Eletrobras, CLT).

Entre o homem e o mito, prossegue o julgamento do tribunal da história.

Milhares de pessoas foram ao Palácio do Campo das Princesas para se despedir do ex-governador Eduardo Campos. Em cada rosto era possível ver expressões abatidas, consternação, incredulidade e lágrimas. A relação de Eduardo Campos com o povo pernambucano fez da tragédia em Santos um luto coletivo. Arrisco-me a dizer que este luto ultrapassou os limites de Pernambuco e se fez no Brasil inteiro.

Eduardo Campos não foi um simples político. Ele tinha sensibilidade e entendia as necessidades do povo. Em seus governos, Campos apoiou a educação, o esporte, a cultura. Talvez seja difícil para quem não é pernambucano entender o significado de Campos para o nosso Estado.

Alvirrubro e amante do futebol como boa parte dos brasileiros, Eduardo apoiou o Sport na conquista da Copa do Brasil e o recebeu o Santa Cruz, campeão pernambucano. Foi dele a criação do programa Bolsa-Atleta – que incentiva atletas olímpicos – e a retomada do programa Todos com a Nota. Dele também as articulações e a candidatura de Pernambuco na Copa do Mundo e na Copa das Confederações.

Pequenas cidades do interior também receberam a atenção de Eduardo - receberam investimentos em escolas, hospitais e quadras esportivas. Vale lembrar que seu avó, Miguel Arraes, ainda hoje é ovacionado pelos sertanejos por suas atenção durante sua trajetória política - o programa Chapéu de palha, que empregava canavieiros, no período de entressafra, na construção de pequenas obras públicas, até hoje continua em execução.

Desde sua participação como secretário de governo no mandato de seu avô ou como deputado federal, quando criou e assumiu a presidência da Frente Parlamentar de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural Brasileiro, Eduardo sempre incentivou a cultura. Como governador de Pernambuco, ele consolidou o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), que beneficiou a produção cinematográfica pernambucana. Eduardo compreendia a importância da cultura pernambucana, inclusive nomeando o mestre Ariano Suassuna para a pasta durante seu governo.

Como político, Eduardo Campos era conhecido pela sua competência gerencial e pelo uso do diálogo como uma ferramenta dentro das suas relações político-partidárias. Com Campos, Pernambuco teve avanços significativos nas áreas de segurança, educação, saúde e na geração de empregos. Eduardo era um político diferente, com chances reais de ser presidente da república, se não nesta eleição, na de 2018.

A última entrevista concedida por Campos foi ao Jornal Nacional, da rede Globo. Na ocasião, a equipe do programa pesquisou sobre envolvimento dele em atos de corrupção e não encontrou nada. O seu carisma e sua forte presença política eram as qualidades que certamente levariam ao crescimento da candidatura. Eduardo Campos representava, para milhões de brasileiros, a esperança de um novo tempo na política brasileira.

Sua história enriqueceu a nossa vida política, pelo exemplo de honradez, dignidade e espírito público. E, em meio às homenagens do nosso povo a Eduardo, uma frase marcou o sentimento dos pernambucanos: “Eduardo Campos, o único presidente do Brasil que não foi eleito”.

Este assunto foi tratado com a perspicácia e a competência habituais de Fernando Antonio Gonçalves no artigo Mulheres do III Reich (20.06.14), inspirado na obra de Wendy Lower, Mulheres do Nazismo, consultora do Memorial do Holocausto. A estarrecedora narrativa consumiu 425 páginas, complementada por mais 170 que contém 399 fontes de pesquisa e 25 ilustrações. Certamente, não caberia voltar àmatéria. No entanto, o que ficou remoendo o meu juízo e me encorajou a tratar da matéria foi o próprio Fernando que conclui o artigo assim: As memórias jamais deverão ser resvaladas para o baúdo esquecimento. Pois, assim procedendo, proporcionam o surgimento de novas ideologias que menosprezam a dignidade dos seres humanos.

O final do artigo mexeu em sentimentos humanitários e, naturalmente, me fez sentir o calor do sangue da ascendência e da descendência judia.

De outra parte, a revelação dos algozes nazifascista recaiu sobre um personagem, a mulher, atéentão, praticamente ignorado pelos horrores da crueldade, do massacre e do autêntico genocídio praticado pelos nazistas. Intrigante! A mulher, mãe, a quem a perpetuação da espécie deve a vida dividida no paraíso uterino; a quem a sobrevivência do ser desprotegidoénutrida pelo leite e aconchego do seio materno, enfim, a mulher que, por força da dominação preconceituosa do homem, sempre desempenhou um papel secundário na vida social, assumiu a tarefa de cúmplice e perpetradoras da extinção dos inimigosdo Reich (500 mil envolvidas).

De fato, no primeiro momento, o texto intriga; em seguida, espanta; por fim, a leitura do livro faz compreender os acontecimentos: o veneno ideológico inoculado na formação da sociedade alemã, tendo como pilares a superioridade da raça ariana (definindo os inimigos a serem eliminados) e na doutrina do espaço vital(o lebensraum, a base do expansionismo imperialista e totalitário), geraram monstros que, na corajosa e insuperável visão de Hannah Arendt, agiam sob a serena banalidade do mal, amparada pela lei de Ninguémque se tornou responsabilidade de ninguémno tribunal pós-guerra.

Em relação às mulheres, três crenças foram inoculadas em doses maciças: (a) aceitar irrestritamente a superioridade masculina; (b) emancipar a mulher da emancipação femininacontraditando a suposta igualdade de gênero pregada pelo bolchevismo inimigo figadal do movimento nazista; (c) procriar na maior escala possível a descendência alemã(mães com mais de quatro filhos eram agraciadas com a Cruz de Honra e, no gracejo sádico do Fuhrer, a mãe de seis filhos era mais importante do que um advogado).

Formada com esta carga doutrinária, a mulher nazista tinha o seu destino traçado: testemunha, cúmplice e assassina, sejam como parteiras, enfermeiras, burocratas, sejam como diligentes assessoras dos maridos. Ainda que com ânsia de vômitos, sinto-me no dever de registrar, pelo menos três personagens de episódios asquerosos: Liesel Wilhaus (Janoska, Polônia) praticava tiro ao alvo matando os judeus que passavam pelo seu quintal; Johanna Altvaver (Ucrânia) atraia crianças judias com doce e atirava na boca das vítimas com sua pistola de prata; Vera Wohlauf, grávida, acompanhou o marido num dos guetos poloneses para assistir ao massacre e se divertia chicoteando os judeus.

Infelizmente, os tribunais de desnazificação foram, no mínimo, benevolentes com as genocidas que, doutrinadas para matar seres inferiores, inimigos de uma causa nobre, obedeciam, como ocorre, atéhoje, a ordem interior de eliminar o outro, mandamento primeiro dos ódios inabaláveis. De fora para dentro, a consciência, jácontaminada, estava legitimada pelo poder político. Como de costume, alegavam que "não sabiam de nada" ou "cumpriam ordens".

No entanto, em meio àlouca disseminação do mal, luzem estrelas do bem e da compaixão, em gestos raros de bondade e em palavras proferidas de inconformismo, medo, desamparo, como atesta a carta de Annette Schucking (Novogorod-VolynskUcrânia, 5 de junho de 1941): Ah. mamãe, o mundo éum enorme matadouro.  

O Brasil está no pódio de mais um índice mundial. Entretanto, dessa vez não é um dado positivo. Nosso país passou a ter a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados do Centro Internacional de Estudos Prisionais - ICPS, de Londres. De acordo com o relatório, o número de presos do nosso sistema carcerário é de 715.655. O ranking é liderado pelos Estados Unidos, que têm 2.228.424 presos, e, na segunda posição, aparece a China, com 1.701.344 detentos. 

Não é novidade que a criminalidade brasileira é um problema sério e a discussão sobre o esse tema se mostra cada vez mais necessária. Infelizmente, hoje, o sistema carcerário brasileiro não reeduca ninguém e, por isso, os índices de reincidência ainda são altíssimos. Estima-se que as cadeias brasileiras tenham quase 200 mil detentos a mais que a sua capacidade e 44% dos detentos - 217 mil – ainda aguardam julgamento.

Se a eficiência da segurança pública nacional estivesse diretamente ligada ao número de pessoas presas, certamente o terceiro lugar entre os países que mais prendem seus cidadãos poderia ser motivo de orgulho. No entanto, a clara lentidão do sistema judiciário brasileiro, seja pelo excesso de processos ou por outro motivo, é um dos grandes problemas do nosso sistema prisional. A maioria desses 217 mil detentos pode esperar “meses ou até anos” para ser julgado e muito deles, durante esse período, nem sabem o status dos seus processos.

É necessário lembrar que não é possível comparar o Brasil com os outros dois “companheiros” de pódio. Apesar de estarem na primeira posição quando se fala em população carcerária, os Estados Unidos ocupam o 3º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, ou seja, são uma sociedade com alta qualidade de vida, altos índices de educação, possuem um sistema de saúde eficiente e uma economia forte, enquanto o Brasil, no mesmo ranking, ocupa apenas a 85ª posição. 

E qual seria a solução para diminuir esse número? Inicialmente, deve-se diminuir o índice de presos provisórios no país. Atualmente, esse número representa mais de 40% da população carcerária, segundo estatística do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, partindo da premissa de que o princípio da presunção de inocência está previsto na Constituição Federal, é imperativo reconhecer que parte desses prisioneiros não deveria estar atrás das grades. Há uma parcela da população prisional que poderia responder ao processo em liberdade.

Entretanto, de nada adiantará tomar medidas, como as já citadas, se não houver um trabalho junto à população com a diminuição  da desigualdade social através da educação, saúde, infraestrutura. Essas ações possibilitarão a diminuição da criminalidade e, consequentemente, da população carcerária.

Pela segunda vez a Malaysia Airlines esteve, negativamente, nas notícias mundiais. Depois do desaparecimento de uma de suas aeronaves, que até agora não foi oficialmente localizada, um Boeing 777 da empresa caiu com 298 pessoas na Ucrânia. No entanto, desta vez não houve tempestade, erro humano ou falha mecânica. O voo MH17 teria sido abatido pelas forças separatistas pró-Rússia.

A Malaysia Airlines informou que o último contato com o voo MH17, que partiu de Amsterdã em direção a Kuala Lampur, na Malásia, teria sido feito sobre o espaço aéreo ucraniano. E então, surgem as perguntas: Foi mesmo um míssil que derrubou o avião? Quem teria disparado e por que? Que tipo de míssil pode derrubar um avião que estava a mais de 10 mil metros de altitude?

Evidências levantadas pelos Estados Unidos apontam que sim, foi mesmo um míssil que derrubou o avião. As informações vieram com base nos sistemas de radar americanos, que afirmaram que um sistema de míssil do tipo terra-ar foi disparado contra a aeronave. Os EUA também explicaram que provavelmente foi utilizado um míssil com sistema Buk, fabricado pela russa Almaz-Antey e que possui capacidade de abater alvos entre 3 e 25 km de altitude. Ao menos 15 países usam o sistema, entre eles a Ucrânia e a Rússia.

A Rússia se defendeu das acusações afirmando que um avião de caça ucraniano estava a uma distância de 3 a 5 km do Boeing da Malaysia Airlines pouco antes da queda do avião. Ainda de acordo com as forças russas, o caça ucraniano era do modelo Su-25, que pode chegar a uma altitude de 10 mil metros e dispõe de mísseis terra-ar que podem disparar a até 12 km e garantir a destruição de um alvo a até 5 km.

Vale ressaltar que os veículos lançadores desses tipos de mísseis são muito caros e complexos. O Brasil e nenhum país na América Latina, por exemplo, possui tais equipamentos ou artilharia antiaérea com capacidade de abater, a partir do solo, alvos na altura em que estava o avião da Malaysia Airlines.

O que de fato aconteceu é que 298 pessoas inocentes, em sua maioria holandeses, e cientistas pesquisadores do vírus da AIDS,  foram assassinados. Além disso, a dimensão do desastre poderá resultar em uma decisiva pressão internacional para resolver a crise entre Rússia e Ucrânia, que já resultou em centenas de mortes desde que manifestantes derrubaram o presidente ucraniano apoiado por Moscou, em fevereiro.

A Holanda já abriu investigação relacionada ao voo MH-17 sobre suspeitas de crimes de guerra, assassinatos e abate intencional de um avião de passageiros. E não apenas a Holanda exige explicações, mas o mundo. E, caso isso não aconteça, é provável que ambos os países acabem sofrendo sanções políticas e econômicas.

Sentei-me àmesa para tomar o caféda manhã. Dividi o olhar entre o pão nosso de cada dia e a edição JC do dia 29 de julho do corrente ano, caderno Cidades. Manchete: Crianças comem alimento do lixão e duas morrem. O pão que mata a fome e, pelo caminho da fé, conforta almas em conflitos, não desceu goela abaixo e fez baixar a xícara de caféao pires, não permitindo que o primeiro gole se transformasse na brasileiríssima boa média.

Garganta travada, olhos incrédulos e um corpo paralisado, banhado de vergonha e de tristeza. Vergonha de mim mesmo, assustado pelos trovões da consciência: Cara que parte cabe a vocênesta tragédia?.

E na medida em que lia a matéria, o travo inicial dava um nóna garganta: CATENDE Na tarde do último sábado, ao sair do lixão de Catende de onde tira o seu sustento, o catador de lixo Joseildo Santana, 22 anos, separou o que podia ser consumido e guardou. A parte do alimento impróprio para consumo (leite e macarrão instantâneo) seria jogada para as galinhas no quintal do agricultor Luiz Amaro da Silva, 44, morador do Engenho Limão, área rural do município. Deixada em cima do fogão, a comida foi alcançada por Letícia Maria da Silva, 7, que levou o macarrão diretamente ao fogo. Dividiu com a sobrinha Rayane Maria da Silva, de um ano e seis meses. Bastaram poucos minutos. As duas, que antes brincavam no quintal com as outras crianças da casa correram pedindo socorro aos pais. Reclamavam de dores na barriga e vomitavam. A família correu para o hospital. Letícia morreu a caminho. Rayane chegou a ser atendida na Unidade Mista de Catende.

Para completar o drama, vem o comentário desolado de Rosângela, esposa de Luiz Amaro: Logo naquele dia, que eu tinha conseguido um dinheiro e cuscuz. Ela tinha almoçado cuscuz.

Não tenho tendências à autoflagelação. Não me considero mais ou menos sensível do que ninguém, mas compartilho do sentimento de que, no conjunto, a sociedade brasileira exerce a responsabilidade social aquém de suas possibilidades. Vou mais adiante: o sofrimento, a humilhação, as violências, os maus tratos, a ausência de compaixão, um noticiário repleto de horrores em que os mais pobres, os mais fracos, os deserdados, sobretudo as crianças, escudos e alvos da miséria humana, tudo concorre para uma banalização do mal de tal sorte que dela nasce uma indesejada indiferença. Nasce e quem quiser que busque explicação. Mas nada justifica. E a razão ésimples: a indiferença mata sentimentos e gente.    

De outra parte, a dimensão da tristeza não me permite, nem me permitiu identificar, como pretensioso magistrado imune aos pecados sociais, um bode expiatório e submetê-lo a um furioso libelo acusatório.

No entanto, convém registrar que as crianças foram vítimas da negligência de uma política pública: A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei 12.305 de 02 de agosto de 2010, objeto de duas décadas de discussão no Congresso Nacional, dispõe no artigo 54: A disposição final ambientalmente adequada aos rejeitos, observado o disposto no parágrafo primeiro do artigo 9º, deveráser implantada em até4 anos após a data de publicação desta lei. Ou seja, a lei não pegoue, uma semana antes do dia fixado, o lixão de Catende matou duas crianças.

Por sua vez, pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios revela dados frustrantes. Dos 2332 municípios com até300 mil habitantes, mais de 45% sequer possui o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (prazo para formulação encerrou em 2012); mais de 800 municípios destinam os resíduos para lixões; das 577 propostas recebidas pelo Ministério do Meio Ambiente, entre 2011 e 2013, apenas 96 foram contratadas, 8 estão em execução no valor irrisório de R$ 6,1 milhões; das 26 capitais e o Distrito Federal, 16 não têm aterros sanitários e operam em lixões.

Pelo andar da carruagem, os prazos serão dilatados (a pedida équatro anos), o jeitinho vai continuar fazendo vítimas e muito, mas muito lixo vai sujando vidas em quantidade tal que não dápra botar debaixo do tapete.

 

“Não troco o meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém!”

Era assim que Ariano Suassuna, o velho contador de histórias do sertão e ideólogo cultural brasileiro, manifestava sua defesa pela cultura do Nordeste. Contra a invasão da indústria cultural norte-americana, criticou Madonna, Michael Jackson, bem como o movimento tropicalista. No governo Miguel Arraes, quando secretário de Cultura, foi um ferrenho opositor do maracatu eletrônico e do movimento manguebeat.

Ariano via a guitarra como um instrumento da cultura americana. Sua defesa da cultura nacional, algumas vezes lhe rendeu o rótulo de xenófobo. Como idealista, sabia que era preciso radicalizar. Não aceitava a influência de outras culturas. Mas, acima de tudo, era um artista sensível e sabia apreciar todas as formas de expressão das artes. Prova disso foi sua presença no velório de Chico Science, a quem se referia jocosamente como “Chico Ciência”, e suas lágrimas na beira do caixão. Um homem sem rancores. O que lhe movia era o ideal, a paixão visceral pelo povo e pela cultura brasileira.

Como dramaturgo, poeta, escritor e artista plástico nunca traiu a cultura popular. Nem a língua portuguesa. Aproximou o erudito do popular ao criar o Movimento Armorial. No cordel, em xilogravuras, em poemas, em suas “aulas-espetáculos” - misto de palestra, concerto e balé - uniu o erudito a graça picaresca do popular. Lembro-me do Quinteto Armorial, um grupo musical idealizado por ele, cujas composições eram criadas a partir do ritmo, da melodia e do fraseado popular com acabamento e refinamento erudito. Uma pena que acabou!

A danada da onça Caetana, presente em sua obra representando a morte, na mitologia do Sertão, deve ter tomado uma bronca homérica de Ariano. Poderia ter lhe dado mais tempo para terminar sua obra. Ele não gostava dela. Em sua mais conhecida obra, O Auto da Compadecida, Ariano escreveu: “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre”.

Se pudéssemos dar voz a seus personagens, em especial a João Grilo e Chicó, com certeza diriam que Ariano criou o conceito do orgulho de ser nordestino. E, se lhes perguntássemos o porquê, talvez repetissem uma das famosas frases de Ariano: “Não sei, só sei que foi assim”. 

Caetana levou Ariano Vilar Suassuna. Cabra valente, poeta entendedor do Brasil e profundo defensor de nossa riqueza cultural. Mesmo sabendo que a morte é o nosso único destino, é difícil aceitar que não teremos mais novas obras do Mestre Ariano para apreciar. Resta-nos fazer com que os nossos filhos e netos conheçam, através do teatro, dos livros e dos vídeos, a vasta obra e o trabalho de Ariano Suassuna. O Brasil ficou mais pobre e mais triste.

Por todo o mundo, o futebol, sem dúvidas, encanta e fascina milhares pessoas. Claro que cada povo é apreciador de um determinado esporte. No entanto, nenhum dos esportes praticados no mundo - seja o beisebol dos Estados Unidos ou as lutas vindas do Japão - conseguiu, até hoje, alcançar a popularidade do futebol, sendo ele o mais praticado.

Apesar da intensa internacionalização que o mundo globalizado propõe, em época de campeonato mundial de futebol, as pessoas encarnam um sentimento ufanista e vestem as camisas de suas seleções com toda satisfação. E no Brasil não seria diferente. O senso comum diz que o futebol é o ópio do povo brasileiro.

Conhecido como o país do futebol, em ano de Copa do Mundo, o Brasil se pinta com as cores nacionais - verde e amarelo – e durante um mês, o país para suas atividades para torcer e exaltar o orgulho nacional. Enquanto isso, todos os outros assuntos, de saúde a política, perdem a importância diante das emoções que o futebol é capaz de transmitir.

O grande problema é que esse patriotismo temporário gera inúmeros comentários e, por vezes, muitas polêmicas. Talvez seja este um momento de fortalecimento da identidade do povo, entretanto, é exatamente neste momento que o brasileiro deixa de acompanhar os fatos relevantes para a nação. Ambas as questões não deixam de ser uma verdade.

Nos canais de televisão aberta, é raro se ver outra notícia ou debate que não seja relacionada à Copa do Mundo. Os brasileiros param para assistir aos jogos, mas, no dia a dia, as disputas se multiplicam na saúde, nas questões sociais e na educação. Infelizmente, durante um mês, o provável é que ninguém se importe com isso.

Mas afinal, o que significa ser patriota? Ser patriota é vestir verde e amarelo e aprender a cantar o Hino Nacional? Ou seria se emocionar com 60 mil pessoas ecoando as rimas em estádios lotados? Ser patriota é muito mais que isso. Patriota é todo aquele que ama sua pátria e procura servi-la.

Desculpem-me os fanáticos por futebol, mas não podemos vestir verde e amarelo apenas na Copa do Mundo.  O patriotismo deve ser um sentimento diário de todo cidadão. A população deve acreditar nessa união e dirigi-la para buscar melhores condições de saúde, alimentação, ensino e moradia. Mas, muito mais que isso, a população precisa acreditar nesse sentimento porque apenas assim podemos construir realmente a “pátria amada, Brasil”, aquela cantada no hino nacional e exaltada nos estádios de futebol em dias de Copa. 

O desuso do "Manifesto das sete artes", publicado em 1923, que reconheceu o cinema como a sétima arte (hoje, são identificadas 11), deixa-me àvontade para incluir mais uma, a arte de governar.

Muita gente vai torcer o nariz diante de tamanha ousadia. As pessoas, em geral, estão ressabiadas com o governo, qualquer governo, em especial o nosso, perito  em malasartes e aívem um cara escrever sobre a arte de governar.

Justifico. A expressão "arte" admite uma licença na linguagem coloquial que amplia seu sentido original e permite o uso para traduzir a combinação de elementos concretos e abstratos capazes de qualificar o fazer humano (cultura). De outra parte, governar éuma ação intensa, transformadora e de tal complexidade cuja força pode produzir o belo e o trágico. Nela estão contidos o exercício do poder, o jogo da política e a  misteriosa essência do ser humano em toda sua grandeza e miséria.

De outra parte, nunca édemais lembrar que a inseparável relação entre governo e política avaliza conceitos clássicos que mencionam "ciência da governação dos   Estados"; "Arte e prática da governação das sociedades humanas"; e definições que  acrescentam àarte e àciência "a ética do bem comum".

Com efeito, o tempo das disputas eleitorais anima a reflexão sobre a arte de governar, reflexões, aliás, antigas, profundas e suficientes para abarrotar muitas bibliotecas.

O apelo àconcisão impõe o risco de me limitar a duas luminosas lições.

A primeira vem da civilização grega, particularmente do pensamento aristotélico, que exaltava a moderação como a virtude excelsa do homem porque, distante dos extremos, encontra o justo no caminho do meio. Éo contraponto dos excessos. Como toda virtude, ésilenciosa e passível de ser adquirida. Virtude laica e religiosa que ensina ser moderado em tudo, sobretudo, na arte de governar, no perigoso manejo do poder, este fenômeno social que se resume no domínio de homens sobre homens.

A outra lição vem do mais admirado e injuriado pensador, o florentino Nicolau Maquiavel. Maquiavel não era maquiavélico. Maquiavel foi um realista pessimista. Recomendava prudência e rejeição àingenuidade, ou seja, recomendava o pessimismo preventivo que se traduz na seguinte linha de conduta: admitir o mal não significa desejá-lo, mas reconhecer que ele étão provável quanto o bem desejado. Mirou no Príncipe, mas abriu os olhos do povo para o que é, para a natureza e o exercício do poder, abstraídas as prescrições do dever ser.

Em resumo: a virtude da moderação e o pessimismo preventivo devem ser companhias permanentes de quem governa. Uma revela o grande desafio do ser; o outro ajuda a superar o desafio do fazer.

Nas democracias, os governantes são eleitos na esperança de que cumpram os desígnios dos cidadãos. Não édifícil identificar carências e demandas sociais; não édifícil prometer políticas públicas e programas de governo devidamente embalados pelos modernos recursos do marketing político e do espetáculo midiático. A dificuldade fundamental do governante reside no pretenso dilema: atender o imediatismo das necessidades ou governar para as futuras gerações?

A meu ver, o dilema éfalso. Nem o populismo imediatista, nem o idealismo atemporal, isoladamente, dão sustentação ao bom governo.

A propósito, governar não esgota o seu significado em gerir, administrar organizações, entre elas, o Estado; governar édar rumos, dirigir, pilotar uma embarcação com o leme da clarividência de modo a abrir caminhos em direção a um porto seguro.

Desta forma, a arte de governar exige a virtude da moderação no uso do poder, a visão equilibrada entre o agora e o depois, a resiliência diante de turbulências e tempestades.

Com as eleições na porta e superada a fase das estranhas alianças (tratadas, aliás, com palavras que ferem ouvidos pudicos), estána hora de os candidatos demonstrarem que épossível, com uma visão de mundo, ideias e propostas viáveis governar com engenho e arte.

No meu caso, ficaria satisfeito com uma agenda básica: (1) o trinômio, educação/conhecimento/inovação; (2) instituições democráticas/inclusão; (3) governo que funcione. E antes que esqueça: adicionar ao PIB, indicador de quantidade, o felicitômetro, indicador de qualidade.

Para quem não leu o primeiro artigo, o fio da meada é a relação entre futebol, política e, particularmente, as eleições presidenciais que, desde 1994, coincidem com a realização das copas. Vamos a elas.

A Copa de 1994. Foram 24 anos de amargo jejum, agravado pelo travo da segunda maior decepção do torcedor brasileiro: a tragédia do Sarriá, quando o carrasco italiano Paolo Rossi decapitou uma das mais brilhantes seleções do mundo, a de 1982. Em 94, o Brasil vivia sob inflação nas alturas e instabilidade política que assustava a democracia nascente. No futebol, nada excepcional, à exceção de Romário. O fleumático Parreira e o experiente Zagalo apostaram no ramerrame eficiente do futebol burocrático. De repente, uma sigla engenhosa, a URV, se transformou numa moeda sólida, o Real; de repente, na decisão dos chutes da marca penal, nossos atletas acertaram o pé, a mão salvadora de Taffarel e o chute torto de Baggio ajustaram as contas de 1982. É tetra! A pergunta é: qual a influência da vitória do futebol na eleição de Fernando Henrique? Nenhuma. A eliminação dos efeitos perversos da inflação crônica, associada à estatura moral e intelectual do candidato FHC, estes sim, foram fatores determinantes do julgamento popular.

Com efeito, o eleitor distingue os momentos – o esportivo e o eleitoral – e não os confunde. Tanto é verdade que na Copa de 1998, a humilhante goleada da França não evitou a reeleição de FHC.

A Copa de 2002. Mais uma vez, Copa e eleição presidencial de mãos dadas. Realizada em dois países asiáticos, depois de hospedada pelo perna de pau Tio Sam, o esporte eurocêntrico, globalizou-se, definitivamente, em 2010, ao chegar à pátria de Mandela. A boa seleção brasileira teceu os laços solidários da “família Scollari”; fez o “Fenômeno” renascer das cinzas; mostrou ao mundo o implacável pé esquerdo do humilde cracaço pernambucano Rivaldo. Resultado: o Brasil é penta. E a eleição? A oposição (Lula) venceu a situação (Serra). O suposto favorecimento da situação com a vitória na Copa, mais uma vez, não bateu com o ânimo do torcedor.

As Copas de 2006 e 2010. Duas derrotas no futebol e duas vitórias eleitorais: reeleição de Lula e eleição de Dilma. Derrotas vergonhosas: a de 2006, apelidei  a competição de “Copagode de celebridades” e, na de 2010, os jogadores (de joelhos) trocaram a letra do hino nacional pelos versos da marselhesa.

A Copa de 2014. Até agora olhamos os fatos pelo retrovisor. Fácil. Afinal, contra fatos não há argumentos. Porém, os fatos mudaram e as percepções também. A vertigem das mudanças ocorridas no mundo inteiro merece, no mínimo, uma apurada reflexão. E esta reflexão resulta do fenômeno universal que são as manifestações de rua. Distintas no tempo e situadas nos mais diversos contextos políticos e histórico-culturais, as manifestações de rua têm vários pontos em comum: interpretam uma emoção coletiva de indignação; refletem profunda descrença nas instituições da democracia participativa; eclodem a partir de uma centelha; movem-se do espaço cibernético para o espaço público.

Nos movimentos brasileiro de junho, a fagulha foi o aumento da tarifa de transporte público. Veio à tona uma torrente de insatisfação que se resume no seguinte: nós não estamos satisfeitos com o Brasil. É aí que entra a percepção de dois brasis: um que não funciona; outro, o Brasil da Copa, que superfatura obras, que promete um legado onacabado, enfim, um país que subverteu prioridades e que tem dinheiro para financiar as prioridades invertidas.

O que está em jogo não é o resultado do jogo: é o contraste entre o Brasil real e o Brasil/FIFA. O clima é desfavorável a quem governa. Parcela considerável dos torcedores descolou da seleção. A Pátria descalçou as chuteiras. Ser campeão é um anestésico passageiro. Remanesce o Brasil real, empacado, mal-humorado, com explosões de violência e rancor social.

Mais que emblema, a Copa tornou-se um problema para o governo. Não ser campeão é uma dor passageira. Não quero viver esta dor. A mim, não importa se tem ou não influência eleitoral. Sou torcedor. A bola rolou, passo a pensar com o coração. Hexa e luxo!

Nas Copas do Mundo, futebol e política andam juntos. O que difere é a finalidade e a intensidade com que são usados. No Brasil, análises e opiniões se dividem sobre a influência dos resultados nos campos sobre a decisão do eleitor nas urnas. O debate esquentou por aqui. O tema será tratado em dois artigos.

Além das funções organizadora e reguladora, a FIFA exerce um papel eminentemente político (209 filiados, 16 a mais do que a ONU). É detentora do poder máximo sobre as competições de futebol. Onde há poder, há política para o bem ou para o mal.

Escolher a sede da Copa é uma decisão política, ainda que apoiada em critérios objetivos e compromissos explícitos. A primeira Copa, realizada em 1930, por exemplo, contemplou o mérito do pequenino Uruguai, bicampeão olímpico (1924 e 1928).

Se, de um lado, a escolha da sede é política, de outra parte, os países escolhidos fazem uso político das copas de acordo com os interesses que permeiam a conjuntura histórica das nações. Neste sentido, vai da apropriação econômica do evento às possibilidades de legitimação do sistema de poder.

As Copas de 1934/38. Foram usadas como instrumento de  propaganda fascista. A ordem de Mussolini era “Vencer ou Morrer”. Os jogadores adiaram a morte. Em 38, o talentoso atacante, Meazza, ao receber a taça Jules Rimet, saudou o Presidente da França com o gesto fascista e passou para história como o único capitão de equipe campeã a ser estrepitosamente vaiado.

A Copa de 1950. A primeira depois da Segunda Guerra Mundial contemplou o Brasil, um aliado (apesar das hesitações getulianas) das forças que venceram os algozes da democracia liberal. Vargas sucedeu Dutra. Pelo voto. A profunda decepção com a Copa não mexeu com a fidelidade governista das urnas. Preterida a Argentina,  o Brasil mobilizou-se para mostrar ao mundo que era uma nação capaz realizar a copa, de construir o maior estádio do mundo e encantar o planeta com um futebol brilhante. O final infeliz a gente sabe: o “maracanazo”, a mais inesperada das derrotas; a mais desavergonhada politicagem em proveito da provável vitória; a alma brasileira ferrada pela novidade psicanalítica, o complexo de vira-latas.

A Copa de 1958. Um negro genial, adolescente, e um cafuzo de pernas tortas lideraram “o vareio de bola" que endoidou o sputinik, obrigou o Rei da Suécia a reverenciar o gesto imortalizado por Bellini e detonou o complexo. Ninguém, à exceção de Nelson Rodrigues, acreditava na seleção. A preparação adotou métodos modernos. O psicotécnico ferrou Garrincha. Os boleiros ferraram o psicotécnico e escalaram Mané. Naquela época, o Brasil vivia um momento mágico: Juscelino,  bossa-nova, democracia e progresso. O Brasil ganhou a Copa, marcou gols de bela feitura e as urnas funcionavam.

A Copa de 1970. Nesta época, não tínhamos copa, não tínhamos urnas e carecíamos de gol. A vitória opaca de 1962 fora soterrada pelo abalo sísmico do futebol-força de 1966. Tempos difíceis. O auge do ciclo militar: uma economia atlética e liberdades caquéticas. No futebol, descrédito. Aí a contradição inacreditável: um comunista de carteirinha, inteligência privilegiada e tamanha coragem que nele caberia o titulo de sua “Insolência João Primeiro e Único”, muda tudo. Saldanha abriu a jaula e colocou em campo 22 “feras”. O João Sem Medo arretou-se com interferências indevidas e jogou a toalha.  Antes, pavimentou o caminho para o disciplinado Zagalo e uma comissão técnica engalanada. Tiveram o bom senso de não misturar hierarquia, disciplina e a alegria libertária de jogar futebol. Juntaram grandes craques. Sem posições definidas e uma tarefa sagrada: tratar com carinho e intimidade sua majestade, a bola. Não deu outra: a taça Jules Rimet é nossa...para sempre.

A Copa de 1978. O refinado futebol argentino jamais precisou de governos civis ou militares para conquistar troféus. Porém, o ditador Jorge Videla precisava desesperadamente do título mundial. Para os donos do poder absoluto, não era suficiente a boa qualidade do time argentino. Armaram. A goleada dos argentinos na seleção peruana tirou o Brasil da final. Coutinho desabafou: “o Brasil é o campeão moral”. Este título não se contabiliza, mas um indigno conluio maculou a ética esportiva. (Continua amanhã(20), na próxima coluna)

Para evitar confusão semântica: coitado não deriva de coito que vem do saudoso latim, verbo coire (ir com, fazer com); também não tem nada a ver com o particípio passado do ver cozer (biscoito, cozido duas vezes); coitado é sinônimo infeliz, desgraçado, miserável, enfim uma pessoa digna do dó. Depois da leitura do artigo, a associação de ideias é livre.

 

Na minha opinião, o consumidor brasileiro é, no mínimo, digno de dó.

 

A propósito, o escocês Adam Smith, filósofo moral (Teoria dos sentimento morais) e pai da economia moderna (A riqueza das Nações, sua obra magna), tão genial quanto difamado, observou, analisou e formulou teorias (o auto-interesse) que, aparentemente contraditórias, encontram harmonia na providência benigna da mão invisível.

 

Pois bem, o sábio escocês antecipava, em arguta observação, a sina do consumidor: “As pessoas de um ramo do comércio raramente se encontram para se divertirem, mas a razão do encontro é conspirar contra o consumidor e, em algumas ocasiões, para aumentar preços”.

 

Em 1776, tratava o consumidor como elo do sistema econômico que consome para viver e não vive para consumir. E via no agente da produção, movido pelo auto-interesse, a capacidade de satisfazer necessidades, a troco do preço justo desde que a concorrência mantivesse o mercado em equilíbrio. Na prática, a fome voraz do consumismo e a sede incontida do lucro incendeiam a arena econômica que clama pela mão do mediador mais forte do que invisível.

 

Daí a necessidade de mecanismos de regulação e proteção jurídico-institucional para que o mercado não se torne uma arena povoada por canibais: monopolistas, oligopolistas e delinquentes de um lado e, de outro, o vício do consumo conspícuo.

 

Desta forma, nosso foco foge ao estrito campo da economia para penetrar na esfera da Política e do Direito. Política e Direito se fundem na proteção da cidadania no seu sentido amplo e, em particular, no caso do cidadão/consumidor. Apesar, dos inegáveis avanços legais, não é exagero afirmar que o consumidor brasileiro é digno de dó.

 

Não conheço uma só pessoa no meu círculo de amizades que não tenha sido vítima, como cidadão/consumidor, de desrespeito, descortesia, transgressão, embuste e prejuízos concretos.

 

Não vou computar o consumidor/vítima de concessionários ou permissionários de serviços públicos e daqueles providos diretamente pela maldita burocracia estatal.

 

No mais, todos têm história para contar sobre: planos de saúde, serviços de telefonia, internet e assemelhados, serviços bancários, compras de eletro-eletrônicos, produtos de cama, mesa e banho, o precinho das oficinas autorizadas de automóveis, hotelaria, hospitais, objetos de decoração de interiores, carpintaria, pintura etc...,etc....

 

Agora, o mais grave: a estarrecedora interdição de quase duas dezenas de supermercados em razão das irregularidades cometidas na área de alimentos. Estarrecedora, repito, porque desde os pequenos estabelecimentos às gigantescas redes multinacionais, cometem-se graves atentados à saúde pública.

 

Tudo bonitinho. Arrumadinho em obediência à “ciência do varejo”. Quem vê gôndola, não vê depósitos e áreas de armazenamento. Autênticas incubadoras de bactérias prontas para atacar o organismo humano (salmonelas), doenças latentes nos enlatados com datas vencidas (botulismo), enfermidades suficientes para ameaçar a vida das pessoas.

 

Ao lado das incubadoras de bactérias, desfilam baratas cascudas (vi retrato do inseto no saco de pão) e, no painel asqueroso da sujeira, gatos e ratos comemoram o armistício do covil de roedores do bolso e da boa-fé dos clientes.

 

Cabe atentar, ainda, para um mercado paralelo que vende produtos vencidos às mercearias da periferia do Recife.

 

Que recaia sobre os responsáveis a mão pesada das autoridades, do Procon-PE, da Vigilância Sanitária, da Delegacia do Consumidor e da Agência  de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro), órgãos que merecem o aplauso da sociedade pernambucana ao exercer eficientemente o papel de defensores do cidadão. Que a ação fiscalizadora se transforme numa saudável e necessária rotina.

 

Para completar o cerco aos infratores, bem que as redes sociais poderiam mobilizar os consumidores com o apelo #reajaconsumidor. 

“Eu sou o segundo poste”. Assim se definiu o prefeito paulista Fernando Hadadd em meio à euforia da comemoração da vitória no pleito de 2012. As referências implícitas eram facilmente decifráveis: o primeiro poste foi a presidente Dilma; o autor das proezas o grão-mestre da política brasileiro Lula da Silva que prepara o terceiro poste, se é que se sustenta em pé, o ex-ministro da saúde Alexandre Padilha.

Com efeito, o eleitor brasileiro já se viu diante de duas “teorias” eleitorais: a do poste e a do andor. Ambas têm um traço em comum: dependem para o êxito nas urnas da força política de um líder ou de um conjunto de forças que carregam, tanto num caso, como no outro um candidato “pesado” e sem luz própria. Pode dar certo ou não, mas, no caso de vitória explicação é simples: o candidato não ganhou, ganharam por ele e, a partir da posse, trate de iluminar seu próprio caminho.

Importante não esquecer que a “invenção do poste” tem origem numa das inúmeras tiradas mordazes de Delfim Netto que mandou bala em Fernando Henrique: “Se um poste disputar com Fernando Henrique tem grandes chances de ganhar. Mas se derem nome ao poste, FH se elege sem fazer força”. Deram nome ao poste, Lula, o neo-amigo de Delfim, que perdeu duas eleições para FHC.

Bom, mas isso é passado. O que interessa são os postes atuais, o maior deles que é a presidente Dilma.

O poste não acendeu. Sob uma conjuntura econômica favorável, ampla base política, vitaminada com o apelo eleitoral do dinheiro público sob forma de “bolsas”, montada no Estado aparelhado de fio a pavio, e desfrutando de um animador de comício com retórica populista, a candidata venceu a eleição. O Brasil estava diante de mais uma promessa de Lula: a “gerentona” que levaria o país à terra prometida.

Repita-se: o poste não acendeu. A herança maldita no plano ético exigiu atividades comparadas a de uma faxineira que encantou a classe média. Bom começo. No entanto, com o passar do tempo, a experiência mostrou que não houve faxina que desse jeito. O Estado brasileiro foi capturado, cupinizado em setores e estatais nunca dantes imaginados e, na mesma toada, a Presidente provocou um apagão na política, erodiu os fundamentos da economia e, ao manter imobilizadas as reformas estruturais, jogou uma densa nuvem de incerteza na esperança dos brasileiros.

Um curto-circuito nos fios desencapados da insatisfação represada provocou, em junho de 2103, um choque de alta voltagem na sociedade. Não se sabe para onde caminha esta situação do ponto de vista político-eleitoral. Uma coisa é certa: as manifestações de rua ratificam um sentimento majoritário de mudança.

Resultado: acendeu a luz amarela para o longevo projeto de poder engendrado pelo lulopetismo. E agora? Uma solução: “Volta, Lula!” Surpresa? Para mim, nenhuma. Diante das opiniões discordantes da hipótese, analisava, em primeiro lugar, o perfil do caudilho que vive do poder, para o poder e, mesmo quando morre, sobrevive sob a forma de mito; em segundo lugar, porque a soberba de quem resdescobriu e reinventou o Brasil, alimenta o ego e canta aos ouvidos do condutor de massas “eu sou a força”; terceiro, porque o messianismo (fonte de inspiração de candidatos e movimentos sociais no Brasil) é filho do velho sebastianismo lusitano que esperou por muito tempo a volta do salvador, o Rei D. Sebastião que morreu lutando contra os mouros, em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir. Atenção: Lula está, felizmente, mais vivo do que nunca. Só pensa naquilo: entrar em campo como solução para a manutenção do projeto de poder e, espero, não seja rebatizado com nome Luiz Inácio lula Sebastião da Silva.

No Brasil houve um tempo em que, no crepúsculo vespertino, o acendedor de lampiões, não passou despercebido pelo poeta alagoano Jorge de Lima que, assim, definiu sua função: “Parodiar o sol e associar-lhe à lua, quando a sombra da noite da noite enegrece o poente!”

No Brasil atual, a conta salgada da energia elétrica tirou de cena o “acendedor de lampiões”. Por sua vez, o eleitor bem que poderia eliminar o “acendedor de postes” ou evitar que Lula seja o poste de si mesmo.

Vinte anos se passaram desde a morte trágica do tri-campeão mundial da Fórmula 1, Ayrton Senna no GP de San Marino, em Ímola. No entanto, na memória dos brasileiros e dos apaixonados pelo automobilismo, Senna ainda é um ídolo e espelho para muitos jovens.

O Brasil teve três campeões mundiais de Fórmula 1. Além de Senna, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet também atingiram o recorde. Mas, nenhum conquistou tamanha idolatria quanto Ayrton. O piloto tinha uma mistura de atleta competitivo, mas muito humano ao mesmo tempo, e um talento que transbordava a cada nova corrida em que combinava técnica com muita audácia para atingir o extremo do limite e quebrar recordes.

Em um país onde o futebol é a paixão nacional, Senna começou a ganhar admiração do público em 1986, quando a seleção havia sido eliminada pela França no Mundial do México e o piloto, no dia seguinte, ganhou uma corrida em Detroit - Estados Unidos - e comemorou a vitória com a bandeira brasileira. Cena que se repetiu várias vezes durante as 41 vitórias em 161 corridas disputadas pelo piloto.

Talvez a admiração dos brasileiros por Ayrton Senna se explique porque, em um momento que o nosso país vivia um período complicado na política e economia, o piloto demonstrava paixão, empenho, inteligência racional, disciplina, orgulho de ser brasileiro e uma obsessão por ultrapassar limites. Qualidades que o brasileiro admirava e buscava ter. No entanto, o legado de Senna foi muito além da personalidade. Ele foi o último piloto a morrer em corridas de Fórmula 1. Após a sua morte, a segurança dos pilotos voltou a ser primordial nas corridas da categoria e várias normas foram modificadas.

Além da segurança, o piloto deixou como legado um projeto para crianças. Sonho do piloto e que ainda hoje é mantido por sua irmã, Viviane Senna.  Fundado em 1994, por desejo de Ayrton, o Instituto anualmente capacita 75.000 educadores e seus programas beneficiam diretamente cerca de 2 milhões de alunos em mais de 1.300 municípios.

Ayrton Senna da Silva viveu apenas 34 anos. Sua carreira nunca conheceu a decadência. O mito de Senna continua forte e vivo entre os brasileiros, e essa afirmação é o resultado de uma sondagem, divulgada em dezembro de 2013, sobre a imagem e a marca de atletas no Brasil, quando, em votação aberta pela internet, o piloto foi o mais lembrado.

Passados 20 anos de sua morte, ainda é impossível esquecer a imagem de seu carro voando baixo nas pistas e fazendo com que o Brasil todo parasse, vidrado em frente à televisão, nos domingos de corrida. Senna foi e ainda é um esportista consagrado, ídolo dentro e fora das pistas. É inútil tentar compará-lo com outros pilotos. Senna é um exemplo a ser seguido e desde aquele 1º de maio de 1994, para os brasileiros, a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma.

Mais um caso de violência contra uma criança chocou o Brasil. Bernardo UglioneBoldrini tinha apenas 11 anos e era visto com muito carinho pelos moradores de Três Passos, cidade do Rio Grande do Sul. No entanto, foi assassinado e enterrado em uma vala.Os suspeitos pelo crime? Pai, madrasta e uma amiga.

Não é a primeira vez que um crime desse tipo assombra a nossa sociedade. Em 2008, Isabella Nardoni, de apenas cinco anos, também foi assassinada pelo pai e madrasta e depois foi arremessada do sexto andar do edifício onde o pai morava, em São Paulo. Um crime hediondo, revoltante e repugnante, que vai contra os valores morais e de respeito à dignidade humana.

No caso de Bernardo, a motivação envolveria uma herança milionária, já que a mãe do jovem faleceu há 4 anos e, de acordo com os relatos, desde então a criança passou a ser tratada como um estranho pelo pai. O que mais impressiona é que o próprio garoto chegou a procurar a justiça e pedir para ter a guarda retirada do pai. A justificativa: falta de atenção e afeto.

O jovem passou 10 dias desaparecido antes de localizarem o corpo. O local foi indicado pela amiga da madrasta, que receberia o valor de R$ 20 mil por sua participação no crime. É impressionante ver que a vida daquela criança, que era tida como um jovem carinhoso, estudioso e de bom coração por todos, valia R$ 20 mil reais. Não apenas a vida dele, mas a consciência dessa senhora, que não hesitou em participar de um crime tão brutal.

A Polícia Civil trabalha com a possibilidade de que a madrasta de Bernardo, tenha decidido matar o garoto porque via nele um concorrente pelo R$ 1,5 milhão em bens do pai do menino e seu marido. Além de considerar que o pagamento de uma futura pensão poderia ser um estorvo nas pretensões financeiras da madrasta – definida pelos moradores de Três Passos como uma pessoa bastante ambiciosa.

No entanto, Bernardo era uma criança. Uma criança que tinha o pai como herói e provavelmente não tinha nem ideia de que tanto a casa quanto a clínica que eram comandadas pai também lhe pertenceriam quando ele atingisse a maioridade,já que ele era herdeiro da falecida mãe e ela era sócia na clínica do então marido e tinha direito aos demais bens.

A amiga da madrasta de Bernardo contou, em depoimento publicado em diversos jornais, que “era muito dinheiro e não teria sangue nem faca, era só abrir um buraco e ajudar a colocar dentro o menino”. No entanto, nenhum dinheiro no mundo justifica tirar a vida de outra pessoa, muito menos de uma criança inocente que queria poder ter um abraço do pai e brincar com a irmãzinha. Tudo o que Bernardo queria era carinho. E tudo o que o Brasil pede, é justiça.

Foi com tristeza que recebi a notícia do falecimento de Gabriel García Márquez. Mesmo sabendo que as pessoas não são eternas e que Gabo já estava com idade avançada e problemas de saúde, é sempre impactante saber que pensadores tão completos como ele não escreverão mais nenhuma linha. No entanto, me deixa feliz saber que sua obra e vida estão eternizadas na história da literatura mundial.

Gabriel José García Márquez não foi apenas um escritor. Foi jornalista, editor, ativista, político e, sem dúvidas, um dos autores mais importantes do século XX. Vencendo possíveis preconceitos por sua origem, Gabo foi um dos escritores mais admirados e traduzidos no mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos e traduções em 36 idiomas. Há anos, suas obras se tornaram leitura obrigatória para todos aqueles sedentos de uma boa literatura, seja ela de ficção ou não.

Com méritos, Gabo foi laureado, em 1982, com o prêmio Nobel de Literatura, não apenas por uma obra, mas pelo conjunto de seus trabalhos, que incluem o aplaudido “Cem Anos de Solidão”, considerado um marco da literatura latino-americana e que vendeu mais de 50 milhões de cópias em mais de 25 idiomas, e “Memórias de minhas putas tristes”, seu último romance escrito em 2004, pouco antes de Gabo anunciar sua aposentaria.

E se suas celebres frases são entoadas por milhares de pessoas em todo o mundo, ao contrário de uma delas, onde Gabo dizia que "não existe pior desgraça que morrer sozinho", ele morreu cercado de pessoas que o admiravam. É um fato que García Márquez transcendeu o mundo das letras. Mesmo tendo sido idealista desde cedo e aliado ao líder cubano Fidel Castro, o escritor teve o visto para os Estados Unidos negado por diversas vezes, mas, contava com o ex-presidente americano, Bill Clinton, na sua lista de amigos.

Não menos que isso, Gabo era reconhecido como um bom anfitrião, que após a fama e riqueza oriundas por suas obras, recebia todos os seus hóspedes com longas histórias e animação. E se poderia haver dúvidas sobre o seu carisma, ele recebeu uma homenagem do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que se declarou fã de Gabo desde a juventude. “O mundo perdeu um dos maiores escritores visionários”, foi como Obama definiu Gabriel García.

Finalizo esse texto com a declaração de um escritor brasileiro que resumiu a importância de Gabriel García Marquez e o legado que fica para a literatura mundial. "Uma grande perda. Um grande escritor latino-americano muito identificado com o realismo mágico. É um escritor universal apesar de identificado com a América Latina. Lido e entendido em qualquer lugar. Ele era um escritor muito criativo em inventar histórias e situações e isso encantava seus leitores. Ele tinha humor, mas era muito mais que um humorista, ele usava o humor em função de uma visão de mundo que ia muito além” - (Luis Fernando Veríssimo).

Vai em paz, Gabo.

A sensação que temos é que a situação do transporte público no Brasil piora a cada dia. As notícias envolvendo a péssima qualidade do serviço aumentam e chegam a provocar desespero dos cidadãos que utilizam e dependem diariamente dos ônibus, metrôs e outros meios de transporte. Vale lembrar que, durante os protestos ocorridos em 2013, o transporte público precário foi um dos principais temas que tomaram às ruas do Brasil. 

São ônibus superlotados e em condições precárias – enferrujados, sem cintos de segurança, quebrados, sem faróis ou outros equipamentos de sinalização -, linhas de metrô que sofrem panes diariamente provocando atrasos ou paralisando a operação, deixando milhões de pessoas sem serviço ou arriscadas a perder o horário do trabalho ou da escola. A situação se torna ainda pior em dias de chuva, quando as estações ficam alagadas de água e até esgotos.

Claro que o Estado não é único culpado por esta situação. Não podemos deixar de criticar os ataques que são feitos aos ônibus que compõem o transporte público e acabam por diminuir a frota disponível nas ruas. No entanto, é fato que o transporte público precário gera problemas em várias áreas sociais: saúde, educação, mobilidade urbana, cultura…

Se a utilização do transporte público é colocada como uma das soluções para os problemas da mobilidade urbana, o que dizer da qualidade de vida de quem utiliza esse tipo de transporte? Não há como negar o quão estressante é conviver diariamente com o sucateamento dos transportes. Isso reduz bastante a qualidade de vida dos usuários do transporte público brasileiro, principalmente para aqueles que dependem de vários transportes em cada trecho que precisa percorrer, que ficam em pé por duas, três horas, em ônibus ou metrôs superlotados, sem ventilação ou segurança.  

Se pensarmos do ponto de vista da educação, o problema do transporte público é um fator a mais para prejudicar o rendimento dos alunos, afetando, também, a evasão escolar, a formação de profissionais e a produtividade do país. É fácil entender isso quando pensamos no tempo que os estudantes perdem no deslocamento para as escolas ou até naqueles que não possuem acesso aos meios de transporte para ir ou vir. A mesma teoria se aplica ao acesso ao entretenimento, cultura e lazer das classes menos privilegiadas.

Não sendo suficiente, o transporte público precário não promove acessibilidade e condições dignas de mobilidade aos portadores de necessidades especiais, seja nos centros urbanos ou no interior, onde a situação é ainda pior. Se nas grandes cidades nem todos os veículos e possuem equipamentos e estrutura adequada para atender os portadores de deficiências, nas cidades do interior a estrutura pode ser considerada zero, ou próximo disto, quando falamos em inclusão e acessibilidade.

Caro leitor, não é o fato de ser um serviço público que o torna um serviço ruim. Temos visto exemplos de escolas públicas que são muito melhores que as particulares. É preciso investimento, comprometimento. Alguns governos, prefeituras e câmaras têm apresentado projetos de novas infraestruturas e melhorias na prestação de serviços. Vamos acreditar que é possível mudar e melhorar.

Milenar provérbio romano. De força indiscutível como conselho aos que se aventuram falar sobre o que não sabem ou fazer o que está além de suas habilidades. O jovem contemporâneo reproduziria o antigo lema com um descolado "te manca, velho. Fica na tua".

Depois de ler os artigos de Adriano Oliveira e Maurício Romão, autoridades sobre ciência política e leitores privilegiados de pesquisas de opinião, eu me arrisco a desobedecer o velho dito. Não para contraditar ou para desdizer, apenas meter o bedelho onde não fui chamado, mas que trata de assunto estimulante para qualquer cidadão.

Uma preliminar antes de entrar no mérito do assunto: meu respeito profissional pelos articulistas é de tal ordem que não hesitaria em tê-los como conselheiros se poder tivesse para tanto. Eles sabem disso.

O tema é a interpretação das recentes pesquisas do Datafolha e a questão magna é a majoritária tendência de mudança revelada pelos entrevistados e a quem esta tendência beneficia.

Afirmo com convicção: a maioria quer mudança. Ora conselheiro Acácio, qual é a novidade? Os números estão aí dizendo. Então para não ser confundido com a ridicularia solene do personagem eciano, vou expor minhas razões.

 

1. Em todas as eleições, somente existem dois caminhos ou, digamos, duas propostas dialeticamente opostas: continuidade ou mudança;

 

2. De um modo geral, a experiência do jogo democrático das competições eleitorais demonstra que as mudanças se operam, entre 8 e 12 anos, alternando forças política e ideologicamente opostas seja por fadiga de material, seja por desgaste das políticas públicas praticadas;

 

3. Na história da novel democracia brasileira tem sido assim: FHC 8 anos (governo de quatro continuado por mais quatro anos); Lula 8 anos (governo de mudança em  4 e de continuidade em mais 4 anos). Aqui há um dado curioso: a "Carta aos Brasileiros" do então candidato Lula, abjurando tudo o que disse ele, disseram os documentos oficiais, os economistas do PT, e, em particular, largando de mão toda a maluquice da heterodoxia econômica. Tradução: cambiar, pero no mucho;

 

4. Com Dilma, Lula prorrogou a lógica da mudança e aproveitando os bons ventos da economia, creditou-se integralmente das melhorias da elevação da renda do brasileiro; deu um porre de consumo generalizado à base social; assumiu  a condição de novo "pai dos pobres" (o autêntico é vô Getúlio), e verdadeira mãe dos muito ricos; metamorfoseou-se em Dilma, a "mãezona (fake) do PAC" e logrou alargar o ciclo de poder para doze anos; 

5. Com Dilma, sem Dilma, apesar de Dilma, a mudança é inexorável por uma simples razão: pior não pode ficar. O governo derrete e joga na população o óleo fervente da Petrobrás; a gerentona distribui esporro em quarenta ministros e adjacentes; a gestão política é comandada pelos notórios de sempre; a política econômica e seus antigos pilares ruíram e austeridade não rima com eleição, mas sua falta rima com inflação e com a intoxicação dos juros altos. Reformas estruturais, nem pensar.

6. Vai mudar. E nos primeiros dias de janeiro de 2015, serão ministrados remédios amargos ao povo brasileiro que se imaginava a salvo da reprise de filmes de terror: tarifaço, arrocho salarial, arrocho orçamentário, juros em ascensão, contas externas desequilibradas, câmbio (quem sabe?). Vai mudar e pode ser com Dilma ou o Padrinho: sob a euforia do hexacampeonato mundial de uma Copa onde tudo vai funcionar. Neste glorioso momento, ela ou ele escreve um "Bilhete aos brasileiros" prometendo o inverso de 2002, ou seja, 2015 o ano de grandes mudanças. O eleitor brasileiro vai adorar. De estelionato eleitoral, a gente entende. Lembrem-se do Cruzado II nas eleições de 1986.

A vida é dureza. Sempre foi. Cada vez mais. Hoje em dia, invade a casa da gente. Rádio, televisão e a hipnose da família eletrônica dos “I”, “Face”, “WattsApp” nos levam a prestar menos atenção ao próximo mais próximo. Em matéria de informação o que nos chega é a violência nas mais variadas e requintadas formas; a corrupção organizada pelos homens do colarinho branco, amarelado pelo suor fétido dos seus usuários rechonchudos; tome imposto de verdade e engula a mentira dos serviços públicos.

O jeito é falar de moleza. Moleza inocente. Natural. Na maioria das vezes, herdadas. Vem no DNA. É mole e atormenta quem não merece: as mulheres. E  atende por um nome assustador: celulite. Um terror que se localiza nas redondezas da região glútea e, dependendo do caso, se espalha pela parte posterior das coxas. As magrinhas não estão imunes às ondulações do tecido fibroso que nem casca de laranja.

No começo da década de noventa, em parceria com o famoso J. Michiles, nasceu a marchinha cujo refrão é o seguinte: “Gordinha, linda Afrodite/parei no seu it de anjo barroco/você me deixa louco com seu apetite/acredite/adoro celulite!”. Criamos o bloco. Disputa acirrada para escolher a porta-bandeira (quem ganhou? Segredo de confissão). Quase sai tapa. O bloco era curtição e somente uma vez foi às ruas. A preguiça era muito grande. A gente anunciava todo ano a presença de celebridades (Jô Soares, Wilza Carla) e, no clima de carnaval,...tudo era fantasia. Mas as portadoras de celulite estavam de alma e tecido adiposo lavados: o frevo-canção era uma resposta ao Bloco da Malhação da academia da saudosa Jandira Airam, letra de minha autoria, musicada, adivinhem por quem? O doce amigo e notável compositor Luiz Bandeira. Refrão: “Malha, menina!/menina, malha!/fica durinha senão encalha!” Quase linchado, fui perdoado com a apologia à celulite.

Bem, a celulite é a saúva do século XXI: ou se acaba com ela ou ela põe em risco  o sexo feminino. Tem receita de todo tipo: fórmulas caras, “cientifícas”, naturais, soluções caseiras (manteiga de cacau com açúcar e pó de café, eca!, banho de algas, três copos ao dia de suco de limão e pimenta caiena,  a couve milagrosa e por aí vai).

E haja maluquice. As loucademias de ginásticas são verdadeiros sanatórios que fabricam a neurose da “mulher perfeita” (para ela e o espelho, espelho meu), o ideal da Vênus calipígia (com todo respeito) de bunda dura e pacientes de ortopedistas e fisioterapeutas.

Aliás, “A bunda dura” é um artigo atribuído (?) a Arnaldo Jabor e leitura recomendável para auxiliar o tratamento psicanalítico no mundo que glorifica os “máximos”; canoniza a aparência; subestima a essência; e, para mergulhar na inconsciência, consome, adoidado, pílulas para dormir, para acordar, para sorrir, para sentir prazeres em escala negada pela natureza. Somos vítimas da civilização do medo generalizado em fuga permanente do real que dói, maltrata, mas que precisa ser enfrentado.

Ora, a mulher não precisa ser dura, nem mole; não precisa ser uma estátua de charme; não precisa se redesenhar a cada década passada; basta ser mulher no corpo cuidado, adequado a cada idade e sem perder o viço interior do senso de humor e do amor; manter acesa a luz de uma sabedoria que emana dos sentimentos da maternidade; mulher que ria, faça rir e que tenha idéias mais longas do que os cabelos. Esta escultura da alma feminina jamais perderá a graça e a capacidade de sedução.

E nós homens, fracotes, como precisamos delas. Precisamos daquela metade que na narrativa da obra platônica, o “Banquete”, é separada do ser original completo e, a partir de então, vaga pelo mundo em busca da outra metade.

Encontrando, amigas, é prudente relevar o desleixo do toalha molhada em cima da cama; de mijar no assento do vaso sanitário; de jogar a pelada regada a cerveja, conversando leseira. Encontrando, amigos, vale sentir no corpo da mulher, o suave aconchego, revestido pela gordurinha localizada e pela indesejada celulite. E todo dia, repetir, em tom de prece, o que diz o cancioneiro “Meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus”.

Muitos brasileiros ainda não se deram conta de que pagamos impostos em tudo que consumimos, desde um simples pãozinho comprado na padaria até os bens de consumo de expressivo valor, como carros. No entanto, isto não é exclusividade do nosso povo. Em todo o mundo, governos arrecadam parte da riqueza gerada a fim de manter em funcionamento os serviços básicos que são de sua responsabilidade, como educação, saúde e segurança.

O Brasil é o país com maior carga tributária do mundo. Seguindo um raciocínio lógico, se os impostos recolhidos retornassem aos serviços públicos, deveríamos ser exemplo de qualidade nesse setor. O que não acontece. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgou, recentemente, o resultado do estudo que compara 30 países com maior carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e verifica se os impostos voltam aos contribuintes em serviços de qualidade.

Pela quinta vez consecutiva, o Brasil está em último lugar no ranking como pior retorno dos tributos em qualidade de vida para a sua população. Não nos surpreende que Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul ocupem respectivamente as primeiras posições do ranking. Enquanto isso, ficamos atrás da Argentina (24º) e do Uruguai (13º), países que também estão na América do Sul e que arrecadam bem menos que o Brasil.

A Receita Federal informou que não comentaria o assunto. Para o Fisco, o resultado das arrecadações de 2013 ainda não está finalizado. No entanto, não é preciso pesquisa para saber que o retorno dos impostos não acontece como deveria. O que vemos no Brasil são longas filas para atendimento nos hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde, transporte público sucateado e ineficiente, o aumento da violência nas ruas, etc. E todos esses pontos foram alvos das manifestações que levaram milhões de brasileiros às ruas nos últimos tempos.

Em 2012, cada brasileiro desembolsou aproximadamente R$ 8 mil em tributos e esse valor poderia pagar mais de 1 bilhão de salários mínimos ou fornecer medicamentos para toda a população do Brasil por cerca de 30 anos. Vale ressaltar que todos os brasileiros pagam impostos, até mesmo os que são isentos do IPTU e do Imposto de Renda das Pessoa Física. Isto porque todos nós consumimos produtos e serviços que possuem impostos embutidos, como o como arroz (17,24%) e o feijão (17,24%).

Já passou da hora de nós, brasileiros, abrirmos os olhos e vermos que no Brasil todos os recursos são muito mal aproveitados. E isso vale para os recursos humanos até os financeiros. Nosso país arrecada muito com tributos, mas ocupa apenas a 84ª posição no ranking de desenvolvimento. Será que algum dia teremos transporte público de qualidade, hospitais com atendimento digno, segurança para todos nas ruas e escolas públicas com qualidade? Espero que sim e que esse dia não demore a chegar.

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