Missionário da Igreja do Evangelho Quadrangular, Ministério Casa do Leão, Carlos, conhecido como Carlão, conta na frente do púlpito, na noite do domingo (23), que conheceu Florisvaldo de Oliveira, antes conhecido como Cabo Bruno, no Presídio de Tremembé. Começava um entre muitos depoimentos do culto para empossar como pastor da Igreja Refúgio em Cristo, em Taubaté, o homem que nos anos 1980 foi considerado o justiceiro mais temido de São Paulo. "Florisvaldo me ensinou a beijar no rosto os homens que eu respeito e gosto", disse Carlão que, antes de se converter, morou durante 14 anos na rua. "Obrigado por fazer parte da minha história."
Pouco mais de um mês depois de ser colocado em liberdade, Florisvaldo de Oliveira assumiu no domingo (23) a função de pastor, substituindo do cargo sua mulher, Dayse França, que comandou a igreja durante dois anos. A cerimônia durou quase 2h30 e teve a presença de mais de dez pastores, uma comitiva de quatro representantes da sede da igreja no Rio, carcereiros do presídio e ex-detentos convertidos.
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Antes de começar o culto, às 19 horas, Florisvaldo passou de banco em banco, cumprimentando a todos. Magro, de cabelos brancos, com um terno azul-escuro de três botões e risca de giz, dava um beijo no rosto de todos os homens presentes. No começo do culto, seus três enteados, filhos de Dayse, entoaram canções religiosas que levaram parte dos 50 presentes às lágrimas.
Na igreja, um antigo restaurante todo envidraçado, no topo de uma colina, os presentes eram chamados para falar a respeito da transformação de Florisvaldo. "O mundo todo e a sociedade podem olhar para você atravessado. Ele (Jesus) olha reto", iniciou a pregação o pastor Airton, olhando para Florisvaldo, que acompanhou os testemunhos de olhos fechados. Durante as músicas, dançava discretamente e levantava a mão direita.
Recuperação
Há exatos 30 anos, em 1982, quando ainda era soldado da Polícia Militar, Cabo Bruno passou a matar os jovens dos bairros da periferia da zona sul da cidade suspeitos de serem criminosos. Bancado pelos comerciantes locais, se tornou um dos justiceiros mais famosos e temidos de São Paulo. Matava por não acreditar na recuperação dos "bandidos" que, para ele e para os demais justiceiros e seus financiadores, deveriam ser exterminados. Em entrevistas a jornais, dizia, orgulhoso, ter matado mais de 50 pessoas.
Na cerimônia do domingo (23), ele e os demais testemunhavam justamente sobre as chances que devem ser dadas para que as pessoas possam mudar. "Todos podem mudar. Essas mudanças são o maior milagre de Deus", dizia o irmão Pedro Silvestre. "Não cabe a nenhum de nós julgar o próximo, ainda que seus pecados sejam vermelhos como o escarlate, se tornarão brancos como a neve", dizia o bispo Vladimir, da Igreja Refúgio em Cristo, que veio do Rio especialmente para a cerimônia.
Almas resgatadas
Depois de 21 anos preso, considerando as três fugas ao longo dos anos 1980, Florisvaldo e outros pastores defendiam os prisioneiros e o trabalho missionário nas cadeias. "Lá dentro tem homens e mulheres de Deus. Quem não pecou que atire a primeira pedra. As almas deles precisam ser resgatadas."
Desde que se converteu, segundo os depoimentos, Florisvaldo se mostrou uma pessoa metódica e empenhada. Construiu uma igreja no Presídio de Tremembé. Fez o púlpito com madeira, pintou de azul, lixou e pintou de novo. "Se eu não ficasse tanto tempo, talvez não estivesse agora aqui", disse.
As trágicas histórias que viveu não foram mencionadas durante o culto, ao contrário do que costuma ocorrer nos testemunhos evangélicos. "Queremos esquecer o passado", disse a mulher, Dayse. "Somos hoje servos de Deus e queremos ter paz para viver."
Filho. No culto estava presente ainda a missionária Alaíde Pereira que, em 1991, foi a primeira pessoa a sugerir que Florisvaldo mudasse de vida. Ela chorou ao longo de toda a cerimônia. "Ele é um filho para mim", disse.
A mulher, Dayse, pediu a todos que orassem pelo sucesso do novo pastor. Depois de assinar o documento de posse, Florisvaldo fez sua primeira fala como pastor. Disse que iria saquear o inferno, tomando as almas de Satanás e as entregando para um reino de luz. "Nunca fui de ficar parado", disse o evangélico, que agora diz continuar sua guerra de forma pacífica.Ele não quis falar com a reportagem. Desde que saiu, Florisvaldo não falou com a imprensa. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.