Cheia de Graça foi a escolha perfeita para a abertura de Zerima. Com metais e baixo grooveado, é a faixa que melhor expressa o retorno de Luiz Melodia ao repertório autoral. É samba, soul e dor de cotovelo à carioca ao mesmo tempo.
Temperos que são pouco utilizados - em 41 anos de carreira fonográfica, gravou apenas nove discos de inéditas, muito por culpa do outrora poderoso mercado que exigia regravações e o exilou no rol dos malditos. Mas quando a cozinha é aberta, vem um saboroso banquete.
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"Eu componho de tudo. Não coloco regras. Vai saindo naturalmente, não penso em fazer um disco com músicas diferentes entre si. E gosto assim", diz o cantor e compositor, que, além de Líber Gadelha, contou com a participação do saxofonista Humberto Araújo na produção do álbum. A presença do músico reflete a predileção pelos sopros como cama para sua música. Melodia lembra de seus trabalhos anteriores, arranjados por Serginho Trombone e Oberdan Magalhães, da Banda Black Rio. Zerima, afirma ele, é uma reconexão com o que produziu em termos de sonoridade. Os parceiros Renato Piau e Ricardo Augusto também reaparecem nos créditos de autoria de algumas faixas.
Nem por isso Melodia deixa de estabelecer contato com uma geração posterior à dele. A cantora Céu é convidada da faixa Dor de Carnaval, mais uma homenagem à sua escola de samba, a Estácio de Sá. Os dois se conheceram quando ela o convidou para participar de Vagarosa (2009), cantando Vira Lata. A retribuição do chamado veio em forma de uma música sobre o sofrimento de quem torce pela agremiação, há anos fora do Grupo Especial do carnaval carioca. "Fiz pra cantar com a Céu e porque precisava falar da escola. A gente sofre com ela. Mas, assim como todas as outras, continua linda", ressalta.
Zerima também passeia pelo clima de gafieira (Vou Com Você), samba-canção (Cura), malemolência do Recôncavo Baiano (Moça Bonita). Na diversidade coesa que perpassa sua obra, o felino mostra que continua com as garras afiadas.
Regravações.
Uma das melhores faixas de Zerima é a tocante regravação de Leros e Leros e Boleros, de Sérgio Sampaio, cuja morte completou duas décadas em maio. Melodia salienta que ela entrou no repertório por acaso. "Fui cantando músicas no estúdio, e essa era uma que eu tinha pensado em deixar para uma outra oportunidade. Líber ouviu e ficou bastante sensibilizado." A saudade daquele que na música Doce Melodia bradou Luiz Melodia, melhores dias virão é constante e foi transmitida na releitura, em cujo arranjo se destacam o saxofone de Humberto e o piano de Julinho Teixeira. "Começamos juntos, era um amigo muito talentoso e hoje ele é valorizado. Isso me deixa feliz", comenta.
A inclusão de Maracangalha foi motivada pelo desejo de "uma levada diferente" para a música de Dorival Caymmi. O filho Mahal foi convidado a introduzir um rap na gravação. Viva Caymmi saúda o compositor no ano de seu centenário. "Quando ele me mostrou o que escreveu achei genial. Por isso, deixei que fosse uma homenagem maior do que a minha", afirma Melodia.
Ele ainda pescou uma pérola obscura de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, Nova Era. Melodia se deparou com ela na internet, e concluiu que a música tinha a ver com o conteúdo do disco cujo alicerce foi solidificado. "Faça esse mal se afastar/E a escuridão clarear", sentencia a letra.
Se Zerima teve sua base solidificada após um período de convalescença, os versos são os que melhor refletem sua origem. Do novo ao antigo, das parcerias permanentes às novas aproximações, Melodia continua indefinido e indefinível. Não se podia esperar nada diferente de alguém que, em música, já disse que na estrada da vida segue e vai. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.