A queda nos investimentos no primeiro trimestre lançou dúvidas sobre a redução do peso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na economia a partir deste ano. Segundo estudo do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), feito com exclusividade a pedido do Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, as consultas por empréstimos do banco de fomento somaram R$ 47,2 bilhões no primeiro trimestre, caindo para patamar semelhante ao de 2007 e 2008, antes da crise internacional. Por outro lado, os desembolsos de recursos para financiamentos já aprovados cresceram como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e dos investimentos.
Com o recuo nas consultas, a tendência é os desembolsos, como proporção da economia, cederem mais a frente. Por enquanto, porém, com a queda dos investimentos no primeiro trimestre, o valor dos desembolsos do BNDES subiram para 20,5% da formação bruta de capital fixo (FBCF, a conta dos investimento no PIB), ante 18,3% no primeiro trimestre de 2013. Como proporção do PIB, os desembolsos chegaram a 3,6%, ante 3,3% em 2013.
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A redução do peso do BNDES entrou no discurso da equipe econômica em setembro passado, na esteira das críticas à política fiscal. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a dizer que o BNDES poderia desembolsar na casa de R$ 150 bilhões este ano - contra R$ 190,4 bilhões, ano passado.
"Os desembolsos vão cair, estou convencido, mas a queda será mais rápida ou mais devagar em função do dinamismo da economia", diz Gabriel Leal de Barros, pesquisador do Ibre/FGV especializado em contas públicas, autor do estudo.
Para o economista, tanto a decisão do governo de reduzir os aportes quanto a demanda mais fraca por empréstimos, por causa da economia devagar, pesam na tendência de redução dos desembolsos.
"Com uma menor demanda, a redução dos aportes no banco tornam-se cada vez mais consensuais, não obstante a relevância de conter o endividamento público bruto", diz Barros, que defende a suspensão dos aportes no BNDES, para melhorar as contas públicas. "O governo deveria reduzir os aportes de forma mais rápida. É possível fazer isso de forma equilibrada, sem parada nos investimentos", completa.
A demanda menor está nos números. As consultas de projetos no BNDES - o primeiro passo para pedir um empréstimo - caíram 13,9% no primeiro trimestre perante igual período de 2013, já descontada a inflação. Os enquadramentos (quando o projeto foi aceito para ser analisado) e as aprovações também caíram nos três primeiros meses do ano.
O próprio BNDES já vem apontando essa tendência nos últimos meses, embora seus executivos prefiram, em geral, destacar efeitos estatísticos (como uma ou outra consulta elevada em determinado período passado) como responsáveis pelo recuo.
Com a retração nos investimentos no início do ano, porém, a perspectiva de redução na liberação de recursos pode ser suspensa ou, pelo menos, passar a um ritmo lento. Em maio, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, deu a entender que o decréscimo nos desembolsos este ano poderia não ser tão grande assim e demonstrou preocupação com o ritmo de expansão do crédito privado a empresas e com o ciclo de elevação da taxa básica de juros - a Selic, que passou de 7,25% para 11%, em um ano.
Após o péssimo resultado dos investimentos no PIB do primeiro trimestre, Coutinho chegou a mudar de tom. À pergunta sobre se os desembolsos serão menores este ano, ele respondeu: "Ainda temos dúvida". O executivo preferiu creditar a queda nos investimentos a fatores conjunturais a reforçou a ideia na última segunda-feira, em entrevista em Londres.
"Tivemos fatores específicos no trimestre, como a produção de equipamentos muito concentrada no fim do ano passado, mas não quero focar no curto prazo. Nosso panorama de médio prazo ainda mostra um pequeno crescimento do investimento do setor privado."
Para o economista Ernani Teixeira Torres Filho, professor do Instituto de Economia da UFRJ, a questão crucial é o ciclo de alta nos juros. "O BNDES é vítima, responde à política macroeconômica", diz Torres, ex-superintendente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico (APE) do banco de fomento.
Na visão do economista, a atividade econômica já esfriou e esfriará mais, permanecendo fraca tanto este ano quanto em 2015. Assim, os desembolsos do BNDES poderão cair um pouco ou subir um pouco este ano, em função da maior ou menor demanda por parte das empresas. "Diminuir o BNDES não é complicado. O ideal é o banco perder participação relativa, com o mercado privado ampliando sua participação no crédito de longo prazo", diz Torres.
O problema, segundo o economista, é que o ciclo de alta da Selic afasta o financiamento privado. Torres estima que a diferença entre a Selic e a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, que baliza os empréstimos do BNDES, hoje em 5%) deve ser entre 2% e 3% para o setor privado ser atraído para o financiamento. Hoje, essa diferença está em 6 pontos porcentuais, mas o governo estuda elevar a TJLP.