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Escolas onde o silêncio não é sinônimo de abatimento ou tristeza. São turmas dedicadas, antenadas e prontas para superar os obstáculos. E para superá-los, a educação é uma ferramenta essencial. Nesta quinta-feira (27), você confere a quarta reportagem da série “Nossa Escola”, cuja proposta é mostrar iniciativas municipais de educação que estão melhorando a vida de muitos estudantes. A matéria detalha como a criação de turmas bilíngues está ajudando no aprendizado escolar de alunos surdos.
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O silêncio que não cala a educação
Acostumado a fazer matérias sobre turmas bilíngues da rede privada de ensino, até pouco tempo eu apenas tinha conhecido métodos de ensino simultâneo do português e inglês. Por causa do costume, também achava que a implantação de salas bilíngues nas escolas municipais do Recife seguiria o mesmo caminho. Porém, quando comecei a pesquisar sobre o assunto, fiquei surpreso em saber que o “bilíngue” trabalhado na Rede Municipal de Ensino diz respeito ao aprendizado da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e do próprio português. E foi uma ótima e enriquecedora surpresa!
Desde o início deste ano, mais de 60 alunos surdos de escolas municipais recifenses tiveram a oportunidade de ingressar nas salas bilíngues da Rede Municipal. Antes, deficientes auditivos e estudantes sem deficiência estudavam nos mesmos espaços físicos, contando com a ajuda de intérpretes. Na prática, o professor da disciplina explicava o assunto e simultaneamente o tradutor transmitia para os estudantes com problemas auditivos. Porém, professores da Rede começaram a notar que esse método de tradução não estava agradando os alunos e nem mesmo os docentes. Existia uma diferença temporal que atrapalhava o andamento da aula, uma vez que o intérprete tentava passar o conteúdo e quando o aluno surdo não entendia, o professor já estava bastante adiantado na explicação.
De acordo com o professor de matemática Joaquim Carlos Lorentino, que também domina a Libras, o fato do intérprete não ser especialista nas disciplinas trabalhadas, também atrapalhava o rendimento das aulas. “Esse modelo não atingiu resultados satisfatórios. O aluno surdo ficava dependente do intérprete, deixando o estudante refém. Além disso, esse profissional nem sempre tinha a capacitação desejável. Muitos intérpretes só tinham o ensino médio e às vezes os papeis do professor e do tradutor se confundiam nas salas. O ritmo de aprendizado, que é diferente entre o aluno surdo e o que tem prática oral, também não era respeitado”, explica o educador.
A Secretaria de Educação do Recife resolveu então procurar talentos entre os próprios professores das escolas municipais. A ideia era qualificar os docentes em Libras para que eles próprios conduzissem as aulas e se comunicassem com os estudantes surdos. Através desse método, o primeiro objetivo foi ensinar a Linguagem Brasileira e Sinais como língua materna e em seguida trabalhar o português escrito como segundo idioma. E a iniciativa vem dando certo! Já existem várias turmas nesse contexto, com professores de cada disciplina dando os conteúdos usando a Libras e interagindo com os estudantes. Segundo a Secretaria, são 17 turmas espalhadas por polos estratégicos da capital pernambucana, colocando o Recife entre as cidades brasileiras que possuem escolas bilíngues. Atualmente, adotaram a iniciativa São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Campina Grande.
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Com a ajuda do professor Joaquim, conversei com alguns alunos surdos da Escola Municipal Padre Antônio Henrique, localizada no bairro do Derby, Centro do Recife. O silêncio interrompido pelos gestos demonstra o quanto a educação pode mudar a vida das pessoas. Lucas Pequeno, 15, aluno do oitavo ano do ensino fundamental, afirma que as aulas melhoraram bastante depois das salas bilíngues. “Antes, o intérprete faltava muito e às vezes não sabia se comunicar direito. Hoje, eu posso falar direito com o professor e tirar minhas dúvidas. A disciplina que eu mais gosto é português, porque posso treinar as palavras”, conta Lucas, traduzido pelo docente.
Com 32 anos de idade, Maria de Fátima Souza, estudante do sétimo ano do nível fundamental, também aprovou a iniciativa. Com a face sorridente e traduzida pelo professor Joaquim, Maria se diz feliz e afirma que o aprendizado está bem melhor. “Está dando pra aprender bem. Existem alguns assuntos meio pesados, mas com muito esforço e dedicação a gente consegue alcançar nossos objetivos”, relata a estudante.
Questionado se a separação dos alunos surdos dos estudantes sem deficiência fere a ideia de inclusão, o professor Joaquim respondeu que essa visão não pode se resumir ao espaço físico, ou seja, todos juntos na mesma sala de aula. “Entender inclusão como conceito meramente geográfico, é um equívoco. Ocupar os meninos no mesmo espaço com os falantes não é o suficiente. Inclusão ocorre quando você consegue aplicar os conteúdos. Nossa escola é inclusiva! Os alunos ouvintes aprendem as disciplinas na língua materna deles. Os surdos não dependem mais de intérpretes e também aprendem as matérias através da sua língua materna, que é a Libra. Hoje, temos um aprendizado mais consolidado, o aluno se expressa à vontade, tira dúvidas, faz exercícios”, justifica.
Para a professora polivalente da Educação Especial da Rede Municipal do Recife, Zélia da Fonte, o que está acontecendo com as salas bilíngues para alunos surdos é a concretização do respeito a um direito. “É o respeito a uma cultura, a uma língua. As experiências anteriores acumularam uma defasagem no aprendizado dos estudantes com deficiência auditiva e por isso hoje nosso maior desafio é reparar isso. Hoje eles aprendem direto com o professor. O português como segunda língua também é muito importante”, destaca a educadora.
No vídeo a seguir, assista a explicação de Zélia sobre como funciona o ensino da Libras e do português de forma simultânea. Confira também depoimentos de pais sobre o que mudou na vida dosfilhos após o início das aulas bilíngues:
De acordo com a Secretaria de Educação do Recife, dos cerca de 100 estudantes surdos da Rede Municipal de Ensino, um total de 64 resolveu aderir às salas bilíngues. Os outros se mantiveram nas escolas antigas, com o método antigo do intérprete, porque não queriam mudar seus filhos de escola.
>> Leia também as outras quatro reportagens da série: Em busca do letramento; A doença, várias crianças, uma classe e muitos sonhos; Os reflexos da robótica na educação municipal do Recife e O jogo em que a educação sai vencedora.