O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) novamente à inelegibilidade nesta terça-feira (31). O placar foi de 5 a 2. Os ministros também impuseram multa no valor de R$ 425 mil.
Desta vez, o general Walter Braga Netto, vice na chapa, que foi poupado nos primeiros julgamentos no TSE, também foi declarado inelegível por 4 votos a 3.
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Os ministros julgaram três ações que atribuíram ao ex-presidente e ao general abuso de poder político, abuso de poder econômico e conduta vedada nas comemorações do dia 7 de setembro de 2022. A maioria considerou que Bolsonaro e seu vice usaram as cerimônias oficiais para fazer campanha e tentaram instrumentalizar as Forças Armadas para turbinar sua campanha à reeleição.
É a terceira leva de processos contra Bolsonaro julgada no Tribunal Superior Eleitoral. O ex-presidente já foi condenado e declarado inelegível por atacar as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral. Bolsonaro foi absolvido em um segundo bloco de ações, sob acusação de usar o cargo para fazer campanha na eleição de 2022. Ele ainda é alvo de outros nove processos.
A nova condenação não afetará concretamente o destino político do ex-presidente. As penas, nesse caso, não se somam. Os direitos políticos do ex-presidente estão suspensos pelo período de oito anos. O prazo começa a contar a partir da última eleição.
O que dizem as ações?
As ações relacionadas ao 7 de setembro foram movidas pelo PDT e pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Bolsonaro foi acusado de usar cerimônias oficiais do bicentenário da Independência, em Brasília e no Rio de Janeiro, como palanque eleitoral.
Pela manhã, o ex-presidente concedeu entrevista à TV Brasil no Palácio da Alvorada e depois acompanhou o desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios. Em seguida, participou de comício em trio elétrico custeado pelo Movimento Brasil Verde a poucos metros do evento oficial. Bolsonaro foi a pé da cerimônia para o comício.
Na parte da tarde, viajou para o Rio em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), seguiu em uma motociata até o Forte de Copacabana, onde assistiu salto de paraquedistas, salva de tiros e manobra de aviões. O ex-presidente caminhou então até um trio elétrico, custeado pelo pastor Silas Malafaia, e discursou em um palanque na orla.
Como votou cada ministro
A favor da inelegibilidade de Bolsonaro
A votação teve início com o voto do ministro Benedito Gonçalves, corregedor da Justiça Eleitoral, que é o relator dos processos. Ele defendeu a condenação de Bolsonaro à inelegibilidade, pelo prazo de oito anos, por usar o bicentenário da Independência para promover sua candidatura à reeleição.
"O objetivo não precisou ser explicitamente anunciado, já que foi comunicado por símbolos potentes: patriotismo, demonstração ostensiva do poder militar, defesa da liberdade", afirmou Benedito Gonçalves.
O ministro também votou pela condenação do general Walter Braga Netto. O corregedor argumentou que, pelo cargo que ocupava no governo, de ministro da Defesa, o general tomou conhecimento dos preparativos do 7 de setembro. No caso de Braga Netto, a proposta de punição do relator foi mais leve: multa de R$ 212 mil, sem inelegibilidade.
Benedito Gonçalves listou uma série de condutas que, em sua avaliação, mostram que Bolsonaro tentou explorar as comemorações cívicas na campanha. Ele argumentou, por exemplo, que o ex-presidente convocou eleitores e apoiadores para saírem às ruas na data e que organizou comícios a poucos metros dos eventos oficiais.
"A militância convocada para a celebração recebeu como derradeira missão mostrar a força da candidatura dos investigados, em uma luta do bem contra o mal", seguiu o relator. "Houve, de forma inequívoca um sequenciamento entre atos oficiais e eleitorais."
Ele também lembrou que o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, acompanhou Bolsonaro na tribuna de honra do desfile cívico-militar na Esplanada dos Ministérios e depois no comício. O empresário não tinha cargo público e foi um dos principais cabos eleitorais do ex-presidente.
Outro ponto destacado no voto é que o governo autorizou uma comitiva de tratores do Movimento Brasil Verde, que custeou eventos da campanha bolsonarista, a participar do desfile em Brasília.
O ministro ainda destacou que as comemorações do 7 de setembro no Rio, tradicionalmente organizadas na avenida Presidente Vargas, no centro da cidade, foram movidas para a orla de Copacabana, reduto de manifestações bolsonaristas.
"É fato notório que a orla de Copacabana se tornou, desde as eleições de 2018, local de concentração dos apoiadores do primeiro investigado. Juntando esse fator ao patriotismo militarizado que o candidato estimulou desde então não há como negar a relevância simbólica de levar a parada militar para ponto de encontro de sua militância. A mudança, portanto, era repleta de significado", argumentou.
A favor da inelegibilidade de Bolsonaro e Braga Netto
O ministro Floriano de Azevedo Marques argumentou que houve uma "confusão proposital" entre os eventos oficiais e de campanha. Marques, no entanto, votou para estender a inelegibilidade a Braga Netto.
"Na tentativa pictórica de demarcar a separação, com a burlesca retirada da faixa presidencial, longe de demarcar a separação, apenas se ilustra que o candidato sabia do contexto emaranhado dos dois momentos e a tentativa de forçar uma linha divisória que, na prática, nunca existiu", defendeu. "Os comícios não tiveram nada de ocasionais, foram ardilosamente convocados e combinados para fazer uso dos eventos públicos."
O ministro André Ramos Tavares, que abriu o terceiro dia de julgamento, também votou para condenar o ex-presidente e seu vice. Ele defendeu que as cerimônias oficiais serviram como "chamariz" para os eventos de campanha e que, além de Bolsonaro, Braga Netto também participou dos comícios e se beneficiou deles.
"Houve uma ação coordenada no tempo que não pode ser ignorada. Desde a concepção, já ao convocar a população por intermédio das redes sociais e outros canais de comunicação, a data comemorativa era visada em prol da campanha eleitoral", disse.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que houve uma apropriação dos símbolos do Dia da Independência. Ela também destacou que os eventos foram planejados com antecedência e que Bolsonaro, em julho de 2022, em convenções eleitorais do PL e do Republicanos, pediu que seus apoiadores participassem das comemorações de 7 de setembro.
A ministra disse ainda que, em sua avaliação, a participação de Braga Netto não foi secundária. "A recandidatura impõe dificuldades, mas elas têm que ser superadas com a observância estrita da legislação. A República impõe respeito, exige austeridade, impõe responsabilidade e muita prudência", criticou.
O último a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que lembrou os compromissos assumidos quando tomou posse no cargo. Na ocasião, Moraes prometeu penas duras e céleres para abusos dos candidatos nas eleições de 2022. "A Justiça pode ser cega, mas a Justiça não é tola", afirmou. "As condutas são flagrantes. Houve uma verdeira fusão entre o ato oficial e o ato eleitoral. O abuso é claro."
Contra a inelegibilidade de Bolsonaro e Braga Netto
O ministro Raul Araújo, por sua vez, defendeu a absolvição de Bolsonaro e Braga Netto. Ele afirmou que os eventos foram autônomos e "facilmente distinguíveis". Também argumentou que a legislação eleitoral não proíbe atos de campanha em locais públicos próximo a cerimônias oficiais.
"É público e notório que a temática envolvendo os valores e princípios regentes das Forças Armadas sempre foi mote da campanha de Jair Bolsonaro, de modo que não causa estranheza a realização dos atos de campanha pelo referido investigado", disse.
O ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, manteve o ciclo de fidelidade ao ex-presidente, que o indicou para o cargo. Ele propôs multa de R$ 40 mil para Bolsonaro, sem inelegibilidade, e a absolvição de Braga Netto.
O primeiro dia de julgamento
O julgamento teve início no dia 24 de outubro. A primeira sessão foi ocupada pelas sustentações orais dos advogados, pela leitura dos relatórios - documentos que reconstituem o histórico de tramitação das ações - e pela apresentação do parecer do Ministério Público Eleitoral.
O vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gustavo Gonet Branco, reiterou o parecer enviado ao TSE e defendeu a condenação do ex-presidente por usar a estrutura pública para ter vantagem das eleições.
"Houve uma intencional mescla dos eventos oficiais com os particulares de campanha que os sucederam quase que imediatamente", afirmou. "Notou-se a proximidade física e cronológica dos eventos a ponto de se embaçar alguma linha divisória que tivesse sido estipulada entre eles."
Gonet argumentou que apoiadores pessoais de Bolsonaro estiveram presentes nos palanques oficiais e que a campanha do ex-presidente tentou "sensibilizar multidões de eleitores" para os atos de campanha.
Outro argumento do procurador é que o ex-presidente teria tentado passar a impressão de proximidade com as Forças Armadas, também em benefício da própria candidatura.
"A associação do candidato com o sugerido apoio das Forças Armadas se revela de sensível gravidade para a regularidade das eleições, tanto mais quando o candidato timbrava em pôr em dúvida a legalidade do sistema de votação e, notoriamente, mais do que sugeria para as Forças Armadas o exercício extravagante da tarefa de árbitro de suas queixas", afirmou.
O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto falou em nome de Bolsonaro. Ele negou que o ex-presidente tenha interferido na mudança do local das comemorações do bicentenário no Rio. Também alegou que os eventos de campanha e institucionais foram delimitados. Afirmou ainda que o uso da TV Brasil foi "fortuito" e que houve aumento nos gastos com as comemorações porque a data era simbólica, em homenagem aos 200 anos da Independência.
"Ainda que essas opiniões externadas na fase eleitoral do dia possam parecer exageradas aos olhos e aos ouvidos mais sensíveis, elas fazem parte da liberdade de expressão. A chave para a solução dessa questão está no vigoroso e disciplinado isolamento dos atos praticados ao longo daquele dia", afirmou.
O advogado Walber de Moura Agra, coordenador jurídico do PDT, falou em nome do partido e defendeu a condenação de Bolsonaro. Ele afirmou que o ex-presidente usou o dinheiro público, a estrutura do governo federal, a publicidade institucional e a TV Brasil para promover sua candidatura à reeleição.
"Nós estávamos comemorando os 200 anos da Independência do Brasil, nossa festa cívica mais importante, e essa festa foi profanada. Utilizou-se valores cívicos, militares e patrióticos para impulsionar uma candidatura presidencial", argumentou. "Esse procedimento permitiu o que? O proselitismo político."
A advogada Marilda de Souza Silveira, que representa a senadora Soraya Thronicke, foi na mesma linha e afirmou que Bolsonaro misturou o público e o privado e tentou fundir as cerimônias oficiais com os eventos de campanha.
"O que se viu foi o uso, com todo respeito, descarado da posição de chefe de Estado e estrutura dimensionada para o maior e mais importante evento cívico daquele ano com o objetivo claro de impulsionar a campanha", afirmou na tribuna. "O ex-presidente fez o que de mais grave um presidente da República pode fazer: explorar a sua atuação como chefe de Estado para fazer crer que a força do Estado lhe pertence, que o patriotismo é patrimônio seu."