Foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em maio deste ano, o projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil e que consiste na educação de crianças e adolescentes dentro dos lares, dada por tutores legais/pais e responsáveis. O homeschooling, caso seja aprovado pelo Senado, deverá seguir regras estabelecidas para quem optar por esse estilo de ensino.
A proposta faz mudanças nas Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, permitindo que estudantes da educação básica – da pré-escola ao ensino médio – possam aderir à modalidade. No entanto, no caso dos alunos que forem estudar em casa, os pais ou responsáveis deverão formalizar a decisão junto a uma instituição escolar credenciada e realizar a matrícula anual do estudante.
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A professora Ingrid Rodrigues, coordenadora do curso de Pedagogia na Uninassau – Belém, acredita que o projeto prejudica a formação integral do aluno, no que diz respeito à sociabilidade, ao aprender e conviver com a diversidade em sociedade. “A educação se dá em diálogo, em reflexão e problematização, sendo a escola uma instituição social responsável por preparar os alunos a conviverem em coletividade, em níveis diferentes em relação à família”, observa.
A professora afirma que o Brasil não possui estrutura para adotar essa modalidade em relação à supervisão e acompanhamento do ensino domiciliar. Segundo ela, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, há uma formação profissional para atender diferentes modalidades de ensino – educação de jovens e adultos, educação especial, educação a distância e educação bilíngue. “O que não é uma realidade da educação domiciliar, visto que ela fica a critério dos pais”, aponta.
Ingrid Rodrigues ressalta que promover uma educação de qualidade envolve os desenvolvimentos cognitivo, emocional, físico, social e cultural. No entanto, ela reafirma que o homeschooling não consegue proporcionar a formação integral do estudante, visto que o desenvolvimento dele na integralidade ocorre na escola, a partir de projetos pedagógicos orientados por profissionais da educação e da interação em coletividade.
“Em relação aos aspectos sociais, os efeitos do ensino domiciliar estão na dificuldade de interação social, visto que, com a vivência escolar, os alunos têm a oportunidade de trabalhar com mais intensidade suas habilidades socioemocionais”, acrescenta a professora.
O professor José Mateus Ferreira, secretário geral do Sindicato de Trabalhadores em Educação do Estado do Pará – Sintepp, afirma que essa proposta é uma das principais bandeiras defendidas pela ala conservadora do governo de Jair Bolsonaro e fere as conquistas democráticas de uma classe desfavorecida da sociedade.
Ele explica que a escola, além de possibilitar a formação integral do aluno, defende um ensino crítico capaz de transformar a realidade da juventude. “Negar a importância da escola é negar o conhecimento historicamente herdado e a construção do conhecimento científico, ou seja, o conhecimento formal que é mediado por professores em um espaço organizado por um currículo e por um projeto político pedagógico”, acrescenta.
José Mateus acredita que dar a responsabilidade desse ensino à família potencializa a dualidade educacional, pois não há uma preocupação em solucionar os problemas da escola, por meio de investimentos e da valorização dos profissionais da educação, mas sim em atender à base religiosa do governo Bolsonaro. “Portanto, a adoção desse modelo revela a retirada do direito à educação democrática e laica”, reitera.
O professor não vislumbra aspectos positivos a respeito do homeschooling por ele representar o risco de aumento das desigualdades sociais, desescolarização, desqualificação dos trabalhadores da educação e da violência. José Mateus define o espaço escolar como acolhedor e que traz proteção a crianças e adolescentes. “Muitos vão à escola para se alimentar”, exemplifica.
José Mateus reafirma que um dos impactos da ausência do acompanhamento dos professores seria na formação integral do aluno. “Formar um indivíduo requer o domínio do conteúdo, metodologias e uma práxis pedagógica que venham atender os níveis de ensino pelos quais os alunos deverão passar”, explica.
Na opinião da estudante Paula Farias, 16, o ensino domiciliar possui pontos positivos e negativos, mas ela acredita que não é a melhor opção para uma boa aprendizagem pela exclusão da escola na vida do ser humano. “O que futuramente pode gerar uma pessoa individualista, e pode prejudicar o desenvolvimento social das crianças e adolescentes, já que estes não terão convivência com colegas, e isso é fundamental”, aponta.
Ao pesquisar sobre o tema, Paula revela que também consegue enxergar o outro lado da moeda ao considerar a existência de crianças que nascem com algumas doenças ou dificuldades que as impedem de frequentar uma escola e conviverem com outras pessoas. “Sou completamente a favor da inclusão na educação. Mas o fato é que existem casos e casos, os pais devem observar o que é melhor para o bem-estar de seus filhos”, argumenta.
Para a jovem, o país não tem estrutura suficiente para fazer com que o homeschooling seja completamente eficaz e que, dependendo da quantidade dos filhos em uma família, os pais poderiam não saber distinguir o momento de agir como pais e a hora de serem professores. “Sabemos que trabalhar ensinando crianças e jovens não é uma tarefa fácil”, afirma.
Apesar de gostar de estar em casa, Paula comenta que não optaria por esse estilo de aprendizagem por acreditar que não se manteria focada o suficiente. “Gosto de aprender coisas novas e ler sobre diversos assuntos, mas eu não acredito que seria um ensino eficaz, pelo menos para mim”, diz.
A técnica de enfermagem Dayse Oliveira, 36, tem três filhos e duas já frequentam a escola. Ao pensar como mãe e na segurança delas, Dayse acredita que acharia o homeschooling excelente, porém afirma que o Brasil não tem estrutura para oferecer esse estilo de educação. “Para que isso fosse possível, hoje, os pais teriam que ter sido educados já pensando nessa modalidade de ensino”, opina.
No ponto de vista da técnica, frequentar a escola é extremamente importante e a convivência com outras pessoas também educa. “Na escola não se aprende apenas a ler e escrever, aprende-se também que nem tudo vai ser da forma e no momento que se quer”, observa.
Por Isabella Cordeiro (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).