Cinco anos após a legalização da maconha no Uruguai, há 47.970 consumidores registrados para se abastecer da droga por meio do cultivo próprio, nos 125 clubes de maconha e nas 17 farmácias que vendem a substância plantada pelo Estado. Mas a produção não é suficiente, o narcotráfico continua a ganhar terreno e o mercado ilegal de cannabis originária do Paraguai está longe de desaparecer.
Diego Olivera, secretário-geral da Junta Nacional de Drogas (JND), argumenta que uma das razões pelas quais muitos se voltam para o mercado ilegal é que as duas empresas produtoras de cannabis para o governo colheram menos que o esperado. "Cada empresa tem permissão para produzir até duas toneladas de flores secas de cannabis - o que é vendido é a flor, não a planta inteira -, mas nenhuma foi capaz de superar os 30% do permitido, cerca de 600 quilos por ano", diz o funcionário. A JND planeja autorizar mais três empresas a produzir a droga antes do fim do ano, o que permitirá uma colheita maior.
##RECOMENDA##
Outro problema apontado pelo próprio governo é a falta das farmácias autorizadas a vender maconha. São apenas 17, das quais 10 em Montevidéu. As demais estão em diferentes locais do interior. Há usuários forçados a viajar centenas de quilômetros para encontrar uma farmácia que lhes venda os 40 gramas que cada consumidor pode comprar por mês. Olivera argumenta que "há outras 30 farmácias que querem entrar no sistema, mas como o que é produzido é limitado, elas ainda não podem se habilitar". Todos os meses, nas 17 farmácias formam-se longas filas de consumidores esperando horas para obter um pacote pelo preço de US$ 1,2 por grama das quatro variedades de cannabis vendidas pelo Estado.
"Uma das razões pelas quais é produzido pouco é que as empresas preferem vender maconha para fora, em vez do Uruguai, pois se paga muito pouco; preferem vendê-la no exterior", diz Laura Blanco, uma das referências da cultura de cannabis do Uruguai. Militante da legalização, ela aconselhou o governo na regulamentação da lei. Países como a Alemanha compraram maconha do Uruguai para fins medicinais.
Laura alega que o principal problema está na lei, que estabelece um preço baixo do medicamento, para competir com os narcotraficantes. "O que não é levado em conta é que 40 gramas de flor não são o mesmo que 40 gramas de cannabis prensadas do Paraguai, com fungos, com o nitrogênio liberado pelo plástico no qual é embalado. São produtos diferentes."
Os consumidores alertam que os clubes de cannabis, que podem agora receber até 45 sócios, devem expandir esse número para 250 ou 300 para se tornarem lucrativos e a taxa não é tão cara. Hoje, para fazer parte de um clube de cannabis, no qual cada consumidor pode levar 40 gramas de drogas por mês, diz Laura, deve-se pagar uma taxa entre US$ 100 e US$ 300.
A legalização também não reduziu o crime. A guerra entre gangues de narcotraficantes é comum em alguns bairros de Montevidéu. Este é um fenômeno que se dirige para a fronteira. Por exemplo, em janeiro tentou-se passar 225 quilos de maconha do Paraguai ao Uruguai, ao longo da fronteira com o Brasil, no Chuí.
Eleição
Ante a possibilidade de que a Frente Ampla - a força política de centro-esquerda que governa o país desde 2005 - perca as próximas eleições em 27 de outubro, surge uma dúvida sobre o que acontecerá com a regulamentação da cannabis caso haja uma mudança política no país.
As últimas pesquisas divulgadas indicam que, embora a Frente Ampla continue sendo a força mais popular, com mais de 37% das intenções de voto; o Partido Nacional (centro-direita), o Partido Colorado (centro-direita), o Partido Independente (centro-esquerda) e o Cabildo Aberto (direita) estão em posição de, juntos, superar 50% dos votos. Caso se unam num segundo turno, em 24 de novembro, teriam condição de vencer a esquerda.
Existem aspectos da lei que não estão de acordo com os dois principais partidos da oposição, o Nacional e o Colorado. Além do fato de continuarem a entrar no país grandes carregamentos de maconha do Paraguai, e a guerra entre gangues de drogas estar cada vez mais evidente em algumas áreas do país, existem aspectos práticos da regulamentação que podem ser revisados. Um deles tem a ver com o fato de que, embora o sistema venha a ser autossustentável, o Estado ainda é obrigado a transferir dinheiro para o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca), responsável pelo controle da venda de maconha.
Os consumidores também alertam que mudanças devem ser feitas. Argumentam que os clubes de cannabis não são economicamente sustentáveis e a escassez do produto nas farmácias às vezes leva os fumantes registrados a recorrer ao mercado ilegal. Isso é compartilhado pela Frente Ampla, que em seu programa de governo expressa a necessidade de uma maior produção para chegar a todos os consumidores.
O programa da Frente Ampla também adverte que "serão promovidas ações de redução de danos para consumidores problemáticos de drogas ilegais, que serão financiadas com ativos apreendidos do narcotráfico", mas não fala nada sobre as drogas legais como a maconha.
20% de consumidores registrados
No Uruguai, um país com pouco mais de 3 milhões de habitantes, 238 mil pessoas com mais de 17 anos consumiam maconha em 2018, revelou a última Pesquisa Nacional de Consumo de Drogas pelas Famílias. Destes, apenas um em cada cinco era registrado para obter a substância legalmente.
"Isso não significa que todos aqueles que não estão registrados tenham se abastecido no mercado ilegal. Deve-se considerar que se trata de uma substância psicoativa de uso compartilhado. Para cada pessoa registrada para o cultivo doméstico, estimamos que existam pelo menos mais duas que têm acesso à cannabis", diz Diego Olivera, secretário-geral da Junta Nacional de Drogas.
Um estudo divulgado em setembro pela consultoria Factum alerta que enquanto em 2014 - quando as políticas de regulamentação começaram a ser implementadas - 9,3% da população uruguaia declarou ter consumido maconha, em 2017 esse número passou para 15,4%. No Chile, onde não foi realizada uma política de regulação, o consumo nesse período passou de 11,3% para 14,8%.
A Lei 19.172, que regulamentou a maconha no Uruguai, estabelece em seu artigo 12.º que a Junta Nacional de Drogas (JND) é "obrigada a realizar campanhas educativas, publicitárias e de divulgação e conscientização da população em geral sobre os riscos, efeitos e possíveis danos do uso de drogas".
Lacalle Pou, candidato a presidente pelo Partido Nacional, que não apoiou a liberação da maconha, mas concorda com o cultivo próprio, adverte que isso não é cumprido. É o que também diz Ernesto Talvi, candidato a presidente pelo Partido Colorado. "Um dos grandes erros cometidos no Uruguai foi liberalizar a maconha em uma atmosfera festiva. Algumas campanhas foram feitas, mas nestas os danos do consumo foram relativizados. Já existem pesquisas mostrando as consequências disso: segundo um estudo da JND, apenas 40% da população do ensino médio crê que o uso de maconha apresenta riscos à saúde", diz Talvi.
O Tribunal de Contas está analisando as finanças do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca), a agência responsável pelo controle da venda de maconha. Segundo o jornal El País do Uruguai, embora a estatal possa ser financiada sem assistência do Estado, a cada ano esse instituto recebe cerca de US$ 570 mil pelo que recebe das licenças e permissões para plantar e vender a droga. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.