O mercado de logística vem sendo palco de uma briga de cachorro grande como há muito não se via. Quem deflagrou o conflito foi a ALL, concessionária que detém quase metade da malha ferroviária do Brasil e tem entre os sócios os maiores fundos de pensão do País. Em 10 de outubro, anunciou que entrara na Justiça para questionar o contrato com um cliente tão grande quanto ela. Trata-se da Rumo, a maior empresa de transporte de açúcar do mundo, braço de logística do Grupo Cosan, que reúne negócios de açúcar e de energia.
O contrato, celebrado em 2009 entre ALL e Rumo e hoje questionado, é inovador para os moldes brasileiros: é de longo prazo - vale até 2015 - e une uma concessionária e seu cliente em um investimento de R$ 1,2 bilhão para a ampliação e modernização do sistema ferroviário. Poderia servir de inspiração para outras associações que atuam em benefício da logística nacional.
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No pacote está a duplicação da ferrovia da ALL que leva ao Porto de Santos, em São Paulo. A obra interessa não apenas aos sócios, hoje em pé de guerra, mas a todos os exportadores e ao governo. Vai desafogar a congestionada chegada a Santos. Por isso, o contrato chegou a ser avalizado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Os contratos de longo prazo, como esse, são importantes para o setor de logística porque dão previsibilidade para o sistema, diz o superintendente de infraestrutura e transporte ferroviário de carga da ANTT, Jean Mafra. Ocorre que a duplicação atrasou, o País colheu sucessivas safras de grãos recordes e a ALL não conseguiu cumprir o contrato.
No fim do ano passado, Rumo, Copersucar e Agrovia recorreram à ANTT para exigir que a ALL transportasse os volumes mínimos de açúcar definidos em contrato. Em setembro, a Rumo conseguiu uma medida cautelar contra a ALL para receber o previsto. Acatamos as reclamações porque tinham fundamentos, diz Mafra. Segundo ele, empresas de outros setores tentaram abrir processos contra a ALL, mas os pedidos não cumpriram os trâmites e não foram acatados. A ANTT não pode revelar quais são as empresas.
Hoje a ALL acusa a parceira de lhe impor um contrato escorchante. A Rumo, por sua vez, alega ter feito a sua parte e diz que a ex-parceira quer fugir de obrigações contratuais. Por solicitação da ALL, o processo corre em segredo de Justiça, o que dificulta a divulgação de vários detalhes da pendenga. Em retrospecto, essa é a maior briga que a ALL já comprou com um cliente. Mas não é a única. Nos últimos anos, a empresa vem amealhando clientes insatisfeitos.
Reclamações
Em 2002, a ouvidoria da ANTT registrou apenas duas queixas contra a empresa. Nos anos que se seguiram, de 2003 a 2007, o nível de satisfação atribuído a ela, porém, sempre ficou abaixo do esperado, segundo critérios da agência. De 2008 a 2011, quando foi publicado o último relatório da ouvidoria, a ALL foi, ano a ano, a recordista de queixas. Recebeu 132 no período, quase o triplo das 47 reclamações acumuladas contra a segunda colocada, a centenária estrada de ferro Vitória-Minas.
Pode-se alegar que o acúmulo de reclamações contra a ALL seja uma distorção numérica provocada pelo fato de a empresa gerir a maior malha férrea. No entanto, praticamente metade das queixas concentram-se na malha Sul, que vai do Paraná ao Rio Grande do Sul - região que, segundo os consultores de logística, concentra os trechos que exigem mais investimentos e é operacionalmente menos rentável.
Em 2011, preocupada com a falta de manutenção de vários pontos ao longo das vias férreas, a ANTT determinou que as concessionárias recuperassem 33 trechos subutilizados - 21 deles eram da ALL e 11 ficavam na malha Sul. As multas da ANTT contra a ALL também se tornaram expressivas, a maior parte delas por negligência na manutenção das linhas.
Em 2012, a ALL foi recordista em cobranças por infrações na agência reguladora. Das quase R$ 23 milhões de multas aplicadas pela agência, 90% foram para a ALL. A empresa tentou anular algumas delas e conseguiu desagradar outro órgão público: a Advocacia-Geral da União (AGU). Por meio da atuação de seus procuradores na Justiça, a AGU conseguiu uma sentença favorável para fazer valer os autos de infração que a ALL tentou anular.
Efeito colateral
Segundo Pedro Almeida, diretor de relações institucionais da ALL, a empresa é vítima dos efeitos colaterais da falta de infraestrutura e da morosidade dos licenciamentos ambientais no Brasil. Temos mais demanda do que conseguimos atender e, em alguns momentos, isso gera insatisfação entre os clientes, diz ele. Mas reforça que a empresa investiu R$ 11 bilhões para melhorar o atendimento.
Fomos a única concessionária que construiu 200 quilômetros de ferrovia, para alcançar a cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso, e melhorar o atendimento ao Centro Oeste. Também estamos duplicando o trecho até Santos - a obra só atrasou por causa da dificuldade com licenças ambientais. diz Pedro Almeida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.