Mário Torós, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e um dos fundadores da Ibiuna Investimentos, afirma que, em um contexto de fortalecimento do dólar no mundo, a mudança estrutural na taxa de juros no Brasil leva o real a se depreciar com mais intensidade do que as divisas de outros emergentes. "O BC tem atuado reconhecendo esse cenário. Há todo um arcabouço de fluxo no balanço de pagamentos que muda por causa do diferencial de juros."
Torós enumera outros fatores internos ligados a esse novo quadro doméstico e que, em maior ou menor grau, também pesam no câmbio: empresas estão trocando dívidas em dólar por real e a contratação de hedge ficou mais barata.
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Ao avaliar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), cita a produtividade muito baixa por trabalhador como um fator limitador. "Isso está associado a um custo muito alto de produção, a questão tributária lamentável, infraestrutura e o principal dos fatores, a educação." A seguir, os principais trechos da entrevista.
No cenário externo, não há mais incertezas do que pode estar sendo considerado?
Não. Importante falar que o determinante externo da taxa de juros e das variáveis macroeconômicas é sempre mais relevante. Para as curvas de juros no Brasil, tão importante quanto a aprovação da reforma da Previdência foi o movimento de taxa de juros nos EUA. Em dezembro do ano passado, o Fed (banco central americano) estava subindo a taxa e, meio ano depois, estava baixando. Foi uma mudança importante do Fed, que refletiu nos ativos do Brasil. Tanto é que isso talvez tenha sido o principal fator para o retorno do fundo Ibiúna Hedge STH, que está ganhando 280% do CDI este ano.
E agora estamos em um ambiente de flexibilização da política monetária global...
Antes disso, ainda em maio, vimos que o cenário de desaceleração cíclica levaria a um pouso suave na economia, o que não significa uma recessão nos EUA e um cenário positivo para ativos de risco. Só que, naquele mês, houve o primeiro tuíte do presidente Donald Trump que começa a acirrar a guerra comercial com a China. Surge um cenário alternativo, com a possibilidade de esse pouso suave se transformar em mais recessivo. Isso reforçava a visão de que os juros iriam mais para baixo. Isso ficou presente até julho e agosto.
E agora que tivemos a reunião tanto do Fed quanto do Copom, qual a perspectiva?
Por enquanto, o risco da guerra comercial diminuiu. Acho que começou a ter impacto na própria economia americana, aumentou a preocupação e, de fato, parece ter havido uma certa trégua. O movimento que o Fed fez agora na última reunião e a mensagem que passou é de que os EUA estão num pouso suave. A economia realmente está desacelerando. Na nossa visão, a forma como isso está ocorrendo é muito boa para ativos de risco de uma forma geral. E inclusive para ativos de emergentes. E, nesse sentido, o Brasil que já foi bastante beneficiado, pode continuar sendo.
O País tem conseguido acompanhar o movimento global de flexibilização da política monetária com a Selic em uma mínima histórica. O que esperar?
De alguma forma, o Brasil tem conseguido espaço para fazer essa política anticíclica, baixando os juros em vez de subir, assim como teve em 2008, como resultado de um duro trabalho de uma política econômica que permitiu isso. Agora, estamos colhendo os primeiros frutos de uma política fiscal que está andando com a monetária. E isso foi possível quando se passou a ter uma política fiscal mais restritiva, apesar de ainda termos déficit nas contas públicas.
O que tem tido impacto no câmbio?
Estamos vendo as empresas, que antes se endividavam em dólar, se endividando em real, porque o juro está mais baixo. Fazer hedge também ficou mais barato do que no passado. Existe um conjunto de fatores que está afetando a taxa de câmbio. Esse é um fenômeno que está em curso e a gente não sabe em que momento vai parar. Em câmbio se diz 'never say never'. Temos de observar.
O BC deveria intervir no câmbio apenas pelo nível da taxa?
Acho que não. Mas o câmbio a R$ 4,20 não é muito? Não, não é. Não existe câmbio justo. Existe o câmbio que o mercado está dando, principalmente com o juro muito mais baixo. Eventualmente, é preciso fazer uma intervenção, mas o BC já indicou que não fará.
Falando um pouco de PIB, por que o Brasil tem crescido tão pouco na pós-recessão?
Cresce pouco porque, primeiro, existem problemas estruturais seriíssimos, o que se traduz em produtividade muito baixa por trabalhador. Um trabalhador no Brasil produz US$ 30 mil e um nos EUA, US$ 120 mil. Isso está associado a um custo muito alto de produção, à questão tributária lamentável, à infraestrutura e o principal dos fatores, à educação. Conjugado a isso, houve uma política que gerou desequilíbrios macroeconômicos. A política econômica teve de ser consertada e estamos nesse processo de fazer da forma correta. Não há mágica, nem atalho para o crescimento sustentado. É preciso persistir nessa agenda que está sendo adotada, que os resultados vão aparecer. Chegamos muito perto do fundo do poço e, para voltar, tem de persistir. Nada de querer acelerar. O exemplo da nova matriz econômica é para ficar guardado para lembrar o desastre que foi o resultado e que estamos pagando até hoje.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.