A alimentação escolar é uma importante política estratégica para o enfrentamento de problemas sociais mundiais relacionados à nutrição precária decorrente da má alimentação. O Brasil tem um programa exitoso que serve de modelo a vários países no fortalecimento de suas próprias experiências, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). As afirmações são de Najla Veloso, coordenadora de um projeto para o fortalecimento de programas de alimentação escolar na América Latina e Caribe, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
“A obesidade, o sobrepeso, esses temas relacionados a doenças e enfermidades crônicas não-transmissíveis são vinculados à má nutrição e ao consumo de alimentos ultraprocessados, articulado com a falta de atividade física, com maus hábitos de consumo e a falta de educação de gerações anteriores de decidir e ajudar nossas crianças e adolescente a comer aquilo que deve ser comido”, disse Najla.
Para ela, é fundamental que a escola seja esse espaço de consciência e compromisso em mostrar que a educação alimentar e nutricional é um tema importante para a sobrevivência. “Esse debate não é muito antigo. Falamos de fome por muitos anos e falamos pouco da qualidade do que se come”, ressaltou ela.
O projeto coordenado por Najla é uma cooperação do Brasil, por meio do FNDE, com a FAO e países da América Latina e Caribe, para compartilhar a experiência de 62 anos do Pnae. Desde terça-feira (3), representantes de 24 países estão reunidos em Brasília para discutir o papel da alimentação escolar e compartilhar experiências sobre a educação alimentar e nutricional, no Congresso Internacional de Alimentação Escolar.
“O objetivo é que se construa conhecimento para gerar empoderamento das pessoas que estão aqui para usar o tempo e o espaço que a escola oferece para fazer essa relação importante entre o que se come e os conhecimentos relacionados ao que se come”, disse Najla, destacando os aspectos antropológicos, sociológicos, econômicos, éticos, nutricionais e todas as diversas dimensões que os alimentos têm. “E ter como resultado, por exemplo, adolescentes que saibam a importância de amamentar seus filhos, que sejam mães mais comprometidas com a qualidade do que vão comer suas famílias. E os adolescentes homens que vão entender que cozinhar é tarefa de todo mundo, que cozinhar é uma questão de sobrevivência”.
A inclusão desse paradigma no Pnae se deu no Brasil a partir de 2009 com a Lei da Alimentação Escolar, que, além do acesso a alimentos saudáveis, trouxe a educação alimentar e nutricional como um dos seus eixos.
Segundo Najla, o Pnae é considerado um dos melhores programas de alimentação do mundo pelas suas recomendações nutricionais, pela abrangência – ele atende 41 milhões de estudantes –, e pela inovação promovida pelo Brasil, que é a compra pública de produtos da agricultura familiar para a merenda escolar.
A Lei da Alimentação Escolar determina que pelos menos 30% dos recursos que são transferidos do governo federal para os entes municipais e estaduais sejam destinados à aquisição de produtos da agricultura familiar. “É algo que faz diferença na hora de executar um programa sustentável”, disse a coordenadora-geral do Pnae, Karine Santos.
Entretanto, a meta ainda não foi alcançada. Segundo Karine, em 2010, quando o governo iniciou as aquisições da agricultura familiar, o índice era de 4,8%. Em 2016, ele chegou a 24,84%, um incremento de 3,32% ao ano.
Para a coordenadora da FAO, Najla Veloso, é importante destacar ainda o desenvolvimento socioeconômico do Pnae, já que esses recursos são destinados a pequenos agricultores familiares, “muitos deles pelejando para sobreviver”. “Temos no Brasil experiências maravilhosas de oferta de filé de tilápia, por exemplo, preparadas pelos pescadores locais. Mas já tivemos meninos da ilha de Fernando de Noronha comendo atum enlatado vindo dos Estados Unidos. No Caribe isso ainda acontece”, contou.
Comunidade escolar
Entretanto, Najla diz que o Brasil ainda precisa aumentar o envolvimento da comunidade escolar nos programas de educação alimentar e nutricional, elemento bem desenvolvido em países como República Dominicana, El Salvador, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Paraguai. “Eles têm uma fortaleza que é o fato de que começaram a discutir a alimentação escolar com mães e pais voluntários. É uma debilidade porque esses profissionais não são remunerados e gastam seu tempo ali com uma responsabilidade que é do estado. Mas é uma fortaleza no sentido de que é uma comunidade escolar comprometida com o que o filho come”, disse.
A articulação interinstitucional em nível local e o protagonismo e envolvimento comunitário também precisam ser melhor desenvolvidos no Brasil, para a coordenadora da FAO.
Política irreversível
Najla conta que chegou a ser discutido no âmbito da atual gestão do governo federal a possibilidade da anulação do decreto que obriga os 30% de recursos para a agricultura familiar. “Porém, a força que isso alcançou aqui dentro com a sociedade civil, cooperativas de agricultores, várias entidades vinculadas em nível local e nacional, isso tudo agregado foi um impeditivo para que essa discussão avançasse”, disse.
Para ela, é um movimento irreversível pela forma como o Pnae foi articulado pelos diversos segmentos da sociedade. “Ela se instituiu como uma política forte a ponto de ser proposta uma lei para tornar a corrupção com a alimentação escolar um crime hediondo”, disse, contanto sobre o projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional.
Boas práticas
O FNDE conciliou o congresso internacional com a premiação do concurso Boas Práticas da Agricultura Familiar para a Alimentação Escolar. Vinte e cinco iniciativas foram premiadas e estão relatadas no Caderno de Boas Práticas de Agricultura Familiar para a Alimentação Escolar, lançado durante a premiação. A versão virtual do caderno estará disponível em breve no portal do FNDE e a lista das experiências vencedores está na página do concurso.
São iniciativas executadas por secretarias estaduais e municipais que têm contribuído para o bom funcionamento das ações que envolvem a alimentação escolar nas regiões brasileiras. Segundo Karine Santos, o caderno traz ainda temas que envolvem a agricultura familiar, como o cooperativismo, a associativismo e importância de alimentos regionais.
Um das iniciativas destaque é a da Secretaria Estadual de Educação do Paraná, que consegue cumprir a meta de investir mais de 30% dos recursos da alimentação escolar na agricultura familiar. É a única secretaria estadual premiada. “A secretaria estadual tem um papel estratégico diferenciado pelo volume de recursos que recebe, pelo número de alunos que atende e pela própria dimensão territorial de execução de programa”, disse Karine.
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