"Bissexuais só estão confusos", "os bi estão sempre em cima do muro", "vocês precisam decidir um lado. São indecisos". Frases como essas são direcionadas com frequência aos bissexuais e criam, muitas vezes, um estigma negativo do segmento, que integra a sigla LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, intersexuais). No Brasil, o grupo ainda luta pelo reconhecimento da orientação sexual independente e por isso, neste domingo, dia 23 de setembro, celebram o Dia Internacional da Visibilidade Bissexual.
Os bissexuais são pessoas que podem se atrair por outras do mesmo gênero, do gênero oposto e até por quem se identifica como sendo não-binário, nem homem e nem mulher. A data foi criada no ano de 1999 por três ativistas norte-americanos bissexuais, Wendy Curry, Michael Page e Gigi Raven Wilbur, justamente porque as demandas da população bissexual eram ignoradas pela sociedade. Em 2018, a data completa 19 anos, mas a bissexualidade continua alvo de preconceito e as pessoas ainda entendem a categoria como sendo alguém metade homossexual e metade heterossexual.
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Preconceito em dobro
Mulheres bissexuais sofrem com um tipo mais constante de violência psicológica por parte de parceiros e também de parceiras. Em 2015, um estudo realizado pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres publicado na revista científica “Journal of Public Health” atestou que as mulheres bissexuais sofrem mais problemas de saúde mental do que as mulheres lésbicas. O estudo mostrou que as bissexuais são mais marginalizadas, inclusive na comunidade LGBTI+. De acordo com a pesquisa, as bissexuais têm 64% mais chance de enfrentar distúrbios alimentares do que as lésbicas; 37% a mais de chance de praticarem automutilação; e são 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão.
O estudo concluiu que apesar das mulheres bissexuais não “apanharem na rua” pela sexualidade, acabam comunicando menos sua orientação sexual a amigos, familiares e companheiros e podem permanecer “no armário” por muito mais tempo do que gays e lésbicas. “Bissexuais têm um risco maior de serem marginalizadas nas comunidades gays, assim como no resto da sociedade”, indicou Ford Hickson, principal autor do artigo científico. Segundo ele, apesar de as bissexuais do estudo sofrerem menos discriminação, elas tinham mais problemas relacionados à saúde mental. Lisa Colledge, coautora da análise, afirma que os resultados são semelhantes ao de outros trabalhos que traçaram as diferenças entre bissexuais e homossexuais.
Registro da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa, em Portugal. Foto: Mafalda Esteves/Coletivo Pela Visibilidade Bissexual
Um outro estudo, realizado nos Estados Unidos, o BiNetUSA, Bisexual Resource Center e Movement Advancement Project (MAP) revelou que pessoas bissexuais têm até seis vezes mais chance de esconder sua orientação sexual em relação a gays e lésbicas. De acordo com o levantamento, apenas 28% das e dos bissexuais afirmaram que as pessoas mais próximas sabiam sobre sua orientação sexual. Em comparação com 77% para homens gays e 71% para lésbicas.
Mulheres bissexuais o tímido “B” na sigla LGBTI+
Em entrevista ao LeiaJá, a estudante Sara Fogo, 26, contou que sua descoberta enquanto mulher bissexual foi tranquila porque a família trabalha no ramo da arte e já tinham um maior desprendimento das normas sociais. Ela aponta que na sociedade as pessoas estão acostumadas a pensar dentro de uma caixinha e são ensinadas a gostar ou de homem ou de mulher. “Um dia, o meu marido falou para mim que também gostava de meninos e eu fiquei pensando sobre isso. Pouco tempo depois, comecei a conhecer mulheres e a gente lida bem com isso”, explicou a estudante.
Sara destaca, no entanto, que apesar do casal ter uma percepção boa sobre a sexualidade do outro, a sociedade ainda precisa evoluir muito na tolerância as diferenças. “Sofremos muito preconceito, principalmente da comunidade LGBT que no geral são muito machistas. Os bissexuais lutam pela libertação tanto do homossexual, da mulher lésbica, da heteronormatividade. O que parece é que as pessoas esquecem o “b” da sigla LGBT, muitas vezes nem mencionam. As pessoas sempre falam as mesmas coisas, sobre a nossa decisão, se gosta de homem ou de mulher, é um dualismo que torna até mais difícil a nossa própria compreensão diante de tantas barreiras”, afirmou a estudante.
Sara Fogo ao lado do marido José Terceiro durante a Parada da Diversidade, na orla da Praia de Boa Viagem. Foto: Arquivo Pessoal
A pesquisadora Mafalda Esteves, que participa do Projeto de investigação: “Sexualidades invisíveis: Cidadania Íntima e bem-estar psicossocial na Bissexualidade", afirma que a bissexualidade tem ocupado um lugar precário, sendo percebida quer como uma sexualidade “invisível” que dificulta a possibilidade de a imaginar. "Ao pensar nos estereótipos sociais negativos em torno das pessoas que se definem como bissexuais, vários estudos mostram que é comum estarem associadas a um conjunto de ideias: são pessoas “promíscuas”, são “sexualmente insatisfeitas”, “obcecadas sexualmente”, incapazes de se comprometer em relacionamentos, o que significa que são frequentemente vistas como uma opção de parceiro não confiável e instável, de alguém que não sabe exatamente o que quer", publicou.
De acordo com Mafalda, a bifobia, termo usado para descrever o medo de, aversão à, ou discriminação contra bissexualidade, recebe menos atenção do que a homofobia. Para Sara Fogo, as pessoas cobram que se alguém tiver em um relacionamento com um homem é porque é hétero e isso exclui a bissexualidade. “Como eu e meu marido somos bissexuais, as pessoas acham que é casamento de fachada, como se ele fosse viado e eu lésbica. A gente se ama e tem um carinho e podemos gostar fisicamente de outra pessoa. No meio LGBT ainda rola muita repressão não só em relação a cor, feminilidade. É muita invisibilidade, as pessoas não não te dão voz, ninguém quer te escutar justamente pelo que você é”, pontuou.
Sara percebe que bissexuais sofrem uma invalidação constante de suas preferências, desejos e anseios. “Somos alvo de uma sexualização muito grande a partir dos homens, para eles é um fetiche se relacionar com uma mulher bissexual. Parece que a gente tem que fazer tudo porque somos bi. Não é bem assim”, lamentou.
Michael Page criou a bandeira bissexual, hoje conhecida apenas como a bandeira bi, em 1998. O símbolo é composto de três faixas horizontais, a de cima é rosa escura, a do meio é roxa, e a de baixo é azul.
A gerente de um café, de 28 anos, que preferiu não ser identificada, conta que aos 22 anos passou pela descoberta de que era bissexual. Apesar de não se declarar ativista da luta LGBTI+, ela conta que a invisibilidade do bissexual é uma realidade. “Vejo muito preconceito do segmento homoafetivo, principalmente das lésbicas. Já rolou interesse de mulheres gays, mas quando souberam que sou bi, fugiram e não quiseram se relacionar comigo. Tenho preguiça de pessoas assim, eu acho que isso passa pela intolerância, da mesma forma como o segmento heterossexual. Muitas vezes evito frequentar locais declaradamente LGBTs porque ainda há muitas barreiras porque eu sei que não estarei incluída”, contou.
De acordo com a psicóloga Verônica Morais, que atualmente trabalha no Instituto Boa Vista, dentro do segmento ainda é existe o preconceito porque o bissexual é visto como indeciso, de quem não tem coragem de assumir o lado que gosta. Apesar disso, ela é otimista com o futuro. “Acho que hoje em dia há uma mudança no posicionamento das pessoa. A sexualidade está se expandido muito, as letras da sigla estão aumentando e há mais liberdade. Produtos culturais como novelas, filmes ajudam a partir do momento em que chegam para a população tratando da temática", afirmou.
Nas redes sociais, a categoria também se une para lutar contra o preconceito. No Facebook, o coletivo Bi-sides é voltado a pessoas que sentem atração por mais de um gênero. Uma outra página é a "Bissexuais Existem", com 140 mil curtidas e procura sempre publicar mensagem para esclarecer as questões do segmento e relatar casos de preconceito.
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