O estudante de psicologia Wagner Bourbon provavelmente nunca se esquecerá de sua primeira atividade prática de acolhimento. Se, para alguns, as primeiras experiências profissionais envolvem funções burocráticas e pouco instigantes, para o jovem de apenas 26 anos, foi o momento de salvar uma vida. “Uma moça bastante angustiada me procurou. Eu perguntei como essa pessoa estava se sentindo e ela chorou, duas vezes. Apesar disso, conforme ela se foi falando, foi se sentindo mais aliviada”, lembra. Um abraço e um agradecimento sincero encerraram a conversa. “Nós também somos humanos e vamos nos afetando com as questões que chegam para gente, esse momento foi muito marcante. Quando percebi que ajudei de verdade essa pessoa, fiquei aliviado”, conta Wagner, um dos quatro alunos que integra o projeto 'Cuidar', da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), criado há pouco mais de um ano para atender indivíduos vulneráveis ao suicídio.
Para Wagner, além de ajudar quem precisa de auxílio psicológico, o 'Cuidar' é uma possibilidade de entrar em contato com a prática clínica. “É algo que falta na academia, embora seja fundamental. Através dessas experiências vamos enriquecendo nosso currículo. Sairemos da universidade com uma certa bagagem. Sem falar no contato com as vivências de outras pessoas, que é muito transformador”, conclui Wagner.
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A professora do curso de psicologia da UFPE e coordenadora do projeto, Rosinha Barbosa, explica que a iniciativa faz parte do programa “guarda-chuva” - Investigando ações que promovam resiliência e previnam comportamentos suicidas - composto por um um total de 19 estudantes. “Dei a ideia aos alunos de criar um programa voltado para a prevenção do suicídio durante uma aula e a turma inteira disse que me ajudaria. Realizamos uma disciplina voltada para a fundação, inicialmente, de um projeto. A turma o desenvolveu comigo”, conta Rosinha. Embora os acolhimentos existam desde o ano passado, agora o programa conta com novas iniciativas, como palestras e oficinas.
O segundo andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), prédio marcado pelo lamentável histórico de suicídios, abriga a iniciativa de acolhimento. “Nele, os estudantes recebem quem necessita de ajuda em geral, não apenas porque corre risco de suicídio. São feitas as escutas e dado um encaminhamento”, explica Rosinha. Já o projeto 'Cuidar' é específico para a prevenção ao suicídio e atualmente é operacionalizado no prédio do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da UFPE. “No plantão psicológico, os alunos atendem em duplas. Uma vez por semana, eles participam de orientação com os professores, em que discutem os casos e são supervisionados”, completa Rosinha.
A estudante Nathália Souza se esforça para conciliar aulas, trabalhos, provas e vida pessoal com as demandas do programa, sem receber nenhum pagamento por isso. “Participo do acolhimento, do projeto Cuidar e dou palestras em escolas. São experiências incríveis”, comenta. Entre os pacientes, os perfis são os mais diversos: muitos sofrem de ansiedade, já foram diagnosticados com depressão, acabaram de sair de um relacionamento ou perderam um emprego. “Algumas pessoas chegam aqui bastante abaladas, com necessidade real de escuta. Recentemente, chegou uma pessoa que precisava muito ser ouvida e não se sentia confortável para falar com amigos ou familiares, nem tinha condição financeira para pagar um psicólogo. Ela saiu se sentindo melhor e recebeu um direcionamento”, afirma.
Nathália exalta as experiências proporcionadas pelo projeto. (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
Suicídio: uma epidemia silenciosa
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 mil pessoas tiram a próprio vida por ano em todo o mundo. Apesar disso, a instituição costuma se referir ao suicídio como uma “epidemia silenciosa”, devido ao fato de que muitas tentativas ou mesmo mortes não são notificadas. “Atualmente, o suicídio acomete principalmente crianças, adolescentes e jovens adultos, embora no passado, vitimasse pessoas bem mais velhas. As pessoas se sentem mais sós e sofrem muito com o individualismo das outras”, comenta Rosinha. Entre os jovens brasileiros de 20 a 24 anos, por exemplo, em 2007, o suicídio chegou à taxa de 5,4 para cada 100 mil habitantes, segundo a pesquisa “Suicídio de universitários: o vazio existencial de jovens na contemporaneidade”, de Elza Dutra.
No ambiente acadêmico, o suicídio é especialmente preocupante. Outro estudo da pesquisadora aponta ainda que, dos 637 estudantes de dois cursos de psicologia da cidade de Natal, Rio Grande do Norte, 52,45% declararam que sentiam vontade de morrer e outros 48 alunos haviam tentado se matar. Dutra também ouviu alunos de uma instituição de ensino superior pública da Paraíba, onde obteve dados ainda mais alarmantes. Entre os 374 alunos que responderam ao questionário, 43 já tinha tentado suicídio.
“O projeto Cuidar começou porque o CFCH registrou cerca de dez suicídios nos últimos anos. Essa temática precisa ser tratada como um problema de saúde pública, com mais iniciativas de prevenção”, declara Rosinha. A professora alerta que é importante nutrir vínculos positivos, ser reconhecido e aceito pelas pessoas. “São os fatores protetores. Pessoas que fogem aos padrões normativos da sociedade, como grupos como lésbicas, gays e transexuais, são mais vulneráveis e, por isso, temos atividades específicas para eles. O mais importante é sempre buscar reconhecimento em nós mesmos”, conclui.
Serviço//Acolhimento
Horário:Das 09h30 às 11h30
Dias: Toda quinta
Local: Segundo andar do CFCH-UFPE, Cidade Universitária, Recife-PE
Gratuito
Projeto Cuidar
Horário: Das 14h às 17h
Dias: Toda quinta
Local: Serviço de Psicologia Aplicada, R. Acdo. Hélio Ramos, Várzea, Recife-PE
Gratuito