Uma nova ocupação está sendo erguida no Recife. Intitulada ‘Contra o Golpe’, a ocupação é formada em sua maioria por famílias que sofreram reintegração de posse em um terreno do Walmart, no bairro de Areias, Zona Oeste do Recife, na última quinta-feira (28). A expectativa é que 60 famílias passem a viver ali.
Os barracos estão sendo levantados numa área cheia de mato localizada entre a PE-05 e a Rua Francisco Tôrres, no bairro da Caxangá, Zona Oeste do Recife, na divisa com o município de Camaragibe. O terreno pertence a União – segundo informações, é da Justiça Eleitoral. A expectativa é que todos os ocupantes estejam no local até o sábado (7).
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Na manhã desta terça-feira (3), o movimento ainda era tímido no local. Segundo os presentes, muitas pessoas estavam trabalhando ou estavam na casa de parentes. Do lado de fora, cartazes pedem doações de alimentos e itens de higiene. Dentro, uma cozinha comunitária preparava o almoço com alimentos doados.
A invasão é organizada pelo Movimento Urbano dos Trabalhadores Sem Teto (MUST) com apoio do Partido da Causa Operária (PCO). Ao longo de toda a fachada, cartazes pedem a soltura de Lula e chamam o processo de prisão de golpe. Maurício Santana, coordenador do MUST, alega, entretanto, que o nome da ocupação foi sugerido pelos próprios ocupantes em assembleia.
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Da ocupação do Walmart, eles não conseguiram levar muita coisa. Kátia Bezerra, de 57 anos, por exemplo, diz que perdeu geladeira, fogão e telhas. Trouxe consigo um zumbido na orelha, das balas de borracha disparadas pela Polícia Militar no dia da reintegração. Pretendem viver no novo terreno ela e mais três irmãos. “Não desisto de conseguir minha casa, mas essa eu já acho maravilhosa”, diz ela apontando para um casebre de pedaços de madeira e com lona plástica servindo de telhado. Kátia tem dificuldades de movimentação, com dores nas pernas e coluna.
O terreno de cerca de 2150 m² é lamacento, cheio de formigas, mosquitos e abelhas. Disseram ter encontrado um ninho de cobra. Um sagui passa ligeiro nos galhos das árvores. Muitas plantas estão sendo cortadas para os barracos serem erguidos. O terreno não é plano, sendo um grande desafio, por exemplo, para Kátia, que transformando um galho de árvore em bengala, caminha pelo local vagarosamente.
“As pessoas estão com medo”, diz Prazeres Alves, 40, que, sabendo apenas ler, só consegue dizer seu número de telefone quando o escreve no braço. O fraco letramento não é empecilho para ela que ocupou uma posição de liderança desde a ocupação do Walmart. Prazeres conta que os ocupantes estão traumatizados e muitos ainda não se firmaram no local por temerem uma nova visita da polícia. “Da outra vez eles chegaram muito rápido. Não deu tempo para cuidar dos idosos, para tirar as crianças. Para as crianças, uma reintegração é algo muito traumático”, ela destaca.
Segundo Maurício Santana, o coordenador do MUST, já está havendo movimentação para conseguirem direito ao terreno. Na manhã desta terça-feira, eles entregaram na Superintendência do Patrimônio da União de Pernambuco (SPU) uma solicitação para a Concessão de Direito Real de Uso. “Quem vive de ocupação sempre tem medo, mas acreditamos que aqui vai dar certo. É um terreno ocioso”, complementa. Ele alega que o movimento não cobra taxa de moradores e qualquer tipo de coleta de dinheiro conta com a participação apenas daqueles que podem doar e é revertida diretamente para o local. Nos primeiros dias, conseguiram energia elétrica e água com o vizinho, que tem apoiado o movimento.
“Estamos querendo que aqui tenham apenas famílias que realmente precisam. A gente sabia desse local há uns dois anos e estava organizando para o pessoal de outra localidade vir para cá. Eles até reclamaram, mas é que esses aqui estavam com mais necessidade”, continua Maurício.
Das 60 famílias, o MUST contabiliza que 50 vieram do terreno do Walmart e 10 de comunidades ribeirinhas da região. Uma família, porém, veio de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco: Joseane Costa, Antônio Barbosa e seus três filhos. Antônio perdeu seu emprego em um lava jato e não conseguia mais pagar o aluguel. Disse que o proprietário da casa permitiu que entrassem na casa e levassem seus eletrodomésticos. Sobraram apenas um colchão e uma estante. Para Joseane, que por muitos anos foi moradora de rua, dormindo nas calçadas do Recife, o barraco é até bem vindo, mas o futuro é que assusta. “Não sabemos como vamos fazer para ganhar dinheiro”, diz em tom de lamento.