Foi por meio de um e-mail do novo diretor presidente da Odebrecht, Ruy Sampaio, que o empresário Marcelo Odebrecht soube, nessa sexta-feira (20), de sua demissão da própria empresa - por justa causa e sem direito a indenização.
A ordem partiu do pai de Marcelo, Emílio Odebrecht. O ex-presidente do conglomerado e um dos pivôs da Operação Lava Jato recebia algo em torno de R$ 115 mil por mês e tinha uma estrutura bancada pelo grupo. A partir de agora, ele terá de arcar com os benefícios perdidos, como secretária, motorista, advogados e assessoria de imprensa.
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O Estado apurou que a justificativa para a demissão por justa causa está relacionada ao entendimento de que Marcelo cometeu crimes de extorsão e ameaça contra a empresa, como pedir contrapartida financeira do grupo para fechar acordo de delação com o Ministério Público Federal. Executivos considerados próximos ao herdeiro devem ser desligados nos próximos dias.
Embora estivesse afastado de funções executivas desde sua prisão, em 2015, Marcelo ainda constava como funcionário licenciado da empresa. A demissão do executivo foi uma das recomendações dos monitores externos independentes do Ministério Público Federal e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Em nota, a Odebrecht afirmou que a recomendação foi acatada e aprovada em 24 de outubro pelo Conselho de Administração da holding, que era presidida por Sampaio, desafeto de Marcelo e homem de confiança de Emílio Odebrecht.
A decisão final, no entanto, só foi efetivada ontem, após Sampaio assumir a presidência do grupo no lugar de Luciano Guidolin, no início da semana - um dos motivos da troca de comando teria sido a demora de Guidolin executar o pedido de demissão de Marcelo, dizem fontes ligadas à empresa.
Em nota, o empresário afirmou que sua demissão "é apenas a demonstração inequívoca de mais um ato de abuso de poder do atual presidente da Odebrecht, que, na tentativa de paralisar a apuração pelo compliance de fatos que lhe atingem e que deveriam estar protegidos por sigilo, retalia o denunciante como forma de intimidá-lo". Marcelo é acionista minoritário, com participação de 2,69%, da Kieppe, holding por meio da qual a família controla a Odebrecht.
Nos últimos dias, ele vinha fazendo uma série de acusações, via imprensa, contra o pai, o cunhado Maurício Ferro e Sampaio. O Estado apurou que Emílio vinha amadurecendo a ideia da demissão há algum tempo para dar um basta aos ataques de Marcelo. Amigos próximos afirmam que o patriarca tentou falar com o filho no fim de semana para uma possível trégua, sem sucesso.
Briga familiar pública
A relação entre Emílio e Marcelo nunca foi muito amistosa, segundo fontes próximas à família. Marcelo competia com o pai pelo controle da empresa, disse um executivo que trabalhou com ambos. Nas reuniões, discordava do estilo de gestão do pai e, por vezes, causava constrangimento entre os executivos.
A situação piorou depois do início da Operação Lava Jato. Marcelo se sentiu traído ao ser condenado sozinho enquanto outros executivos ficaram livres, entre eles seu cunhado Maurício Ferro, casado com Mônica Odebrecht. Desde que saiu da prisão, em dezembro de 2017, Marcelo vem trabalhando para reunir provas contra o cunhado e outros executivos. Em setembro, o empresário obteve a progressão da pena para o regime semiaberto e passou a frequentar a sede da empresa, em São Paulo.
Nas últimas semanas, ele voltou ao ataque com uma série de críticas em relação à condução dos negócios da empresa e acusou o pai de ter levado à companhia à recuperação judicial. A sequência de acusações gerou preocupação em relação às negociações com credores, que poderiam voltar atrás nas conversas.
A troca na presidência da Odebrecht chegou a ser considerada positiva para o plano de recuperação do grupo, que tenta negociar uma dívida de R$ 100 bilhões e manter a empresa de pé. Na próxima semana, os responsáveis pela recuperação vão ter nova rodada de conversas com bancos credores para explicar as mudanças.
Maurício Odebrecht ganha força
A disputa de poder entre Marcelo e Emílio Odebrecht no grupo Odebrecht traz aos holofotes outro integrante da família: Maurício Odebrecht. Aos 47 anos, o herdeiro nunca exerceu funções executivas no conglomerado baiano, mas, desde dezembro de 2017, faz parte do conselho de administração do grupo.
Maurício está sendo preparado para assumir um papel mais importante na Kieppe, holding da família que controla Odebrecht e que tem Emílio no comando. Ele conta com o apoio de suas duas irmãs - Mônica e Márcia -, que estão alinhadas ao pai nesse litígio em família.
Até então, Maurício era responsável pela gestão de outros negócios da família, como propriedades agrícolas. O irmão mais novo de Marcelo não deverá atuar como executivo do grupo, mas deve permanecer como braço direito do pai na holding Kieppe. O herdeiro tem participado como ouvinte de reuniões que discutem a reestruturação da companhia.
No último dia 13, a Odebrecht reuniu seus principais colaboradores no auditório da sede para discutir as perspectivas do grupo. Maurício fez uma apresentação, mas não empolgou a plateia, preocupada com questões imediatas da companhia.
Reestruturação ameaçada
Os credores da Odebrecht estão preocupados com a briga pública entre Emílio e Marcelo Odebrecht e como esse litígio poderá afetar os planos de reestruturação da companhia, que entrou com pedido de recuperação judicial em junho, com dívidas declaradas de R$ 55 bilhões.
A troca de comando do conglomerado, anunciado na segunda-feira passada, 16, foi bem recebida pelos credores. Ruy Sampaio, que ocupava a presidência do conselho de administração do conglomerado, substituiu Luciano Guidolin, com a clara missão de frear a influência que Marcelo Odebrecht ainda tem no grupo.
O plano de reestruturação da companhia está sendo conduzido pela RK Partners, de Ricardo Knoepfelmacher, e pelo escritório de advocacia E. Munhoz, de Eduardo Munhoz.
Na quinta-feira, 19, a Odebrecht obteve aval dos credores para adiar para 29 de janeiro a assembleia de credores, quando pretende apresentar - e, eventualmente, votar - um plano de recuperação com maiores detalhes do que tem hoje sobre as condições de pagamento de suas dívidas.
O grupo vem adiando a votação para ganhar tempo e finalizar as negociações com os cinco maiores bancos do País, detentores de créditos de R$ 13 bilhões garantidos por sua fatia de participação na Braskem. São eles: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander.
A negociação é fundamental para o fluxo de caixa do grupo. A Odebrecht pleiteia acesso a 80% dos dividendos equivalentes a sua fatia na Braskem e a não execução dessa garantia por até três anos, período após o qual venderia a companhia. A expectativa da empresa é obter um acordo até o fim do ano, para que os bancos possam avaliar internamente em seus respectivos comitês.
Artilharia
Mas a artilharia entre pai e filho ainda preocupa as instituições. Reuniões estão marcadas para os próximos dias entre os responsáveis pela reestruturação do conglomerado com os principais bancos credores para discutir o assunto.
Uma fonte a par das negociações do conglomerado, que falou com o Estado sob reserva, afirmou que os bancos privados e públicos temem que o litígio entre pai e filho afete o processo de recuperação judicial da empresa.
Apesar de ficarem aliviados com a demissão de Marcelo ontem, os bancos sabem que a medida sofrerá retaliação por parte do empresário. Uma fonte afirmou que os credores ficaram irritados com a notícia de que Marcelo teria recebido R$ 240 milhões para fechar o acordo com o Ministério Público Federal e vão endurecer nas negociações para barrar qualquer tipo de pagamento para o executivo.
Uma das saídas seria criar uma subclasse de credores da Odebrecht dentro da recuperação judicial para isolar os valores a serem recebidos por Marcelo. O empresário tem uma fortuna (mais de R$ 70 milhões) para receber dentro do processo judicial. Mas os credores não vão querer que ele receba. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.