Um relatório do Centro de Informações do Exército (CIE), órgão de repressão da ditadura militar (1964-1985) extinto há duas décadas, comprova que o governo brasileiro sabia oficialmente 30 anos atrás da morte do desaparecido político Ruy Carlos Vieira Berbert, cujas fotos já morto foram achadas pelo jornal "O Estado de S. Paulo" no Arquivo Nacional. Berbert é um dos 12 integrantes da luta armada - um dos outros é Virgílio Gomes da Silva, comandante do sequestro do embaixador dos EUA Charles Elbrick em 1969, também oficialmente desaparecido - dados como mortos no documento do CIE "Terroristas da ALN com cursos em Cuba (Situação em 21jun72)" guardado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro(Aperj).
Segundo o texto, o homem cujas fotos depois de morto foram divulgadas no sábado, 7 de julho, integrou na ilha, sob o codinome Joaquim, uma das turmas de treinamento de guerrilha da ALN (Ação Libertadora Nacional), organização fundada pelo ex-deputado pelo PCB Carlos Marighela. As fotografias mostram o cadáver de Berbert em Natividade, hoje no Estado de Tocantins. Depois da publicação da reportagem, a Comissão da Verdade, criada para investigar crimes contra direitos humanos ocorridos de 1946 a 1988, decidiu reabrir as investigações sobre o paradeiro dos restos mortais do guerrilheiro. Foi a primeira iniciativa desse tipo tomada pelo órgão, que começou a trabalhar em maio.
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O documento do CIE é parte do acervo do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) carioca guardado no Aperj. O texto aponta que oito dos 12 mortos eram do "III Exército da ALN", nome dado a uma das turmas do curso de guerrilha - são citadas quatro. O detalhamento do relatório - com codinome de cada guerrilheiro na ilha, nomes de quase todos, período do treino (maio a dezembro de 1970, no caso do III Ex), turma (são citadas quatro), situação (morto, foragido, preso ou banido) e até cursos específicos que só alguns frequentaram (explosivos, enfermagem)- levantou suspeitas entre ex-ativistas. Para alguns sobreviventes da organização, havia um agente infiltrado, presumivelmente da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA, na sigla em inglês) em Cuba, delatando-os.
O III Ex da ALN teve características especiais. Seus integrantes formaram o "Grupo dos 28", que rachou com a organização e formou o Molipo (Movimento de Libertação Popular), dizimado ao tentar se instalar no Brasil. Aparentemente, uma parte considerável de seus integrantes era monitorada desde o desembarque no Brasil, pela repressão, que os sequestrava e eliminava. Um dos sobreviventes do III Ex que conseguiram escapar vivos é o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu - segundo o CIE, seu codinome na ilha era Daniel. Ele se radicou clandestinamente no interior do Paraná nos anos 70, sob nome falso e após operação plástica que lhe alterou o rosto.
Além de Berbert, estavam mortos em 21 de junho de 1972, de acordo com o relatório do CIE, os seguintes ex-alunos do III Ex: Arno Preiss, Flavio de Carvalho Molina, Francisco José de Oliveira, Frederico Eduardo Mayr, Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, José Roberto Arantes de Almeida e Lauriberto José Reyes . Do II Ex, treinado de julho de 1968 a meados de 1969, há três integrantes do curso de guerrilha apontados como mortos no relatório: Alex de Paula Xavier Pereira, Márcio Leite Toledo e Yuri Xavier Pereira.
Virgílio Gomes da Silva foi do "I Exército da ALN", treinado de setembro de 1967 a julho de 1968. Em Cuba, seu codinome era Carlos, mas no Brasil era Jonas. Foi chefe do chamado GTA (Grupo Tático Armado) da ALN em São Paulo. Segundo relatos, foi morto ao reagir a uma sessão de tortura.
Desaparecido - O documento do CIE também confirma a captura de Bonarges de Souza Massa, outro ex-integrante do III Exército da ALN sob o codinome Felipe. Integrante da lista de desaparecidos políticos, Massa consta no documento como "preso". Sua morte foi reconhecida pela Comissão de Mortos e Desaparecidos.