Desmond Tutu, que morreu no domingo passado aos 90 anos e cujo funeral é realizado neste sábado (1°), foi considerado a consciência moral da África do Sul, um pessoa que ajudou a derrubar o apartheid e depois empregou sua energia a serviço da reconciliação do país e dos direitos humanos.
Até o fim da vida, o arcebispo anglicano emérito, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1984, impôs sua sinceridade para denunciar injustiças e os excessos do poder, independente do alvo da crítica.
Tutu nunca deixou de criticar o governo sul-africano, incluindo o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), o principal movimento que lutou contra o regime racista do apartheid e que administra o país desde 1994.
Os grandes temas da política internacional também não escaparam de suas críticas. Ele atacou a própria Igreja para defender os direitos dos homossexuais, defendeu um Estado palestino e afirmou em setembro de 2012 que o ex-presidente americano George W. Bush e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair deveriam ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional de Haia pela guerra do Iraque.
Mas foi em seu próprio país que seus comentários provocaram maior impacto. No fim de 2011, quando Pretória não concedeu a tempo um visto para o Dalai Lama, a quem havia convidado para seu aniversário de 80 anos, ele acusou o governo de ceder às pressões da China.
"Nosso governo é pior que o governo do apartheid", disse. "É escandaloso que aqueles que sofreram sob um regime de opressão façam agora este tipo de coisa", acrescentou.
Também protestou contra as más condições das escolas sul-africanas, que continuam muito ruins para a maioria dos alunos negros depois de anos de governos do ANC.
"Se Nelson Mandela visse isto, ele choraria", afirmou.
O arcebispo emérito da Cidade do Cabo era conhecido pela sinceridade, humildade, energia contagiante e, sobretudo, pelo humor.
Ao ser questionado sobre seu papel como consciência moral da nação, ele sorriu e disse: "Você me vê na frente de um espelho dizendo: garoto, você é um ícone, sabia disso? Penso que nenhum homem ao qual concedem esta honra considera que isto é realmente o que as pessoas veem nele. Simplesmente você segue o seu caminho e faz o que pensa que é justo".
Com o mesmo humor, ele agradeceu a família, que o ajudou a manter os pés no chão.
"Recentemente minha mulher colocou um cartaz no quarto que dizia: você tem o direito de ter opiniões erradas. Está vendo... estão aqui para desinflar a grande opinião que tenho de mim", afirmou com uma gargalhada.
- "Nação Arco-Íris" -
Desmond Tutu ganhou fama durante o apartheid, ao organizar passeatas pacíficas para denunciar a segregação e lutou pela adoção de sanções econômicas internacionais contra o regime branco de Pretória.
Com a chegada da democracia em 1994, ele criou o termo "Nação Arco-Íris" para descrever a África do Sul e presidiu durante 30 meses a Comissão da Verdade e Reconciliação, criada para ajudar o país a superar os traumas das atrocidades do apartheid.
"O ressentimento e a revolta são ruins para a pressão arterial e a digestão", declarou na época.
Desmond Tutu atacava as incoerências da África dos Sul atual, com críticas públicas ao ex-presidente Thabo Mbeki por sua gestão na luta contra a aids ou aos problemas judiciais do também ex-presidente Jacob Zuma.
Ele também chamou a atenção dos compatriotas para a violência na sociedade e lamentava a "perda do senso de certo ou errado". Tutu defendeu os imigrantes durante os episódios de violência xenófoba de 2008 na África do Sul.
Nascido em 7 de outubro de 1931 em Klerksdorp, a duas horas de Johannesburgo, Desmond Tutu sofreu poliomielite na infância. Marcado pela experiência, ele queria fazer faculdade de Medicina, mas sua família não teve condições de pagar pelos estudos.
Ordenado sacerdote da Igreja Anglicana aos 30 anos, ele estudou e ensinou no Reino Unido e no Lesoto antes de se estabelecer em Joanesburgo em 1975.
Ordenado sacerdote da Igreja anglicana aos 30 anos, Tutu estudou e foi professor no Reino Unido e em Lesoto antes de se estabelecer em Johannesburgo em 1975.
Cada vez mais conhecido na luta contra o apartheid, seu trabalho foi premiado com o Nobel da Paz em 1984.
Nomeado arcebispo em 1986, Desmond Tutu foi a primeira pessoa negra a comandar a Igreja anglicana sul-africana.
Um câncer de próstata, diagnosticado em 1997, quase acabou com sua carreira, mas este homem de grande vitalidade continuou a ser uma das grandes figuras da sociedade civil sul-africana, apesar da aposentadoria oficial da vida pública.
Lutador incansável pelos direitos humanos e a democracia, Desmond Tutu vivia desde 2010 praticamente afastado dos eventos públicos. Uma de suas últimas aparições aconteceu em maio de 2021, quando foi vacinado contra a covid-19.