A África do Sul, principal potência industrial do continente africano, ainda não recebeu nenhuma vacina. Mergulhado em uma segunda onda de Covid-19, o país enfrenta o desafio assustador de vacinar toda a população.
"Será a maior e mais complexa operação logística da história do nosso país", reconheceu o presidente Cyril Ramaphosa na segunda-feira.
"Maior que o nosso programa de tratamento do HIV", no país do mundo mais atingido pela aids, acrescentou.
Após semanas de incertezas e silêncio, o governo garantiu que as primeiras doses chegarão rapidamente. Um milhão em janeiro e 500.000 em fevereiro. Como são necessárias duas doses, as vacinas serão destinadas primeiro a 1,2 milhão de pessoas que trabalham na saúde.
"É praticamente impossível vacinar o pessoal da saúde em janeiro. Faltam duas semanas e o país ainda não tem vacinas", disse à AFP Angelique Coetzee, presidente da associação dos médicos.
Vinte milhões de doses foram prometidas para o primeiro semestre do ano, anunciou Ramaphosa, sem fornecer mais detalhes. As informações sobre o programa de vacinação são divulgadas em conta-gotas.
Obtenção de vacinas suficientes, dificuldade de armazenamento, rede de resfriamento, segurança contra roubo e rastreabilidade. Trata-se de um grande desafio para o país.
Depois, a "principal dificuldade será distribuir as vacinas em regiões isoladas. Existem áreas do país onde não há nem estradas", alerta Barry Schoub, membro do conselho científico do Ministério da Saúde, questionado pela AFP.
O governo reitera que o processo será transparente. Em um país onde os políticos, até no topo do Estado, são suspeitos de lucrar com contratos relacionados à pandemia na primeira onda, a promessa é válida. "Os abutres vão tirar proveito da miséria da Covid-19", foi a manchete do jornal de maior circulação do país.
O último anúncio do presidente ocorre em meio a uma nova onda de infecções no país, que já conta com 1,2 milhão de infectados.
A África do Sul participa do dispositivo Covax da Organização Mundial da Saúde (OMS) para acesso justo às vacinas. Por meio dele, receberá vacinas para 10% da população, entre abril e junho.
Esse período levou o governo, muito criticado por não ter obtido as primeiras doses como em outros países do mundo, a negociar diretamente com as empresas farmacêuticas para obter as vacinas mais cedo.
"As negociações estão em andamento para vacinas adicionais para vacinar 40 milhões de pessoas até o final do ano", disse Barry Schoub.
- "Irrealista" -
O governo espera vacinar 40 milhões - 67% da população - até o final do ano, protegendo assim a África do Sul com imunidade coletiva. "Irrealista", diz Angelique Coetzee, "67% não é para este ano".
"Seria preciso vacinar 150 mil pessoas por dia nos próximos doze meses, o que não é viável", alerta, antes de lembrar que falta pessoal e o sistema de saúde está exausto por meses de pandemia.
"Quem vai vacinar todas essas pessoas?", questiona.
Vários grupos de oposição também consideram que as promessas do governo são "impraticáveis". Para alguns, fracassou ao longo do caminho, e eles nem mesmo "têm a menor ideia de como administrar a crise".
A OMS pediu na sexta-feira o "fim dos acordos bilaterais em detrimento da Covax", pois isso pode "fazer subir os preços" das vacinas, o que deixaria países como a África do Sul, que não têm meios para vacinar a população, num dilema impossível entre obter o máximo de doses o mais rápido possível e não encorajar um aumento do preço de mercado.
A União Africana (UA) obteve 270 milhões de vacinas contra a covid-19 para o continente, anunciou na quarta-feira a África do Sul, que detém a presidência rotativa da entidade.
Pelo menos 50 milhões dessas vacinas estarão disponíveis entre abril e junho, e serão fornecidas pelos laboratórios Pfizer-BioNTech, AstraZeneca (que tem sua produção na Índia) e Johnson & Johnson.