Não há uma dicotomia entre os "bolsonarismos" do Brasil, de acordo com cientistas políticos que avaliaram as reações desse espectro da direita brasileira, desde os atos terroristas em Brasília, capital federal, no último domingo (8). O que diferencia radicais de não radicais é somente a prática; no discurso, ambos os grupos, com raras exceções, se veem contemplados e justiçados na narrativa antidemocrática que chegou ao recente pico de violência.
Decerto, no eleitorado de cerca de 57 milhões de brasileiros que depositaram sua confiança no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a maior parte não participa do interesse no golpe. É uma convivência contraproducente: a vida seguiu para a maior parte dos bolsonaristas, mas direta ou indiretamente, os discursos que minam a credibilidade do Estado Democrático de Direito são alimentados no boca a boca e nas redes sociais. De qualquer forma, o radicalismo ainda se trata de uma bolha.
##RECOMENDA##“A negação do governo Lula é de uma parte da população. Inseridos nesse grupo, estão os radicais, responsáveis pelos atos em Brasília. O novo governo já está tomando medidas cabíveis. Mas a construção da narrativa golpista, antidemocrática, está longe de acabar. As movimentações dos bolsonaristas devem diminuir devido à ação conjunta entre os poderes, mas os discursos, a curto prazo, não devem cessar”, salienta Alex Ribeiro, especialista em ciência e história política, e ouvido pelo LeiaJá.
Relembrando o breve pronunciamento do presidente derrotado, que após os atos golpistas, repudiou a depredação do patrimônio público — mas não condenou a iniciativa geral —, o cientista ressaltou que, comparar os atos do domingo com situações anteriores é uma “falsa simetria”, pois existe nessas manifestações políticas um “movimento de ruptura institucional e antidemocrático”.
“A construção do bolsonarismo teve como ápice as movimentações e os discursos nos atos em Brasília nesse último domingo. O uso da bandeira nacional, os intitulados “patriotas”, o uso de armas e a ideia do caos são elementos bolsonaristas. A prática é o terrorismo instalado nesses atos”, acrescenta Ribeiro.
Com a repercussão negativa e internacional do caso, além da iminência da punição, a bolha bolsonarista tem procurado justificativas ou outros responsáveis pelo terrorismo no DF. De infiltrados pagos pela esquerda à “distorção da mídia” diante de supostos atos pacíficos dos patriotas, os argumentos variam.
“É natural e esperado que exista, dentro do contexto político que o Brasil vive, essas narrativas concorrentes e que tentem terceirizar culpas e fazer esse espelhamento [em relação a atos anteriores e/ou de esquerda]. Isso é também natural também para as pessoas que, ainda que não se identifiquem com os atos de violência, se identificam com as convicções desse grupo de extrema-direita. É espero que tentem dizer que houve infiltrações e sabotagem por parte da esquerda. O que o brasileiro precisa entender é que existem limites estabelecidos no Estado Democrático de Direito e eles foram ultrapassados”, acrescenta Priscila Lapa, segunda cientista política ouvida pela reportagem.
Diante de vídeos das forças policiais bebendo água de coco enquanto bolsonaristas destruíam o Congresso, as teorias de que a Polícia Militar do Distrito Federal foi conivente e participou, assumindo papel parcial e também golpista, ficaram mais fortes. Com as apurações em andamento e a exoneração do agora ex-secretário de Segurança Anderson Torres, as falhas de Ibaneis Rocha (MDB), da Defesa e até mesmo da Justiça, passam a ser questionadas também judicialmente.
“Pensando em outras manifestações em que houve a repressão à altura, fica claro que [agora] houve conivência das forças de segurança para esse ato, que foi um ato contra a democracia. Se eles, que devem proteger este Estado, é porque não receberam a ordem para fazê-lo. Poderia ser um ato de qualquer lado, esquerda ou direita, um erro não vai justificar o outro. Além da questão de o Estado ter agido contra si próprio, é fundamental ver que a pauta, o que estava em jogo ali, não foi somente o não-reconhecimento de um grupo político [eleito], o que por si só já é muito grave; mas sim, a destituição, pelo uso da força, dos Três Poderes que constituem a República. O que está em jogo é a sobrevivência do modelo de sociedade vigente”, finaliza Lapa.
LeiaJá também
- - 'Governo cria e-mail para envio de denúncias de atos no DF'
- 'Terroristas roubaram armas do GSI, revela ministro'
- - 'Senado tem assinaturas para abrir CPI dos atos golpistas'