Elza começou a tocar violino aos 10 anos de idade, por iniciativa do pai. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)
##RECOMENDA##
Cheia de dúvidas, talvez a jovem Elza Barros Lins de apenas 14 anos não fosse capaz de imaginar cena mais prosaica. Aos 83, ela será uma velhinha meiga: estará tocando Ravel em uma tarde ensolarada de abril, acomodada em um lindo e florido jardim ao lado do irmão, Edvaldo. Sim, ela aprenderá a tocar violino por conta própria, dará aulas, conhecerá pessoas importantes e cidades longínquas. Se apaixonará, terá o coração partido e pegará o único caminho capaz de conduzir uma mulher para a felicidade: viver pelo que a faz vibrar. O que o jovem teme não é a vida, mas desconhecer os resultados de suas escolhas. E sobre o caminho que tomou, Elza é taxativa: “Não tenho pretensão alguma. Acho que já realizei todas elas”. Agora, ela se prepara para deixar definitivamente a Serenata Seresteiros de Olinda, um dos símbolos da cidade.
Natural de Olinda, Elza nasceu no dia 16 de maio de 1935 e começou a tocar violino aos 10 anos por incentivo do pai, o professor de línguas José Barros Lins, que, naquela época, arranhava seus acordes no violão. “Meu primeiro professor se chamava Amaro Lacerda, mas ele me ensinou pouca coisa: começou pela teoria, que é o díficil, e o resto ficou fácil. Depois me entusiasmei e fui entrando alguns grupo”, diz a violinista, que se considera autodidata. Cinco anos mais velho, o irmão de Elza, Edvaldo Barros Lins, também se recorda das primeiras aulas de música. “Meu pai queria que eu também tocasse violino, mas aprendi sem vontade, achava a posição ruim. Eu gostava mesmo era de violão. Como a teoria é uma só, consegui aprender”, comenta.
[@#video#@]
Assim, Edvaldo é a base que acompanha Elza há mais de sessenta anos. “Eu me esmero muito no acompanhamento. O violinista precisa dele, ninguém quer cantar sozinho. Ainda que a música seja simples, a harmonia muda tudo. Também apresentei influências importantes para Elza, como o compositor Händel”, orgulha-se.
Mais tarde, Elza precisou conciliar a vida noturna como instrumentista, sempre animando cerimônias como casamentos e formaturas, ao trabalho formal em empresas privadas e à família. “Marido não quer uma esposa que passa a noite tocando na rua e eu prefiro o violino. Hoje existem mais mulheres tocando, mas naquela época eram poucas. Então botei o violino na frente junto com meus amigos, tenho muitos amigos músicos”, afirma. Professora de mão cheia, Elza transformou sua casa em ponto de encontro artístico. Sempre cheia de homens, sua residência era ponto de parada certo de músicos renomados como Robertinho do Recife e Naná Vasconcelos.
Combinação perfeita: Elza, solista, ao lado do irmão Edvaldo, que a acompanha com violão base desde a infância. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)
Um protesto lúdico
O ano era 1987. Bem articulada, Elza foi convidada por amigos a tocar pelas ruas de Olinda com mais três músicos, em protesto contra a subida de automóveis de grande porte ao centro histórico de Olinda. “Naquela época, fizeram um plebiscito e nós temíamos que a circulação dos veículos prejudicasse as edificações antigas. Tiveram a ideia de colocar os instrumentistas na rua, tocando durante a panfletagem da campanha pela proibição. No domingo, vencemos a votação e resolvemos tocar novamente para comemorar”, conta. Daí em diante, a cada sexta-feira de serenata pelas ruas de Olinda, novos músicos se aproximavam espontaneamente da movimentação, embora não houvesse nenhum tipo de remuneração financeira.
“Inicialmente havia apenas uma serenata chamada “Luar de Olinda”, depois nos dividimos e criamos outro grupo, ‘Seresteiros de Olinda’, que desfila pelas ladeiras nas primeiras e terceiras sextas do mês. Agora o que falta é apoio da Prefeitura de Olinda, que ainda não tomou uma posição sobre oficializar um contrato de contribuição para os músicos”, lamenta o coordenador da serenata Paulo Vasconcelos, que lembra que outros prefeitos já contribuíram com uma ajuda de custo aos músicos. De acordo com ele, o grupo não reivindica um salário. “Essa contribuição era de praxe, não queremos ganhar a vida com aquilo, mas nosso grupo atualmente possui 12 músicos que tem seus gastos com transporte e a manutenção dos instrumentos”, completa.
"Marido não quer uma esposa que passa a noite tocando na rua e eu prefiro o violino", afirma Elza. (Elza Barros Lins/Acervo Pessoal)
Segundo Paulo, os Seresteiros de Olinda criados da geração de Elza Barros Lins são uma espécie de revival de uma movimentação que havia acabado nos anos 1930. “Elza e os fundadores da seresta tentaram resgatar essa cultura e a coisa pegou. Agora, por problemas de saúde, ela infelizmente está participando pouco e nós estamos sentindo muito sua ausência. Ela não era apenas nossa solista, mas uma liderança, tudo que executamos é lembrando o que ela nos ensinou”, ressalta.
Os reconhecimentos a Elza se estendem para além dos músicos com quem trabalhou. No carnaval de 2002, ela foi homenageada pelo Bloco Lírico Flor da Lira e pelo Centro de Educação Musical de Olinda (Cemo). Posteriormente, também foi lembrada pelo Bloco Lírico Eu Quero Mais. Para Elziane Mascarenhas, filha da violinista, sua mãe é uma mulher à frente de seu tempo. “Essas questões de casa não interessam a ela. Música é a vida da minha mãe, é o que ela respira. Todos os dias ela toca na varanda ou no quarto e eu fico escutando e pensando na vida. Às vezes fico até com medo de ela, mais pra frente, não poder mais tocar”, confessa.
Elza na banda do Bloco Lírico Eu Quero Mais e com o cantor Almir Rouche. (Elza Barros Lins/Acervo pessoal).
“Cumpri minha missão”
Com as costas arqueadas e doloridas, Elza acredita que, em breve, será definitivamente impossível encarar as ladeiras de Olinda como solista da serenata. “É um instrumento nobre...Um pouco ingrato, mas faz muita gente chorar (risos). Acho que já cumpri minha missão, já ensinei muita gente a tocar e fiz muitos amigos. Penso que o maior combustível do artista são os aplausos e as pessoas acham lindos meus cabelos brancos pelas ruas”, brinca Elza.