Dentre os feitos da governadora Raquel Lyra (PSDB) em seu primeiro ano de mandato em Pernambuco, muito se falou das conquistas alcançadas, como os investimentos recebidos do governo federal por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além de lançamentos de programas estaduais para educação e segurança pública. No entanto, diante de eleições municipais, uma possível mudança de partido político, e uma aparente batalha interminável de poderes com o legislativo estadual, a governadora terá alguns desafios para enfrentar em 2024.
O LeiaJá conversou com o cientista político Arthur Leandro, que avaliou esses e outros pontos que poderão ser cruciais para o protagonismo de Raquel Lyra no governo do estado.
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LeiaJá - Como ela deverá se posicionar para garantir uma maior efetividade nos diálogos com o legislativo, em comparação com o que foi alcançado (ou não) este ano?
“Ou não” é ótimo. Eu acho que resume muito o relacionamento do governo do estado com a Casa Legislativa. O presidente Álvaro Porto é um homem da mesma legenda da governadora, mas sempre assumiu uma postura independente, se a gente quiser dizer assim, quando não, claramente hostil à liderança da governadora, não apenas no campo do partido ao qual os dois são filiados e à liderança da governadora no PSDB, mas também à agenda do governo. Então, a governadora tem uma dificuldade na construção dessa base, tanto no campo da direita, da representação mais bolsonarista, como no campo da esquerda. E não tem uma base parlamentar dentro do seu próprio partido para garantir a tramitação das matérias de interesse, essa interlocução política tão necessária. Então, a governadora ainda precisa construir, ou pelo menos pavimentar, essas alternativas que ela ensaiou ao longo de 2023, até para poder assegurar que a negociação das matérias de seu interesse não seja majorada pela dificuldade de articulação política. Até porque o fato é que ele goza de limitações, do ponto de vista orçamentário, para a realização de projetos, e a governadora certamente não vai conseguir resultados político eleitorais compatíveis com suas aspirações se ela tiver a agenda fiscal como único mecanismo de ação. Cortar gastos tem um impacto financeiro, orçamentário, mas também tem um custo político, do ponto de vista de viabilidade da agenda, e a governadora precisa estar atenta a essas questões.
LJ - Ainda se fala da possibilidade de Lyra sair do PSDB. Ela voltaria para o PDT? PSD? Quais as opções possíveis?
A governadora conseguiu emplacar um aliado na presidência do PSDB [Fred Loyo], mas ela, de fato, tem uma preocupação com a expressividade da legenda, tanto no estado como no cenário nacional. Estar no PSDB traz para Raquel um esforço de coordenação política, ela precisa investir nessa liderança sem a garantia de que a legenda vai devolver para ela nada compatível com o esforço da presidência. Então o afastamento dela da presidência do partido já sinaliza nessa direção. O que terminou gerando essa movimentação, do jeito que aconteceu, terminou gerando dificuldades com o presidente da Alepe, que tinha pretensão de ser o presidente do partido. Então a saída de Raquel é perfeitamente plausível. Ela não sai da liderança, não designa o seu sucessor, se não tivesse a intenção de se afastar. Não se sabe se o PDT seria um caminho, um espaço viável, se fala também do PSD, mas o fato é que a governadora, é razoável supor, vá se afastar do partido, principalmente em função da necessidade de construir um plano de trabalho para as eleições municipais deste ano. A governadora precisa estar em uma posição política que a habilite exercer essa influência que o cargo do governador inspira. O cargo de governador tem uma relevância porque nele se consegue fazer investimentos, ter uma relação direta com vereadores, deputados, prefeitos, etc. Então, Raquel precisa se posicionar de modo a exercer mais plenamente essa liderança que o cargo lhe faculta. E ela não consegue fazer isso no PSDB.
LJ - Quem terá seu apoio nas eleições municipais?
Resta à governadora o dilema. Não é exatamente um dilema ainda, mas ela precisa se posicionar se vai promover uma candidatura, no sentido de tentar se empoderar politicamente na capital, ou se ela vai apoiar candidaturas de outras forças políticas, no sentido de conseguir alianças para revalorizar a sua base de apoio, reforçar os apoios que ela conseguiu para a eleição anterior. Ou fazer as duas coisas. Ainda existe essa possibilidade de lançar e ao mesmo tempo tentar renegociar esses apoios num eventual segundo turno, principalmente nas cidades que a gente tem a possibilidade de segundo turno em Pernambuco. O apoio da governadora, como a gente falou, é muito relevante, é muito expressivo nas eleições municipais, embora hoje seja bem menos do que já foi no passado. Por uma razão simples, o financiamento dos investimentos municipais hoje se dá basicamente em função dos apoios das emendas parlamentares. O investimento direto do governo estadual reduziu a sua fatia. Então essa moeda que os governadores têm, de uma maneira geral, perdeu a importância relativa ao longo dos anos. Mas ainda assim, o apoio da governadora faz diferença, do ponto de vista da viabilização das candidaturas locais, principalmente naqueles menores municípios em que a disponibilidade dos recursos federais via emenda ainda é menor do que nos municípios de mais destaque. Esses municípios maiores como Recife, Olinda, Jaboatão têm a possibilidade de receber as emendas tanto pelo seu peso político, porque eles são base de um número muito grande de candidatos e de deputados de uma maneira geral, mas também porque esses municípios maiores têm capacidade de arrecadação. Então o peso da governadora se faz especialmente relevante nos municípios menores. Em resumo, a governadora vai decidir se ela lança uma candidatura própria, uma candidatura com a marca do palácio à prefeitura do Recife em 2024. A gente depende muito do que deve acontecer aí nas nos próximos meses, principalmente janeiro e fevereiro, em termos de sinalização política para a eleição do ano que vem. A segunda opção é apoiar um terceiro grupo, e a terceira situação seria exatamente lançar uma candidatura e usar essa candidatura até pra pressionar a estrutura, o arco de alianças para essa disputa principal, que é exatamente a disputa pela reeleição em 2026.
LJ - No que pode influenciar a aprovação e a desaprovação popular da governadora nas eleições de 2024, e também na construção do seu palanque de reeleição em 26?
A situação da governadora é intermediária. Ela tem desaprovação, mas ela também tem um capital eleitoral junto à opinião pública, até um acolhimento que pode ser revertido, pode ser capitalizado, em função dos resultados ou dos potenciais resultados dos programas e das ações que ela anunciou agora no fim do ano e para o ano que vem. A governadora joga com as possibilidades, com a reação da opinião pública em relação aos resultados das suas últimas medidas. Ela tinha a expectativa clara de que a posição dela fosse melhor. Mas aparentemente o governo Raquel Lyra, em função dessa dificuldade de articulação, seja na Alepe, seja no relacionamento com a opinião pública de uma forma geral. Veja a diferença da estratégia de marketing, na eficácia dos instrumentos utilizados pelo prefeito João Campos (PSB) e pela governadora Raquel Lyra. João Campos é um homem do TikTok, do Instagram, etc. Raquel tem uma dificuldade muito grande de se comunicar, de utilizar esses recursos para viabilizar tanto a aprovação como apoio popular. Então ela tem uma situação que é intermediária do ponto de vista dos últimos levantamentos que foram feitos sobre sua aprovação, mas ela certamente poderia ter um desempenho maior e melhor. Esse espaço entre a posição ideal de aprovação para governadora e o desempenho real que ela tem, manifesta o motivo de preocupação e pode sim desvalorizar, diga-se assim, o valor agregado do apoio da governadora.