O entendimento dos moradores da comunidade do Alto do Pascoal é único: Dia das Mães é todo dia. Mas, como celebrar essa data tradicional diante de um momento tão difícil e doloroso que o mundo está enfrentando por conta da Covid-19? No bairro da Zona Norte do Recife, as pessoas podem não ter uma fórmula que sirva para todos, mas a criatividade e a vontade de demonstrar afeto trazem esperança.
Vivendo de “bicos” e com pouco dinheiro, Miguel Soares, 26 anos, pretende reunir os seus dois filhos e fazer uma homenagem virtual para a sua mãe, Lucélia Soares, 55 anos, que mora duas ruas depois da sua, mas que, por ter alguns problemas de saúde, se mantém isolada. “É muito triste ter que celebrar algo desse jeito, não é? Eu nunca imaginei que a humanidade pudesse passar por algo parecido. Eu tenho 26 anos, já tinha ouvido falar de algumas coisas que aconteceram no passado, mas jamais imaginei que pudesse vivenciar isso”, revela.
Miguel teme por seus familiares e acredita que datas como essa servem também para que as pessoas deem mais valor a simples atitudes, como um simples abraço, que para ele, nesse momento, está fazendo muita falta. “Às vezes a gente dá mais valor às coisas materiais, quer comprar, quando pode, claro, as melhores coisas e mais caras. A gente não pode esquecer que tudo isso passa e o que acaba ficando são os sentimentos”, salienta o jovem.
Já Luciana Ferreira, 38 anos, quer fazer à moda antiga. A matriarca Josefina Ferreira, 66 anos, vai receber um ‘carro de mensagens’, que hoje é considerado por muitos jovens como algo ‘cafona’, mas que, até o início dos anos 2000, era a sensação das homenagens. “Toda vez que alguém fazia aniversário, a gente chamava um carro de mensagens. Com o tempo, isso foi se perdendo e agora quando me vi sem saber como poderia homenagear a minha guerreira, lembrei que ela gosta muito dessas coisas. Acho que ela vai ficar feliz! Espero que o coração dela suporte tanta emoção, já que a gente só está se falando por telefone ou pelo ‘cobogó’ do terraço da casa dela”, explana.
Nem tudo é celebração
Os moradores do Alto do Pascoal temem por um crescimento descontrolado dos casos do novo coronavírus na comunidade. Eles opinam que o poder público não atua por lá como se empenha em bairros mais ricos do Recife. David Santos, 33 anos, revela que não tem pessoas com o novo coronavírus ao seu redor, mas acredita que, diante do crescimento dos casos, essa realidade pode mudar. Por isso, o rapz, que atua como auxiliar de cozinha, já preparou o cardápio surpresa para a sua mãe Maria Barbosa, 53 anos.
“Eu não posso ter contato direto com minha mãe e isso é o que me dói mais. Queria muito poder beijar e abraçar minha mãe, principalmente por conta do seu dia, mas como ela gosta muito do meu tempero, essa vai ser uma forma de nos abraçarmos”, diz David.
A percepção de “abandono” das comunidades mais periféricas para o combate da Covid-19 não é única. Como os coletivos já trabalham sob ausência do poder público, grupos de comunidades de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, por exemplo, já se anteciparam.
Um dos instrumentos que os coletivos populares tiveram que produzir é o levantamento que embase suas ações e auxilie para pressionar o poder público. A iniciatica tem como objetivo impedir que os impactos do novo coronavírus nessas comunidades mais periféricas e de maior vulnerabilidade não sejam tão desastrosos.
O estudo é uma parceria entre a Rede de Coletivos Populares de Paulista (Rede Coppa), o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH), a Cooperativa Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS), o Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Pernambuco, e a Articulação Recife de Luta. O levantamento ainda contou com a colaboração do geógrafo e professor Diogo Galvão. “A informação generalizada não vai atingir a população que não se adapta a essa informação. É essa a nossa preocupação. Como podemos auxiliar o trabalhador informal? Identificando as características físicas e estruturais de onde ele vive, a insalubridade do esgotamento sanitário de quem mora no entorno do mangue. Essa relação do ambiente físico e da falta de infraestrutura precisa ser cada vez mais mapeada, identificada, para que a gente atue de maneira diferente em cada território”, explica Diogo ao site Marco Zero.
Impacto do coronavírus no comércio
As incertezas e inseguranças causadas pela pandemia da Covid-19 devem ter afetado o comércio nas comemorações do Dia das Mães deste ano. Levantamento feito em todas as capitais pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revela que 68% dos brasileiros pretendem presentear nesta data. O número é o menor dos últimos três anos, 2017 (73%), 2018 (74%) e 2019 (78%), reflexo da crise econômica causada pela pandemia.
Os que não devem presentear na data apontam principalmente o fato de a mãe já ser falecida (62%), mas também revelam falta de dinheiro (16%) e desemprego (9%). Considerando apenas os brasileiros que vão deixar de presentear por estarem sem dinheiro, desempregados ou não por poderem encontrar a mãe, 77% apontam a Covid-19 como principal motivadora desse cenário.
A pesquisa aponta ainda que o consumidor brasileiro está cauteloso na hora de ir às compras. O percentual daqueles que esperam gastar mais ou a mesma quantia do último ano passou de 67% na pesquisa de 2019 para 40% em 2020, uma queda de 27 pontos percentuais. Por outro lado, a fatia dos que pretendem gastar menos saltou de 24% para 45%. Os motivos mais citados para a redução dos gastos referem-se ao orçamento apertado (49%), às incertezas com relação ao cenário econômico (38%) e por motivos de economia de recursos (36%). O impacto da crise gerada pelo novo coronavírus influenciou a decisão de 88% dos entrevistados como fator de retração de gastos.