Uma pergunta frequente desde o início da invasão russa da Ucrânia é se Moscou poderia usar suas armas nucleares táticas em uma área muito limitada, o que quebraria um tabu que existe desde 1945.
A hipótese ressurgiu logo após o início das hostilidades, quando o líder russo Vladimir Putin disse ter ordenado a seus generais "colocar as forças de dissuasão do exército russo em alerta especial de combate".
E o chefe da CIA, William Burns, acaba de tocar no assunto novamente, falando do potencial recurso de Moscou a armas nucleares táticas ou de baixa potência.
"É possível que o presidente Putin e os líderes russos entrem em desespero, levando em conta os contratempos que sofreram até agora do ponto de vista militar", argumentou, embora admita "não ter encontrado sinais concretos (... ) que poderiam agravar" as preocupações ocidentais a esse respeito.
Uma arma nuclear tática, com carga explosiva menor que uma arma nuclear estratégica, é transportada por um veículo lançador com alcance inferior a 5.500 km.
"Existe um risco real. (Os russos) precisam desesperadamente de vitórias militares para transformá-las em alavancas políticas", disse à AFP Mathieu Boulègue, do centro de análise britânico Chatham House.
"A arma química não mudaria a rumo da guerra. Uma arma nuclear tática que destruiria uma cidade ucraniana, sim. Improvável, mas não impossível. E nesse caso, seriam 70 anos de teoria da dissuasão nuclear caindo."
Mas ainda há um grande passo entre o risco e a realidade.
A doutrina russa é objeto de debate. Alguns especialistas e militares, especialmente em Washington, sustentam que Moscou abandonou a doutrina soviética de não usar a arma nuclear primeiro.
As opções de Moscou agora incluiriam a teoria da "escalada para desescalada", ou seja, usar a arma em proporções limitadas para forçar a Otan a recuar.
- 1.588 ogivas implantadas -
Mas declarações russas recentes colocaram essa interpretação em dúvida. Moscou só usaria a arma nuclear na Ucrânia se houvesse uma "ameaça existencial" contra a Rússia, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, citando um dos pontos da doutrina oficial russa.
Do ponto de vista técnico, Moscou está bem equipada. De acordo com o Boletim dos Cientistas Atômicos, "1.588 ogivas nucleares russas estariam implantadas", incluindo 812 em mísseis terrestres, 576 em mísseis submarinos e 200 em bombardeiros. Pouco menos de 1.000 cabeças estão armazenadas.
Para Pavel Luzin, analista do 'think tank' Riddle, com sede em Moscou, a Rússia poderia usar uma arma nuclear tática "para desmoralizar um adversário, para impedir que o inimigo continue lutando". O objetivo é antes de tudo "demonstrativo", acrescenta à AFP.
"Mas se o adversário quiser continuar lutando, pode ser usado de forma mais direta".
De fato, as ameaças podem ser minimizadas nos altos escalões, mas têm um efeito: o risco não pode ser totalmente descartado.
- Grande custo político -
"Em caso de impasse ou humilhação, é possível imaginar uma escalada vertical. Faz parte da cultura estratégica russa intimidar e cavar fundo para reduzir a escalada", disse um alto funcionário francês, sob condição de anonimato. "Putin não entrou nesta guerra para perdê-la", acrescenta.
Outros preferem acreditar que o tabu absoluto permanece. Se Putin decidir destruir uma única cidade ucraniana para mostrar sua determinação, a área ficaria potencialmente desprovida de vida humana por décadas.
"O custo político seria monstruoso. Eles perderiam o pouco apoio que lhes resta. Os indianos recuariam, os chineses também", disse à AFP William Alberque, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
"Não acho que Putin fará isso", acrescenta. O fato é que, fora a questão ucraniana, a Rússia não gozaria hoje do status de superpotência militar sem armas nucleares. O país não representaria tal ameaça apenas com suas forças convencionais.
Desde o início do conflito na Ucrânia, a Rússia demonstrou uma imensa capacidade de destruição, mas ao mesmo tempo mostrou verdadeiras fraquezas táticas, operacionais e logísticas.