O aposentado Valdecy Luiz de França, de 72 anos, mostra um caderno de folhas amassadas com vários números anotados. São páginas e páginas de sequências numéricas que, ao primeiro olhar, não parecem fazer muito sentido. Tratam-se de protocolos das reclamações que já fez à Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Há cerca de três meses Valdecy não sabe o que é ter água nas torneiras em sua casa no bairro de Jardim Primavera, em Camaragibe, Região Metropolitana do Recife (RMR).
Na mesma semana em que Valdecy adicionou novos protocolos ao caderno, ele soube que a conta de água e esgoto ficou mais cara. Desde a última segunda-feira (12), está valendo o reajuste de 6,72% na tarifa em todo o estado de Pernambuco. O aumento foi aprovado no mês de julho pela Agência de Regulação de Pernambuco (Arpe).
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Valdecy faz parte dos moradores das partes altas de Camaragibe, que estão sofrendo com o desabastecimento de água há tempos. Há relatos de falta de água ou descumprimento do calendário em locais como Vila da Fábrica, Vale das Pedreiras, Vila da Inabi e Santa Mônica.
O que mais frustra o aposentado são as promessas feitas pela Compesa e que não se cumprem. Nas diversas ligações que faz à companhia, sempre são passadas datas para o abastecimento e, quando chega o dia e a água não aparece, nova data é divulgada.
O LeiaJá telefonou para o serviço de atendimento da Compesa. O atendente informou que faltava água na rua do aposentado por causa de um problema no conjunto moto-bomba da Estação Elevatória de Camaragibe. Segundo a Compesa, a estação funciona com duas bombas, mas uma está quebrada. Por causa disso, não estaria havendo pressão suficiente para levar água às ruas mais íngremes. Previsão passada por telefone para o equipamento estar consertado: 23 de agosto. A partir do reparo, o abastecimento seguiria o calendário de cada localidade.
Mas Valdecy rebate: “Eles já falaram isso antes. Disseram que consertaria 12 de julho, aí não chegou água, depois disseram dia 19, depois 26, aí disseram 2 de agosto, depois 6…”, ele contabiliza. E assim, o aposentado começa a se sentir enrolado.
Desde junho o LeiaJá acompanha a situação em Jardim Primavera. Naquele mês, a assessoria da Compesa apresentou um problema diferente para a falta de água. “O abastecimento (...) está sendo afetado devido a um estouramento próximo ao Shopping Camará”, disse. A retomada da distribuição estava prevista para 22 de junho. Nunca se cumpriu.
Na última semana, a assessoria da Compesa foi novamente cobrada. Ela respondeu ter finalizado na quarta-feira (21) a manutenção emergencial em uma Estação Elevatória de uma das unidades operacionais do sistema de abastecimento de São Lourenço da Mata, na RMR. “O sistema já voltou a operar e está em fase de enchimento do reservatório. A água será liberada ainda hoje”, afirmou por nota na quarta-feira (14) passada. Até o momento, nada de água na rua de Valdecy.
A espera infindável começa a tirar o sossego das pessoas. “Bate uma saudade do barulho da água chegando”, lamenta Joana Maria, também moradora de Jardim Primavera. Devido à situação, os moradores começaram a aproveitar a água da chuva. Joana diz que as famílias estão colocando cloro na água coletada e utilizando para banho, lavar louça, lavar roupa…
Na quarta-feira, Valdecy esteve na sede da Compesa em Camaragibe. Diz ter conversado com um funcionário de nome Evandro, que garantiu que a água chegaria no dia seguinte e, caso não chegasse, ele poderia voltar lá para cobrar. Pois bem, não chegou. O aposentado diz ter voltado e sido mal recebido. “Uma atendente discutiu comigo. Me tratou mal. Disse que talvez Evandro nem fosse aparecer, que talvez estivesse em Olinda. Eu disse ‘vou esperar’”. De fato, Evandro apareceu. Já a água? Nada. Valdecy também sempre liga para Arpe. Ele lembra que a primeira ligação foi no dia 15 de junho, quando a falta de água já preocupava. A agência responde que vai cobrar uma solução à Compesa.
A casa de Valdecy tem reservatórios que acumulam, ao todo, cinco mil litros de água. Como ele diz, agora está só na ‘laminha’. Diante das contas pagas, dos telefonemas que nada resolvem e da aflição que só quem não tem água há meses sabe como é, ele se sente impotente. Nos próximos dias, ele deve levar o caso ao Procon-PE e ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) enquanto paga 6,72% a mais para juntar água da chuva.
Águas de Camaragibe
No dia 5 de agosto, foi lançado o programa Águas de Camaragibe, uma parceria da Prefeitura e da Compesa. O objetivo é realizar ações de esforço hídrico e diminuição do racionamento na cidade, além de um mutirão para tapar 95 buracos abertos na cidade.
Inicialmente, a Compesa irá avaliar os terrenos da Comunidade Bondade de Deus e verificar as condições para instalações do sistema hidráulico. Receberão ações do projeto as seguintes localidades: Bairro Novo, Alberto Maia, Alto da Boa Vista, Vila da Fábrica, Carmelitas, Jardim Primavera, Jardim Teresopólis, Loteamento São Paulo e São Pedro, Timbi, UR-7 Várzea, Várzea, Santa Mônica, Tabatinga, Tabatinga Baixa, Santana, Centro, Céu Azul, Córrego do Desastre, Vila da Fábrica e Vila da Inabi.
Olinda
Em audiência judicial realizada em julho deste ano, o MPPE cobrou melhorias à Compesa devido às constantes irregularidades na distribuição para o município de Olinda. O juiz determinou que a Compesa apresente um cronograma com previsões de melhorias progressivas no racionamento das áreas mais críticas. A promotora cobrou que o calendário seja cumprindo, nem que para isso sejam enviados caminhões-pipas às localidades. Na mesma ação, foi requerido que a empresa anule as faturas não pagas referentes aos meses em que não houve fornecimento efetivo de água aos clientes.