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“A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, a gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é o que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa ao invés de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”. No Dia Nacional do Livro, o questionamento do escritor norte-americano Ray Bradbury, em sua distopia Fahrenheit 451, ecoa de uma das prateleiras da Biblioteca Pública de Pernambuco. Fundada em 1852, a biblioteca reúne cerca de 280 mil documentos em acervo, dentre os quais estão livros infantis, obras raras, clássicos da literatura e até títulos em braile.
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Uma das funcionárias mais antigas da Biblioteca, a auxiliar de serviços educacionais Severina Santos, carinhosamente apelidada de “Baína” pelos colegas, ainda se recorda dos tempos que em que trabalhou no setor de obras raras da instituição, nos quais descreve como mais intensa a movimentação de pesquisadores. “Antigamente, eu fazia estatística do acervo. Em um dia eu tinha cerca de 600 livros pedidos, hoje em dia você não vê 10”, comenta. Baína não sabe se é porque se lê menos ou porque mais pessoas têm acesso à internet. “Fico até triste, amava procurar obras no acervo, encontrar o que o leitor queria naquele mundaréu de livros. Hoje a movimentação é menor”, conta.
"Baína" se queixa de depredação do acervo por parte de usuários. (Paulo Uchôa/LeiaJáImagens)
Chamada de “Doutora” pelas colegas do restauro, setor responsável pela manutenção do acervo, “Baína”, em uma sala no subsolo da biblioteca, dedica-se a tentar reverter os estragos causados por bichos e homens nas folhas. “Antigamente não existia xerox, então era comum as pessoas roubarem as páginas dos livros que gostassem ou até capítulos inteiros. Mas ainda hoje, existem pessoas adultas que riscam e arrancam páginas dos livros do acervo”, lamenta. A colega, Edilene Rodrigues, ironiza: “Tem uns que gostam tanto da gente que evitam nosso trabalho e levam o livro todo”.
Funcionária mais antiga da biblioteca, Edilene mudou-se para o atual prédio da Biblioteca, na Rua João Lira, no bairro de Santo Amaro, Centro do Recife, junto à instituição como um todo. “Trabalho aqui desde 1972, o prédio foi construído em 1971 e ainda não tinha energia, água e uma parte do piso ainda era de cimento grosso. Coloquei os primeiros livros na prateleira”, lembra. O historiador da biblioteca Cícero Souza explica que a instituição existe desde 1852, mas mudou de sede várias vezes. “A Biblioteca nasce da iniciativa do deputado provincial Joaquim Pires Pimenta Machado, que solicita ao presidente da província sua criação, no Pátio do Paraíso (atual Praça Barão de Lucena)”, explica.
Edilene trabalha no setor de restauro dos livros e é uma das fucionárias mais antigas da biblioteca. (Paulo Uchôa/LeiaJáImagens)
Apesar de ter sido fundada no período do império, em que 98% da população brasileira era analfabeta, a Biblioteca registrou movimentação. A crescente circulação de pessoas demandou várias mudanças de sede. “Com acervo inicial de 459 exemplares, a Biblioteca era ponto de encontro da elite intelectual pernambucana. Sua segunda sede foi o Convento do Carmo, depois ela vai para o Casarão dos Pires, Casarão dos Sarmento até que, em 1930, é transferida para o Arquivo Público”, coloca o historiador. Apenas em 1971, o atual terreno foi escolhido pela gestão do Secretário de Educação Roberto Magalhães para abrigar a biblioteca no centro de um complexo educacional, em que está conectada a escolas públicas do centro.
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Antigo reduto da intelectualidade pernambucana, a biblioteca batalha para se popularizar. Dentre seus notáveis frequentadores estão Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, Martins Júnior - cuja coleção pessoal de livros foi doada à biblioteca por sua família - e Seu Amintas Pereira, apontado pelos funcionários da instituição como um de seus usuários mais antigos. Militar inativo, aos 73 anos de idade, Amintas perdeu as contas de quantos livros já leu, mas ainda se recorda do primeiro. “Quase todo mês renovo um diferente. A minha leitura começou sabe como? Antes dos dez anos de idade, morava com minha família pobre em Belo Horizonte (MG) e não tinhamos dinheiro nem para as três refeições básicas. Mesmo assim, eu ficava de ‘papagaio de pirata’ do vizinho, que sempre lia gibis”, brinca.
Seu Amintas é usuário assíduo da biblioteca e foi homenageado pela instituição este ano. (Paulo Uchôa/LeiaJá Imagens)
O interesse pela leitura comoveu a mãe do colega, que deu os primeiros livros de Amintas. “Fui crescendo e fiz vários vestibulares, praticamente sem curso preparatório. Foi apenas leitura. Comecei o curso de farmácia, que interrompi para trabalhar. Logo depois, fui aprovado pela Faculdade de Direito do Recife e quando fiquei sem fazer nada, fiz vestibular para música. Não é que passei?”, comemora. Este ano, Seu Amintas chegou a ser homenageado pela Biblioteca Pública durante as comemorações dos 165 anos da instituição. “O futuro é isso: livro aberto”, diz o maior dos leitores.
Renovação de leitores
No setor infantil, o pequeno Thiago Luiz, de 10 anos, vai pela primeira vez à biblioteca. Debaixo do braço, não traz histórias de vampiros ou blockbusters famosos. “Escolhi ‘O Menino da Lua’, porque é da coleção de Ziraldo. Já tenho um livro dele e quero procurar o resto”, conta. Usuário precoce de smartphone, Thiago garante que o aparelho não atrapalha sua leitura. “Gosto de ler. Minha mãe disse que a gente viria na biblioteca porque tem vários livros bons aqui”, completa.
Incetivado pela mãe, Thiago foi pela primeira vez ao setor infantil da biblioteca. (Paulo Uchôa/LeiaJá Imagens)
De acordo com Cícero Souza, trazer as crianças e jovens para dentro da biblioteca é um importante desafio a ser encarado. “As pessoas moram perto, estudam ao lado mas muitas vezes não entram aqui, talvez por não sentirem que a leitura lhes pertence, como se esse não fosse o espaço delas. Oferecemos acesso à internet e à pesquisa gratuita. A única taxa que cobramos do usuários é uma renovação por ano, que custa R$ 3”, opina. Para o também historiador da biblioteca Jorge Albuquerque, o brasileiro ainda lê pouco e mal. “É sempre o que está na moda, o que é badalado. Como ser feliz? Como ganhar dinheiro? As pessoas querem uma solução fácil para a vida delas. Isso cria uma visão simplista e imediata de tudo”, opina.
Curiosidades da Biblioteca Pública
-O livro mais antigo do acervo é o “Manual de confessores e penitentes de Martim Azpilcueta Navarro”, publicado em 1560. (457 anos);
-O menor livro da biblioteca mede apenas 10 x 7 cm, e chama-se “Exercitium devotum, tam preparatione sacerdotis ad missam celebrandam”, publicado em 1845;
-Já o maior, tem o tamanho de 67x55 cm. Trata-se de “Brazil Pittoresco : historia descripções viagens instutuições colonisação”, de Charles Ribeyrolles, do ano de 1859.
O percurso do livro
Conheça o caminho dos livros pelo interior da biblioteca até que chegue às prateleiras e seja oferecido aos usuários.
1) Seleção e aquisição
Em primeiro lugar, há três formas de os livros entrarem na biblioteca: por doação, compra ou permuta. Neste setor, são registradas as informações de chegada do livro.
2) Pesquisa/tombamento
Biblioteca confere se o livro já existe. Depois, o exemplar recebe o tombo (registro interno) e passa a oficialmente fazer parte da instituição.
3) Representação descritiva e tematica
Depois, o livro é inserido na base de dados, onde seu conteúdo é detalhado.
4) Reprografia
Por fim, as obras são etiquetadas e ganham um bolso, para serem direcionados para as prateleiras da área que mais dialoga com suas características, a exemplo dos setores infantil, circulante e de obras raras.
Serviço//Biblioteca Pública de Pernambuco
Funcionamento: De segunda à sexta, das 8 às 20:45 horas
Entrada: Gratuita
Aluguel de Livros: Gratuito (necessário cadastro e renovação de cadastro a cada ano)
Rua João Lira, no bairro de Santo Amaro, Centro do Recife