Ex-deputada federal pelo Rio Grande do Sul, a candidata do PSOL à Presidência da República, Luciana Genro, diz que, se for eleita, vai controlar a inflação a partir dos preços administrados pelo governo e de uma mudança no modelo agrícola, hoje voltado para as exportações e não para o mercado interno. Ao falar sobre seus planos para a educação, a candidata destaca a importância da regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas [IGF]. De acordo com Luciana, com fortunas acima de R$ 50 milhões pagando alíquota anual de 5%, é possível arrecadar R$ 90 bilhões ao ano, exatamente a quantia que o orçamento deste ano reserva para a educação.
Confira abaixo trechos da entrevista concedida à Agência Brasil.
##RECOMENDA##
Agência Brasil: As estimativas de inflação oficial pelo IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo] para o próximo ano estão em torno de 6,2%, próximo do teto da meta. Como a senhora pretende atuar para conter o aumento de preços?
Luciana Genro: A fórmula de controle de inflação adotada hoje não é a mais adequada. Altas taxas de juros acabam gerando recessão, como estamos vendo agora: o Brasil entrou em recessão técnica. Trinta e nove por cento da inflação nos últimos 20 anos são decorrentes de preços administrados pelo governo: luz, telefone, gasolina, planos de saúde, escolas particulares. A luz, por exemplo, tem aumentado acima da inflação e a gasolina é uma das mais caras do mundo. Pretendemos conter a inflação a partir dos preços administrados pelo governo e de uma mudança no modelo agrícola, pois grande parte da inflação deriva do aumento de preços dos alimentos. Nosso modelo agrícola é voltado para as exportações, e não para a produção interna. Mudar esse modelo, valorizando a pequena e média propriedades e a produção de alimentos, pode contribuir para conter a inflação.
Agência Brasil: Apesar de todo seu potencial energético, o Brasil continua com tarifas altas. O que fazer para evitar mais aumentos?
Luciana: O problema da energia foi a privatização. Um setor estratégico como este não deveria estar em mãos privadas, justamente porque, se uma empresa qualquer, uma fábrica quebra, isso não afetará o interesse da população, afetará o interesse dos trabalhadores localmente e daquele capitalista. O governo não precisa, necessariamente, socorrer uma fábrica que quebra. Com a energia, é diferente. Não se pode permitir que uma distribuidora quebre, o governo é obrigado a socorrer. Então, torna-se uma modalidade de capitalismo sem risco, pois, enquanto o setor está lucrando, o lucro é embolsado pela iniciativa privada. Mesmo assim, as tarifas têm aumentado muito acima da inflação, e o índice de correção, IGP-M [Índice Geral de Preços de Mercado] não é o mesmo usado para corrigir o salário das pessoas, que está sempre perdendo para o aumento da energia elétrica. Se as concessionárias de energia não estão dando conta do recado, que devolvam as concessões ao Estado.
Agência Brasil: Quais são seus planos para resolver gargalos de infraestrutura?
Luciana: Tudo isso envolve o problema das privatizações. A Rede Ferroviária Federal foi privatizada, entregue a duas ou três empresas que simplesmente liquidaram com o sistema ferroviário. E ferrovia é algo extremamente importante, porque o custo do frete ferroviário é 50% inferior ao do rodoviário. Assim é também o transporte pelos rios, que é fundamental e muito mais barato. É preciso desvincular o setor público do lobby das grandes empreiteiras. Não é casual que o transporte rodoviário seja o único que tem recebido incentivo. Os aeroportos também são objeto de leilões, assim como outros segmentos que poderiam ser incentivados e não estão sendo por causa dos lobbies poderosos do setor privado. A grande questão é desprivatizar o Estado, não permitir que o interesse privado se sobreponha ao público e modificar a visão de desenvolvimento econômico.
Agência Brasil: O debate sobre a reforma política se arrasta há anos. Qual é a sua posição sobre a atual reforma minirreforma e como o chefe do Executivo pode contribuir para que essa discussão efetivamente avance, respeitando a prerrogativa de independência entre os Poderes?
Luciana: Achamos que a proposta de reforma política da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] traz grandes avanços. O fim do financiamento privado é fundamental para garantir mais igualdade na disputa e também a desprivatização da política. Hoje os partidos, os políticos estão, na sua maioria, capturados por esses interesse econômicos que financiam campanhas milionárias. Defendemos uma profunda reforma política, que mexa nas estruturas do sistema, que hoje não serve mais aos interesses de uma democracia real. Precisamos também rever essa fórmula de alianças que é, na verdade, um grande balcão de negócios, de venda de partidos de aluguel, que emprestam seu tempo de televisão para os grandes partidos. Esse modelo também precisa ser modificado. A população também precisa de mais participação, por meio de mecanismos de democracia direta, inclusive com a revogabilidade dos mandatos, a exemplo dos que á existe na Venezuela. Na metade do mandato do presidente ou dos deputados, pode-se estabelecer um compromisso de revogabilidade para que políticos que se elegem e não cumprem seus compromissos tenham o mandato cassado. Assim, a população terá protagonismo, não só na hora de votar, mas ao longo de todo o processo político.
Agência Brasil: O Brasil é apontado como um dos países com maior carga tributária no mundo. No Congresso, tramita uma proposta de reforma tributária que pouco tem avançado. Quais os planos do seu governo para equacionar essa questão e minimizar o desgaste político que isso pode gerar?
Luciana: Precisamos de um grande processo de mobilização popular e de uma proposta que mostre claramente o seu viés popular, pró-provo, diferentemente de propostas em que a população não enxerga nenhuma vantagem na aprovação porque não mexe, por exemplo, com a tabela do Imposto de Renda, com a tributação dos bancos, nem com as grandes fortunas. Nossa proposta será claramente a favor do assalariado, do trabalhador, e frontalmente contra a manutenção dos benefícios do grande capital, principalmente dos bancos. Com uma proposta clara, conseguiremos a mobilização popular necessária para tensionar o Congresso Nacional, que, certamente, não terá a maioria do nosso governo, assim como nenhum governo tem a maioria. Mas sem estabelecer balcão de negócios, sem mensalão, sem compra de votos, sem usar cargos ou emendas parlamentares. E sim a partir da própria mobilização social, porque ela efetivamente funciona. Quando há pressão popular sobre o Congresso, há uma mudança clara na correlação de forças e é possível aprovar medidas que normalmente não seriam aprovadas sem essa pressão externa.
Agência Brasil: O Plano Nacional de Educação [PNE] é considerado uma grande conquista para o setor. Como pretende, em quatro anos, avançar nas pautas indicadas na lei? Como pretende resolver a questão do financiamento?
Luciana: Com mudanças na estrutura tributária e na política econômica, que hoje destina 40% do Orçamento ao pagamento de juros da dívida. Apenas com uma das medidas que apresentamos na proposta de revolução tributária, a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas [IGF], com fortunas acima de R$ 50 milhões pagando alíquota de 5% ao ano, estimamos que é possível arrecadar R$ 90 bilhões ao ano. Com isso, podemos dobrar os gastos com educação e, dessa maneira, atingir a meta de investir 10% do PIB em educação pública, não desperdiçando recursos públicos na educação privada.
Agência Brasil: A Constituição Federal de 1988 estabeleceu prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem identificadas e demarcadas. Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram homologados. A falta de definição sobre essas áreas acaba sendo uma das principais causas do aumento de conflitos e da violência no campo. Como a senhora pretende resolver a questão da demarcação de terras indígenas?
Luciana: Demarcando. É mera questão de vontade política do governo. E onde há conflito com pequenos agricultores, buscando resolver de forma pacífica, realocando esses agricultores em outras áreas onde eles possam garantir sua sobrevivência. O problema é que hoje não há demarcação de terras indígenas porque o governo prioriza o agronegócio, as grandes extensões de terra, os que têm se apropriado das terras indígenas e grandes empreendimentos.
Agência Brasil: É possível tornar o passe livre uma realidade? Como? Como o governo federal pode atuar para garantir melhorias na mobilidade urbana nos grandes centros?
Luciana: É possível a partir de mudanças na estrutura tributária e na economia do país. É interessante observar que, nas eleições, todos os candidatos prometem melhorias na mobilidade urbana, na saúde, na educação, na segurança e nunca dizem de onde vão tirar o dinheiro para as mudanças. Nós estamos dizendo claramente: não vamos governar para todos, vamos governar para a maioria. Vamos contrariar interesses, por isso, vamos mudar a estrutura tributária, aumentando a tributação sobre o capital, vamos suspender o pagamento dos juros da dívida e acabar com o superávit primário, que serve exclusivamente para pagar o “bolsa banqueiro”. Assim, teremos recursos para investir na mobilidade urbana, fazendo um fundo nacional que ajude os estados e os municípios a melhorar o transporte, desde que seja público, porque, evidentemente, não vamos financiar lucro para os empresários. A tarifa zero é possível, não da noite para o dia, evidentemente, mas a partir de um processo de qualificação e de diminuição do preço até chegar à tarifa zero. Desde que se tenha coragem de enfrentar esses interesses.
Agência Brasil: Como garantir a manutenção de um sistema de saúde público universal e gratuito e enfrentar esses gargalos? Como suprir a falta de médicos nas regiões mais isoladas?
Luciana: Com mais investimentos na saúde. Em primeiro lugar, precisamos garantir a aplicação de 10% da receita corrente bruta na saúde. Precisamos também mudar o atual sistema onde os leitos do SUS [Sistema Único de Saúde] são administrados pelo setor privado. Parece mentira, mas é verdade: 73% da saúde no Brasil são administrados pelo setor privado. Então, mesmo os leitos do SUS estão subordinados à lógica do lucro. E, para garantir médicos nas localidades, tem de haver uma carreira para os médicos. A profissão deles é tão importante quanto a do juiz, a do promotor público. Por que não falta juiz lá nas comarcas do interior? Porque o juiz tem uma carreira, ele sabe que vai passar três, quatro anos em uma comarca do interior, mas depois vai para outra maior e em seguida para um grande centro urbano. Ele aposta em uma carreira. Tem de ser dada ao médico a mesma importância que se dá ao juiz, garantindo uma carreira que vai assegurar a presença de médicos nos pequenos municípios. Mas tudo isso necessita de dinheiro, de investimento, e é aí que eu chamo atenção para o fato de que nós estamos propondo mudanças no sistema tributário e na política econômica que vão permitir que haja esse dinheiro. De outra forma, é pura demagogia eleitoral dizer que vai construir hospital, contratar médicos e, ao mesmo tempo, que vai manter essa política econômica, que é totalmente inviável do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social do país. Então, os três irmãos siameses, que é como tenho chamado a Dilma, o Aécio e a Marina, propõem manter essa lógica econômica. Com essa lógica, as promessas de campanha são pura demagogia e, mais uma vez, virá uma grande frustração para as pessoas que acreditam em uma mudança e que vão deparar com a continuidade do modelo econômico e, portanto, com a continuidade da falta de direitos sociais assegurados na Constituição, mas que não são cumpridos.