Aos 100 anos, Paulo Freire é atual. Com essa convicção, uma das maiores universidades do mundo, a Columbia, em Nova York, anuncia neste domingo (19), no centenário do educador brasileiro, uma série de eventos e incentivos para pesquisa sobre o seu trabalho. "Equidade, educação antirracista, gênero, a preocupação com diferentes camadas de opressão e exploração são temas com muita força na academia atualmente. E foram explorados há muitas décadas por Freire", diz o professor de Columbia Paulo Blikstein, que é brasileiro.
Ele é um dos idealizadores da Paulo Freire Iniciative, organizada pelo Teachers College, pelo Centro Lemann e pelo Institute of Latin American Studies (ILAS), todos de Columbia. No texto que apresenta a iniciativa, ao qual o Estadão teve acesso com exclusividade, a universidade americana lembra que Freire tem "um legado impressionante" que ajudou a promover "equidade e justiça social, missões alinhadas com as da Columbia".
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Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, no Recife, e passou a vida defendendo uma educação que transformasse o mundo. Criou um método de alfabetização de adultos, que deu certo em Angicos, Rio Grande do Norte, mas logo foi perseguido pela ditadura militar e teve de deixar o País. No exílio, suas ideias se espalharam e começou a consagração internacional. Voltou ao Brasil em 1979 e foi secretário de Educação na Prefeitura de Luiza Erundina. Freire foi um dos pioneiros de uma pedagogia crítica, preocupada em formar cidadãos.
Seu livro Pedagogia do Oprimido, de Freire, é o terceiro mais citado de todos os tempos em pesquisas da área de ciências sociais. Mais até que A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud. Freire morreu em 1997, aos 75 anos.
Por ignorância ou desconhecimento, o mais célebre educador brasileiro foi associado em tempos de bolsonarismo ao comunismo ou a uma educação partidária. Tornou-se um dos principais alvos de ataques de grupos de apoio, ministros da Educação e do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro.
A Columbia vai financiar estudantes que queiram pesquisar sua obra. Segundo Blikstein, a ideia é criar uma comunidade, que não precisa ser só de brasileiros. Haverá também um trabalho de advocacy em outras instituições do mundo para manter vivo o trabalho do brasileiro.
Os primeiros eventos serão em 3, 4, 10 e 11 de novembro com nomes da cultura e educação brasileiros e estrangeiros que vão discutir o legado de Freire em vários aspectos. Ele será online e aberto ao público em geral. E a partir de 2022 todo dia 19 de setembro terá uma palestra especial em homenagem ao educador na Columbia.
"Num momento no qual o País se encontra tão polarizado, precisamos contribuir para que setores da sociedade brasileira compreendam que Paulo Freire é um intelectual sofisticado, com propostas concretas para a educação de crianças, jovens e adultos", diz o aluno brasileiro de doutorado da Columbia, Danilo Fernandes Lima da Silva, de 34 anos, que também organiza a iniciativa.
Blikstein diz que a ideia dos eventos e pesquisas não é apenas repetir as ideias de Freire. "Ele sempre falava que ele não queria ser um fóssil, queria que o reinventassem, então é repensar, significar o que ele falou, mas antenado no mundo atual." A ideia dos organizadores é ampliar a iniciativa ao longo dos anos com mais seminários, publicações e bolsas de estudo.
Família. A neta de Paulo Freire, Sofia Freire, diz que está esperançosa por mudanças no País com a chegada do centenário do avô. Ela conta que, desde que voltou ao Brasil há três anos, depois de morar em Barcelona, convive com ataques a Freire. Sofia acaba de criar o coletivo independente Esperanzar (referência à palavra célebre do educador, que dizia que era preciso ter esperança e agir e, não, só esperar) para fomentar e assessorar ações transformadoras com movimentos sociais e atores culturais urbanos periféricos.
Uma das iniciativas é um mural imenso em um prédio na Avenida Pacaembu, na zona oeste, com uma foto de Freire e a frase: Esperançar: Amar é um ato de coragem. A expectativa é de que a obra, feita pelo artista Raul Zito, fique pronta hoje. "Escolhemos uma frase amorosa, não queremos partir para o conflito. Queremos gerar emoção e, se der para partir para a ação, melhor ainda", diz Sofia.
ENTREVISTA
Sérgio Haddad
biógrafo de Paulo Freire
O pesquisador Sérgio Haddad, biógrafo de Paulo Freire, acredita que os ataques que surgiram no governo de Jair Bolsonaro ajudaram a impulsionar a busca por conhecimento sobre o educador.
Há um entendimento equivocado de quem foi Paulo Freire?
Tem muita desinformação na crítica, por exemplo, ele nunca foi comunista. Era, sim, um pessoa de esquerda, estava do lado dos mais pobres, mas não se alinhava a nenhum governo autoritário, foi crítico com os comunistas. Mas há aqueles que não querem saber, criticam porque foi secretário do PT.
Onde é possível ver Freire nas escolas atuais?
Nas escolas mais participativas, que trazem o conhecimento dos alunos para a sala de aula. Freire fala que se um professor passa um ano dando a sua aula e no fim ele é o mesmo, algo está errado. Esse estímulo a refletir no processo educativo é freireano.
Os ataques o enfraqueceram?
Acho que a quantidade de eventos, de textos, que vem sendo feitos foi também muito impulsionada por essa conjuntura. Desde a campanha, com ministros da Educação atuais, foi surgindo um movimento em defesa do legado de Freire e de debate sobre seu pensamento e obra. Se ele estivesse vivo, seria uma voz muito forte para confrontar o que está ocorrendo. Ninguém é obrigado a gostar dele, mas respeitar seu reconhecimento internacional seria uma forma de respeito à ciência.
O que será que ele diria sobre Bolsonaro?
Ele estaria muito bravo, estaria verbalizando uma raiva, mas também o esperançar. A importância de saber que o futuro não é inexorável.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.