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Em espaços improváveis, sobre o mato que cresce nos lugares esquecidos, famílias inteiras, crianças, cachorros. Nos barracos de madeira e lona, onde se é íntimo da miséria e da dureza da existência, vivem inúmeras pessoas nas invasões do Recife. Invasões, ocupações que crescem e se tornam comunidades. São várias na capital pernambucana, a mesma que se orgulha pelos novos empreendimentos, pelo alto padrão de vida.
##RECOMENDA##Vizinhos ao Aeroporto Internacional dos Guararapes, de onde chegam e saem tanta gente, eles permanecem. Uma comunidade nascida ao lado dos trilhos, num terreno da União, espremida entre a Avenida Recife e a pista do Aeroporto. De um lado, carros; do outro, aviões que embarcam e desembarcam. Na última sexta-feira (5), um incêndio acabou com dois barracos, inclusive o de Antônio Francisco Ferreira.
“Destruiu tudo, era fogo demais. Vi minha máquina de solda, minha TV, bicicleta, liquidificador, tudo perdido. Trabalhei para ter tudo o que eu tinha aqui, mas Deus não deixa cair uma folha sem sua permissão”, dizia resignado o morador que há um ano e dois meses se mudou para a comunidade. Vivia de aluguel em uma casa ali mesmo no Ipsep. Separado da mulher, tem um filho e contato quase zero com o resto da família. “As pessoas me ajudaram, deram roupa, porque perdi tudo. Mas é difícil, porque sentimos falta das nossas coisas”, lamentava Antônio Ferreira.
A comunidade, apesar de existente há quase dois anos, ainda não tem nome. Os moradores ainda lutam pelo cadastro na Prefeitura. Não é do desconhecimento de ninguém: têm pessoas que “não precisam” e mesmo assim vão para dar o nome no cadastro e conseguir um apartamento em algum dos conjuntos habitacionais da gestão pública. Mas esses não representam a maioria dos moradores, segundo eles. A maioria que está ali precisa.
“Só saio com as casas. Não dá pra viver de aluguel”, garantiu Maria de Fátima do Carmo, com uma das netas nos braços. No barraco, mora ela, a filha e dois netos. Sobre o barulho emitido pelos aviões, ali tão próximos, a necessidade parece falar mais alto. “Esse barulho é que faz a gente dormir mesmo (risos). A gente já se acostumou. Só tem um que é o maior e faz uma zoada danada, mas quase não passa”, explica a mulher.
Também considerada em local de risco, as comunidades Vila Sul 1 e 2 rapidamente foram erguidas em outro terreno da União, pertencente atualmente à Ferrovia Transnordestina Logística. Também ao lado dos antigos trilhos do trem, embaixo dos pontilhões do Metrô do Recife, várias famílias se alojaram no espaço localizado na Avenida Sul. Lá, todos já estão cadastrados, mas o sentimento de insegurança tem crescido. Pequenos incêndios atingiram o lugar e muitos moradores têm certeza de terem sido práticas criminosas, feitas de propósito.
Os fatos se tornaram casos de Polícia. “Não queríamos envolver a Polícia, mas não tem jeito. Entramos em contato com o pessoal da Delegacia da Rio Branco, porque isso não pode ficar assim. São, claramente, incêndios criminosos que podem tirar vidas de pessoas daqui”, afirmou uma das lideranças do local, Bernadete Oliveira. Em outras comunidades do Recife, que nasceram de invasões semelhantes à do Aeroporto e à Vila Sul, hoje existem casas de alvenaria, mas o risco permanece.
No dia 31 de Agosto, seis casas foram atingidas por um incêndio na Comunidade Vila Miguel Arraes, em Cajueiro. Muito próximas umas das outras, todas ficaram destruídas. Apesar das várias crianças residentes no local, ninguém se feriu. Muitos dias após o incidente, os moradores ainda retiram os entulhos e tentam encontrar objetos sob as cinzas. “Era uma e pouca da manhã. Só deu tempo de tirar as crianças. Até hoje ninguém sabe o motivo. Demos os nomes à Codecir (Coordenadoria de Defesa Civil do Recife), eles mandaram uns colchões. Estamos na casa de amigos, parentes”, disse uma das moradoras atingidas, Wilma Santos.
Nova cidade, cenários antigos
No bairro do Pina, há alguns anos, às margens do Rio Capibaribe não havia shopping, grandes empresariais; não existia a Via Mangue e, mesmo assim, elas já estavam lá. As palafitas são um dos elementos mais degradantes do urbanismo em algumas das grandes cidades do país. No Recife, mesmo com o “desenvolvimento”, de um lado, do outro os barracos levantados sobre o mangue resistem ao tempo.
Para a construção da Via Mangue, diversas famílias precisaram sair dos barracos e foram direcionadas aos habitacionais Via Mangue 1, 2 e 3. Houve quem só recebeu as indenizações, de acordo com Empresa de Urbanização do Recife (URB). Aproximadamente mil pessoas, diz o órgão. Os trabalhos no local foram concluídos, mas ainda há pessoas que sobrevivem nas palafitas, há bastante tempo.
Catador de latinhas, Fábio José do Monte já perdeu a conta de quanto tempo vive nas palafitas. “A minha sobrinha já nasceu aqui e hoje tem 22 anos. Faz tempo. É complicado, quando chega a eleição sempre vem algum candidato, mas nunca faz nada. Quando começaram a construir a Via Mangue, teve um barraco ali que rachou. Além dos bichos, ratos, que passam sempre aqui. Se eu tirasse um salário mínimo, com certeza não viveria aqui”, afirmou o catador que diz conseguir cerca de R$ 120 por mês com o trabalho.
Eles garantem que as palafitas são as únicas opções de moradia da família. Parentes de Fábio, Milene Celestino e Ebert Liberato moram juntos no barraco ao lado. “O sentimento é de que somos excluídos. As pessoas se esqueceram daqui. Ninguém veio para cadastrar ninguém”, mencionou Ebert. Todo ano eles precisam trocar as tábuas de madeira – o chão – do local. O banheiro improvisado leva os dejetos diretamente na maré. “A presidente (na inauguração da Via Mangue) passou aí e viu a gente. Não fez nada, né?”, se questiona Milene.
Prefeitura garante apoio às ocupações
O Secretário de Habitação do Recife, Romero Jatobá, conversou com a reportagem do Portal LeiaJá e disse que a Prefeitura trabalha incansavelmente para encontrar soluções a estas pessoas. Sobre a comunidade do Aeroporto, Jatobá explicou que “está em total apoio com as lideranças e está visualizando um conjunto habitacional para os moradores”. Segundo o secretário, o prazo para a solução das famílias é ainda para esta segunda quinzena de setembro.
Já cadastrados, os moradores da Vila Sul 1 e 2 estão em maior contato com a Prefeitura e o terreno está em vias de negociação com a comunidade. Questionado sobre a prática de algumas pessoas levantarem barracos apenas para “ganhar apartamentos” nos habitacionais da Prefeitura, Romero Jatobá garantiu que há uma fiscalização sobre isso. “Infelizmente, ainda encontramos tais pessoas. Eles fazem com que outros, que precisam, percam vagas. Mas a Prefeitura tem seus critérios, na hora de analisar os cadastros, como renda, família, e fiscalizamos com um cruzamento de dados, para saber se a pessoa já foi contemplada ou indenizada em alguma ocupação”, disse Jatobá.
O caso mais difícil são o dos moradores das palafitas. A Secretaria de Habitação argumentou que o caso é de responsabilidade da URB, mas a Empresa de Urbanização explicou que ficou incumbida de resolver os casos das palafitas no perímetro da Via Mangue. Os demais barracos, como os de Fábio, Milene e Ebert, mais afastados da nova opção de mobilidade à Zona Sul, parecem ser de ninguém. E lá continuarão, até algum novo empreendimento que impeça sua permanência.