Os atos criminosos que levaram à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal são péssimos para a economia e para a fase inicial de "arrumação da casa" prometida pelo governo Lula. A instabilidade, por si só, já deve gerar volatilidade com o risco do que aconteceu em Brasília se alastrar pelos Estados.
A crise adicionou uma nova preocupação para os técnicos da área econômica do governo e também para os analistas do mercado financeiro: o da marcha golpista ampliar as dificuldades para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adotar medidas impopulares, sobretudo de alta de impostos e de corte de subsídios e renúncias fiscais, além de redução das despesas com a menor execução do Orçamento em 2023.
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Apesar da mobilização do governo na resposta aos ataques dos extremistas, Haddad disse a interlocutores, ouvidos pelo Estadão, que trabalha para anunciar as primeiras medidas de ajuste ainda nesta semana - como estava planejado desde a semana passada. Haddad prefere não chamá-las de um plano, mas de medidas econômicas, o primeiro passo da estratégia para apontar uma trajetória para estabilizar a dívida pública em 76% do PIB.
Se o governo quer mostrar normalidade e busca seguir com o cronograma, no mercado há preocupação de atrasos nos anúncios e de o governo ficar ainda mais "conservador" e acabar brecando medidas mais duras, sobretudo sob a influência da ala política, como aconteceu com a prorrogação da desoneração dos combustíveis nos primeiros dias da nova adminitração.
"A gravidade do ponto de vista institucional e social não muda a situação fiscal do governo. Uma eventual postergação dessas medidas de ajuste do enfrentamento das questões fiscais é muito ruim", avalia Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investment e ex-secretário do Tesouro Nacional. Segundo ele, há um ajuste fiscal pendente que, quanto mais tempo demorar para ser feito, mais efeito terá sobre o estoque da dívida pública. O ex-secretário afirmou que os atos ocorridos no domingo podem ter outro efeito: tornar o governo mais avesso a tomar medidas impopulares.
Em relatório divulgado nesta segunda, 9, a economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour, e equipe alertam que os atos podem atrasar a agenda econômica. "Os acontecimentos de ontem (domingo) podem atrasar por algum tempo a discussão da agenda econômica, mais especificamente, do plano de ajuste fiscal de médio prazo", diz o relatório.
Um dos articuladores do encontro de ontem de governadores com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), disse que a hora é de união em defesa da democracia e que a agenda pode ficar para depois. "Queremos uma investigação exemplar", disse. "As outras pautas econômicas e sociais vão ficar para depois."
'Repacificação' pode tirar foco da pauta econômica
A invasão de prédios dos três Poderes no domingo, em Brasília, terá impactos na economia. Para especialistas, a médio prazo o governo Lula terá sua atenção desviada para a reorganização do País, enquanto poderia focar seu trabalho em soluções para os entraves econômicos.
"O governo assumiu com problemas econômicos complicados. Tinha de gastar seu tempo para resolver essas dificuldades, mas agora vai gastar uma energia enorme para repacificar o País. É evidente que isso atrasa a economia", diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. "Em vez de discutir o problema fiscal e fazer políticas públicas que redistribuam renda, o governo vai ter de gastar tempo para encontrar recursos para arrumar computador que foi quebrado e trocar vidros", acrescentou.
No último domingo, 8, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está nos EUA, invadiram as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e deixaram uma rastro de destruição. Obras de arte foram vandalizadas, móveis foram quebrados, vidraças foram destruídas e há registro de furto de documentos e peças. O saldo foi a prisão de mais de 1.500 pessoas, intervenção federal na área de segurança do DF e afastamento por 90 dias do governador Ibaneis Rocha.
Pastore destacou que instituições íntegras são essenciais para um país se desenvolver e ter também estabilidade de preço. "Isso (a tentativa de golpe) não se traduz em pontos porcentuais de subida de câmbio ou curva de juros. É algo muito mais profundo. Os países que se desenvolvem são os que têm instituições políticas e econômicas fortes e inclusivas, não os que têm instituições extrativistas e que geram instabilidade. O que assistimos foi um ataque inadmissível às nossas instituições."
Arcabouço fiscal
A economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, também aponta que o ataque à democracia deve atrasar o andamento da pauta econômica. Segundo ela, o agravante desse cenário é não saber quanto tempo será necessário para amenizar a situação em Brasília.
"As investigações que serão feitas podem ter desdobramentos que não conseguimos antecipar. Nosso receio é de que esses desdobramentos façam o problema institucional levar mais tempo para ser resolvido", diz. Enquanto isso, acrescenta, a discussão para criar um novo arcabouço fiscal deve ser postergada.
Para Alessandra, enquanto não houver uma definição sobre a nova regra fiscal a incerteza continuará alta. Isso, por sua vez, deve deteriorar as condições financeiras e afetar negativamente a atividade econômica no curto prazo. A economista afirma ainda que o investidor, principalmente o estrangeiro, deve ficar mais cauteloso. "Não vai haver uma debandada de investimento estrangeiro, mas ele não vai entrar nem sair do País enquanto aguarda uma definição fiscal e o desenrolar dessa questão institucional."
Na visão do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, no entanto, o fato de a tentativa de golpe ter fracassado deve dar força à frente ampla que apoia o governo. Por outro lado, ele diz que o ataque não muda o fato de o governo ainda não ter apresentado seu programa econômico, mas que as expectativas em relação a esse plano cresceram agora. "O governo vai gastar mais tempo para se recompor. Algumas decisões relevantes vão ter de acontecer. Isso aumenta a ansiedade e a importância do anúncio e do programa que vai ser desenvolvido."
Já de acordo com Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), o ataque ocorrido pode favorecer o novo governo Lula ao isolar a oposição extremista. A economista diz que, em um primeiro momento, o cenário de instabilidade pode atrapalhar a atração de investimentos, mas que isso não deve permanecer. "Não é uma crise política generalizada. O governo não fechou o Congresso, por exemplo."