No primeiro mês do ano, é celebrado o mês da visibilidade trans. Em janeiro, muitas pautas são levantadas para destacar os desafios e possíveis soluções para diminuir a desigualdade e o preconceito com pessoas transsexuais e travestis. No mercado de trabalho, os desafios não são menores, mas as soluções são possíveis.
Segundo dados do Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras de 2021, apenas 4% da população trans feminina possui empregos formais no Brasil. A população trans enfrenta sérios obstáculos causados pela transfobia no meio social e no meio corporativo. Neste contexto, algumas empresas se posicionam com iniciativas transformadoras.
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Um dos exemplos de empresas brasileiras com estas iniciativas é a marca de telefonia TIM. A agência possui, atualmente, 35 colaboradores trans, com uma área dedicada ao programa de diversidade e inclusão, que foi incluída em 2019, ao colocar o pilar LGBT como prioritário. Dentre os projetos desenvolvidos, o “Transforma TIM” é um dos mais conhecidos por disponibilizar vagas afirmativas para pessoas trans, em áreas diversas de atuação.
Além da contratação, a firma também oferece graduação gratuita para todos os colaboradores trans, visando o dado divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transsecuais, o ANTRA, em que apenas 0,02% das pessoas trans têm acesso a uma universidade no Brasil. Atitudes ativas podem tornar o ambiente de trabalho um local menos violento com a população trans.
“Uma das principais barreiras hoje para a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho é o preconceito. É uma população muito marginalizada, que tem muita dificuldade de acessar as oportunidades. Então a gente tem um trabalho que é integrado de sensibilização de toda a companhia, de sensibilização dos líderes e das equipes onde essa pessoa trans vai ser acolhida, vai ser incluída”, declara Alan Kido, o gerente executivo de diversidade e inclusão da TIM.
Alan Kido trabalha na área desde 2019 e defende a importância do trabalho afirmativo por parte das empresas. Para ele, os negócios são um extrato da sociedade e devem representar o aspecto social. O gerente defende que o papel das empresas é “deixar um legado positivo” para o meio que está inserida.
“Quando a gente olha os grupos minorizados de uma forma geral, se você for observar, muito dessa não-inclusão está associado a aspectos de qualificação ou de empregabilidade, né? E as empresas não têm só um papel, mas eu acredito que essas empresas tem uma responsabilidade social de contribuir com essa transformação também da realidade do país”, afirma Kido.
O emprego não gera só uma ocupação, mas uma renda que gera dignidade e autonomia. Mesmo não sendo uma realidade na maioria das empresas brasileiras, Alan defende que o investimento em ações afirmativas no mercado de trabalho são muito válidas, seja pequena ou não, pelo poder de mudar a vida de alguém. Segundo o mesmo, estas atitudes deveriam ser “prioridade de todos”.
Profissionais que vivem as iniciativas
Dentro dos projetos apresentados, Marcela Sena e Iris Becker são, atualmente, mulheres trans contratadas pela agência de telefonia na sede de Pernambuco e contam com o suporte afirmativo e inclusivo no seu dia a dia corporativo. Iris Becker foi contratada como jovem aprendiz pela iniciativa “Transforma TIM”, com as vagas voltadas para pessoas trans. Hoje, a colaboradora é estagiária de inteligência comercial da firma.
Estagiária de inteligência comercial Iris Becker. Foto: Assessoria/TIM
Becker está no sexto período de administração e está vivendo seu primeiro estágio. A jovem conta com o apoio da companhia na formação do ensino superior, pela iniciativa de disponibilizar graduação gratuita. Ela explica que o programa é positivo para quem está entrando no mercado de trabalho, pois visa a “capacitação”.
“Para mim é muito importante essas políticas afirmativas, (...) principalmente porque o problema sempre vai ser a falta de oportunidade, nunca capacitação. Gente capacitada a gente sempre teve. Mas principalmente agora que a gente está na era da tecnologia, a gente coloca muito em pauta essa questão de diversidade adentrando o mercado de trabalho nesse momento que está sendo revolucionário, tanto com tecnologia, inteligência artificial e muitas pessoas trans que trabalham com tecnologia”, cita Iris.
A profissional defende que práticas de inclusão no mercado se tornem mais comuns. O empreendedorismo pode se abrir para receber pessoas diversas no seu meio. Segunda ela, a falta de conhecimento está ligada com a falta de interesse das companhias em se conscientizar. Contratada pelo projeto de diversidade, a estagiária explica que as vagas afirmativas “são uma necessidade”.
“Nós trans às vezes nem conseguimos nem terminar o ensino médio, então a gente já vive uma dificuldade no background dessa história não só no mercado de trabalho, mas de vivência. Muitas acabam na rua, na prostituoição (...) Então quando a gente vê uma pessoa trans que se dar a oportunidade de estudar porque a gente não pode ajudar um pouco mais dando o excesso a ela que sempre foi negado?”, destaca Becker.
Para o futuro, Iris Becker espera continuar na área em que trabalha, além de continuar estudando para aprimorar seu conhecimento e alcançar um cargo de maior competência no futuro, como uma coordenação. Ao seu lado, Marcela Sena trabalha com Iris, na área de consultoria de relacionamento. Com 28 anos, Marcela também é uma mulher trans no mercado de trabalho.
A consultora transacionou em 2018, com 23 anos. Na época, ela tinha acabado de ser demitida de onde trabalhava e passou um ano sem emprego, vendendo brigadeiro no Marco Zero, no centro do Recife. Nas suas vendas, ela dividia sua história e sua dificuldade de conseguir emprego por ser trans. Neste contexto, as portas abertas por parte dos empregadores são essenciais para valorizar essas pessoas.
Consultora de relacionamentos Marcela Sena. Foto: Assessoria/TIM.
“Quando eu transicionei, eu imaginava [a dificuldade]. Eu anotei no caderno os pontos positivos que eu ia ter e os pontos negativos. E um deles era justamente a questão no emprego, porque a população trans no Brasil é jogada e empurrada pra prostituição, né? A gente tem aí um dado de 90% pela ANTRA de desempregos para a gente e a única oportunidade é o trabalho informal, que é a prostituição”, compartilha Sena.
A entrevistada relata que também foi empurrada para prostituição quando ficou desempregada, mas recorreu a venda de brigadeiros por não ser um mercado que ela quisesse e soubesse lidar, por medo. Hoje em dia, Marcela conseguiu uma carteira de trabalho assinada e faz graduação em criminologia. Para ela, o trabalho de inclusão empresarial é possível em qualquer empreendimento.
“Eu acho importante um treinamento de diversidade e inclusão mas não com pessoas cis, não com pessoas fora dessa vivênvia. Se você é uma empresa que está iniciando a contratação de pessoas trans, você pode buscar referências com outras mulheres trans que a empresa vai ter conhecimento. (...) Eu acredito que o RH tem que ter esse posicionamento de procurar uma pessoa trans, dizer que quer incluir e contratar e, também, contratar essa pessoa para dar essa palestra e explicar sobre a diversidade”, especifica.
O ato de conscientizar o time de colaboradores promove que o ambiente de trabalho se torne um espaço seguro e confortável para quem chega. A consultora explica que as empresas precisam se posicionar, “no final das contas é o nome da empresa que está em jogo”. Apesar do seu começo no mercado de trabalho não ter sido amigável, Marcela se sente feliz em estar em uma empresa onde pode “ser quem quiser” e cria expectativas para seu futuro profissional:
“Eu quero seguir o cargo de liderança e quero poder ser a mais nova mulher trans que tá liderando outras pessoas, que estão ali empoderando e poder, em um dado momento, com a solicitação da empresa fazer contratação de outras pessoas trans, participar desse processo… É isso que eu quero, é isso que eu estou visando”, divide.
Em celebração ao mês da visibilidade trans, Marcela Sena pede que outras mulheres trans não percam a esperança de conseguir um emprego. “O mundo está mudando. Eu quero que outras mulheres trans entendam que aqui a gente está aberta para ajudar nesse sentido e diminuir esse dado que é tão alto de 90% de desemprego trans”.