Com o declínio da Guerra Fria, o polo de tensão mundial deslocou-se, em especial depois do 11 de setembro. Agora, é com a facção radical do mundo islâmico que os Estados Unidos travam seu combate sem tréguas. Nesse nicho se insere O Homem mais Procurado, filme de Anton Corbijn baseado em romance de John Le Carré.
Há um prólogo, dizendo que foi um descuido de informação alemã que possibilitou o ataque da Al Qaeda aos Estados Unidos em 2001. E que isso não deve se repetir. Essa introdução serve para nos apresentar ao agente Günther Bachmann (Philip Seymour Hoffmann), incumbido de evitar novas ameaças terroristas aos EUA que partam do território alemão. Inútil dizer que trabalha em colaboração com a CIA. E mais óbvio ainda notar que existem rivalidades entre as agências, para não falar em disparidade de métodos e objetivos.
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O Homem mais Procurado pode não ser nenhuma obra-prima. Mas é sempre revigorante assistir a um filme como este, que destoa da aposta no medíocre, na simplificação, nas dualidades tolas entre o bem e o mal. Aqui, as coisas aparecem mescladas. Mesmo porque, como ponto de partida, não se demoniza o mundo islâmico para realçar a bondade norte-americana e o papel dos EUA como pilar do mundo livre. Poupa-se, assim, o espectador da forte conotação ideológica de boa parte do cinema contemporâneo.
A história, como boa trama de espionagem, é bastante complexa. Há um homem, imigrante de origem chechena, que se refugia na comunidade islâmica de Hamburgo enquanto tenta apoderar-se da fortuna do pai, depositada num banco. Issa Karpov (Grigoriy Dobrying) entra ilegalmente na Alemanha e traz em seu corpo as marcas da tortura sofrida em uma prisão russa. Ele, que busca uma saída e uma salvação será, progressivamente, presa das intrincadas teias de agências de espionagem rivais, cada qual obedecendo a interesses específicos. Nesse emaranhado, o valor da vida humana é nulo.
Günther Bachamann tenta conduzir tudo a uma situação em que possa salvar o homem. Em meio a problemas pessoais, Bachmann parece apegar-se a esse resquício de dignidade humana numa profissão em que sentimentos parecem perfumaria. Ou apenas fraqueza. Talvez veja aí uma saída pessoal, uma espécie de redenção após haver chafurdado durante muito tempo em ambiente em que os homens revelam o que têm de pior. Nesse emaranhado, interesses econômicos e políticos se cruzam e se contradizem, formando um tecido intrincado e quase ininteligível. Por isso, quando a agente da CIA diz que o objetivo de tudo aquilo é apenas tornar o mundo um lugar mais seguro, sentimos o que há de irrisório nessa frase feita.
Através do personagem de Günther Bachmann nos é devolvida nada menos que a complexidade do mundo, que em geral o cinema nos rouba. Pesam muito aqui, para a densidade do personagem, tanto o registro em que Anton Corbijn coloca o filme quanto a personalidade de Seymour Hoffmann. Corbijn trabalha numa paleta de cores desmaiadas e com frequência opressivas. Paleta essa ideal para o ator, que se move bem com personagens sombrios, angustiados, problemáticos. No caso, Bachmann parece se adequar de maneira particularmente trágica ao final da vida de Hoffmann. De toda forma, sempre que virmos este O Homem mais Procurado, não conseguiremos evitar o pensamento de que foi o último papel completo de um grande ator, que abreviou a vida voluntariamente.
O filme tem alguns pontos mais frágeis. O primeiro, uma trama às vezes tão intrincada que pode derrotar o espectador mais solidário. Outra, o fato de ser um norte-americano a interpretar um agente alemão que fala inglês o tempo todo. Essa escolha cobra um determinado preço que abala o realismo em determinadas passagens. Mas o fato é que a integridade da interpretação de Philip Seymour Hoffmann e a maneira como o filme retrata o mundo contemporâneo, em sua complexidade e impiedade, o resgatam de pequenos problemas.
Um tom de melancolia impregna toda a história, do princípio ao fim. E dela emana a estranha beleza dessa obra-testamento de um grande ator. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.