Na manhã deste sábado, o neto de Telê Santana estará comandando a equipe do Varginha Esporte Clube em um amistoso contra o Novorizontino, no estádio Jorge Ismael de Biasi, em Novo Horizonte. Seria mais uma estreia comum de um treinador desconhecido no futebol brasileiro, não fosse Diogo Tenuta Silva neto de mestre Telê, campeão do mundo com o São Paulo e comandante de uma das melhores versões da seleção brasileira que o planeta já viu, a da Copa do Mundo de 1982, com Júnior, Falcão, Sócrates e Zico.
"Este trabalho à frente do VEC vai ser um grande desafio. Gosto de comandar o grupo e, sem arrogância nenhuma, eu tenho certeza de que trago dentro de mim o legado de meu avô", disse Diogo, de 39 anos, que fez cursos para técnico na Itália, em Portugal e no Barcelona, modernizando concepções aprendidas no dia a dia de convívio com Telê. "Carrego dentro de mim o mesmo sentimento que ele tinha pelo jogo bem jogado. Ele tinha e eu também tenho adoração, paixão pelo dia a dia de trabalho com o futebol. É uma responsabilidade gostosa levar adiante esse legado de meu avô. E eu tenho a chance de modernizar os seus métodos".
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Diogo Tenuta diz que quer viver para o futebol. "Não viver do futebol, entende? Tive esta certeza quando voltei da Europa e trabalhei uns tempos no sub-14 do Cruzeiro. Foi amor à primeira vista: uma paixão que começou em minha casa com meu avô". Ele diz que é um sentimento diferente, passado de pai para filho, verdadeira herança dos tempos em que era um menino e conviveu com Telê na Arábia Saudita.
"Eu jogava com ele, que era tremendamente competitivo e fazia questão de ensinar como bater corretamente na bola. Ele fazia comigo o que fazia com os jogadores de todos os times que treinava: queria sempre aperfeiçoar o estilo de seus atletas. Eu vi meu avô transformando jogadores. Aperfeiçoando. Queria a partida de 90 minutos, sem nunca jogar para trás. Ele buscava o prazer do jogo", ressalta.
Do avô, Diogo traz também a busca pela perfeição. Telê não tinha problema algum em mandar seus atletas repetir jogadas até ele achar que estava bom. Naquele tempo, treinava-se mais. Sua perfeição começava com a qualidade do gramado. Telê era visto tirando gramas amarelas do campo. No jogo, ficava aborrecido quando as coisas não davam certo. "Ele não admitia erros de passes, cruzamentos e finalizações. É como dizemos em casa: esses erros são como se atores subissem ao palco do teatro sem saber suas falas, sem decorar suas atuações. Então a minha escola futebolística é a escola do meu avô, a escola Telê Santana, pena que ele não tenha posto no papel toda a sua metodologia".
Embora o time de Varginha seja modesto, Diogo quer que sua equipe jogue com alegria, buscando no coletivo o remédio para a inexperiência de um grupo quase totalmente formado por jogadores sub-24. "Nós vamos disputar o Módulo II do Campeonato Mineiro, com estreia marcada para o dia 27 contra o Uberaba. Faremos agora este primeiro amistoso com o Novorizontino, que vai jogar a Série B do Campeonato Brasileiro. Vai mostrar se estamos indo no caminho certo. É um trabalho que ainda está em sua fase inicial. Nossos jogadores ganham em média apenas R$ 2 mil. Mas, em compensação, o Campeonato Mineiro é uma grande vitrine para todos eles".
Quando menino, Diogo foi um centroavante dedicado. Seguia os conselhos do avô e do pai Renê Santana. Mas não deu muito certo. Sua carreira foi curta e sem glórias, diferentemente da de seu avô, que era um motorzinho no campo, como dizia o cronista Nelson Rodrigues. Telê no Fluminense "corria como os ponteiros dos segundos de um relógio".
"Eu jogava desde pequeno com meu avô e sempre escutava o que dizia. Falava do seu encantamento com a Hungria de 1954, com a Holanda da Laranja Mecânica, 20 anos depois. Eu ouvia e ia guardando seus ensinamentos. Tentava colocar tudo em prática".
Uma vez, em 1998, quando jogava pelo Tupinambás de Itabirito, Diogo disputava uma bola na área adversária, justo no momento em que o avô entrava no estádio. Telê ouviu um barulho estranho e embora estivesse bem longe do lance, sentenciou: "O Diogo quebrou a perna... foi fratura". Dito e feito. "Fraturei a tíbia".
Telê tinha um grande poder de observação e conhecia ou reconhecia tudo o que se passava no mundo do futebol. "Ele tinha uma percepção aguçada, sabia de tudo o que ocorria em campo. Analisava e adaptava tudo à sua forma de jogar, de colocar em prática o futebol: foi um autodidata genial".
Diogo ainda jogou profissionalmente no Patrocinense e no Mamoré, em Minas Gerais, e depois atuou na Itália. Ele estudou futebol nos tempos em que estava morando na Europa, onde fez também cursos da Uefa. Tem muito de teórico em sua cabeça de treinador, mas também traz a certeza de que futebol é um espetáculo. "Meu avô sempre falava que a partida é como um show. Não se pode parar de propor o jogo porque estamos ganhando de um, dois ou três gols. O jogo tem 90 minutos. E o objetivo é ganhar sempre".
Então Diogo cita a Copa de 1982 na Espanha. "Muita gente criticou o meu avô, porque o Brasil poderia ter jogado pelo empate contra a Itália. Mas para ele não bastava. Não era isso que meu avô pregava. E eu sigo a sua lógica, os seus métodos adaptando aos dias atuais".
Nesta semana, ele preparou o time para o amistoso. Fez alguns bons coletivos no Varginha. O time treina no CT Bola Preta, que fica perto da cidade, na vizinha Elói Mendes. "Lá é um CT com a cara do meu avô: tem três campos que parecem um tapete. Estávamos treinando lá, marcando pressão no treinamento e o time titular fez 1 a 0. Um jogador recém-chegado perguntou para mim se a partir do 1 a 0 era para baixar a marcação, baixar a linha, recuar. E eu disse que não. Jogamos assim o tempo todo, dentro do possível. Fizemos um, vamos tentar o segundo e assim por diante. Temos de propor sempre o jogo".
O neto de Telê não sabe se sua carreira de treinador terá o mesmo sucesso do seu avô, mas está disposto a tentar. De vez em quando, ele se pega "conversando" com o avô, pedindo conselhos, sugestões ou até uma luz para solucionar um problema da equipe. "Quem me dera poder falar com ele de verdade!" Mas a inspiração às vezes chega. Do avô, além das lições e exemplos, Diego leva sempre junto com ele no bolso ou na mochila o apito já amarelado que Telê Santana usava na Copa da Espanha. "O apito está todo gasto, todo mordido, mas ainda apita."
Telê Santana usava o apito para comandar os treinos de uma seleção inesquecível. "Não é superstição, é saudade! Meu avô era um visionário, um gênio, alguém que estava realmente à frente de seu tempo. Quer saber? O Telê ia delirar com todas essas novidades tecnológicas que chegaram ao futebol. Os valores futebolísticos são os mesmos, só mudou a metodologia para se chegar onde se quer".