Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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Os Vermes na Política

Gustavo Krause, | seg, 16/05/2016 - 14:42
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Os vermes ocupam um lugar de destaque na literatura, na zoologia, na medicina e na política.

A obra-prima de “O gênio brasileiro”, (subtítulo da consistente biografia escrita por Daniel Piza sobre Machado de Assis, único brasileiro arrolado por Harold Bloom entre os 100 gênios da literatura universal), Memórias Póstumas de Brás Cubas, foi dedicada ao verme pelo próprio defunto/personagem/narrador: “Ao verme que primeiro roeuas frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.

Augusto dos Anjos, taciturno poeta de lúgubre contundência, tem um poema psicografado por Chico Xavier, intitulado “Homem-Verme”, cuja aterradora estrofe final proclama: “Em quase tudo, o pântano terrível/de lodo e lama, em sombra e vilipêndios/atestando a vitória do homem-verme”. Na mesma linha, a poesia científica do grande paraibano, inspirada no evolucionismo spenceriano, reflete a estética da angústia e do materialismo filosófico, ao saudar o verme como um “operário de ruínas”e ao dedicar o poema “Deus-Verme”a quem ele define como “Fator universal do transformismo/ Filho da teleológica matéria/Na superabundância ou na miséria/Verme –éo seu nome obscuro de batismo  (...) Janta hidrópicos e rói vísceras magras”.

Um dos conceitos modernos da física, desenvolvido por John Guth, chama-se, quem diria, O buraco do verme. Trata-se de uma teoria segundo a qual o tecido do espaço e do tempo no universo érasgado por perfurações da dimensão de um átomo, sob a forma de túnel, possibilitando viagens instantâneas ao futuro e ao passado. O autor desta proeza revolucionária, capaz de revogar a noção tradicional de tempo e espaço, éninguém mais, ninguém menos do que um verme, agindo tal qual um tapuruzinho no interior de uma maçã.

Na zoologia, verme éa designação genérica de um bichinho sem vértebras e articulações que corrói os cadáveres nas sepulturas; na medicina, é, também, uma designação genérica do agente responsável por várias enfermidades de nomes complicados como dirofilariose (verme do coração), ascaridíase (lombriga), ancilostomose (amarelão), oxiuríase, tricuríase, teníase (solitária).

Independente da espécie e dos sintomas das patologias causadas, os vermes têm duas características comuns: alojam-se no interior dos organismos (quase sempre nos intestinos); minam e sugam as forças das vítimas podendo levar àdebilidade extrema, seguida de morte.

Em política, existem dois tipos de animais: o animal político, por excelência, que exerce a atividade por vocação e faz dela missão a partir da pluralidade e das diferenças entre os homens; busca o sentido transformador da política, o seu valor finalístico que pode variar (para Hannah Arendt éa liberdade), mas que terásempre uma razão teleológica; o outro animal éo verme humano, aquele bípede que não vive para a política, vive da política, mais particularmente, da fruição imoral do poder.

Neste sentido, em nada diferem dos seus correspondentes invertebrados e parasitários. Como eles, aninham-se nas entranhas do poder e, roedores que são, alimentam-se de suas carnes e da seiva que move as máquinas, sejam públicas ou privadas: o dinheiro.

O verme político nem sempre évisto a olho nu, ou seja, não éum ser macroscópico. Muitas vezes, éum ser microscópico. Passa despercebido; disfarça bem as características dos gusanos atéque põe suas unhas de fora (unhas, não, eles não têm unhas, têm uma espécie de ventosas grudadas na fonte dos nutrientes), põe suas ventosas de fora quando chegam ao ambiente miasmático do poder. Tornam-se visíveis; crescem; engordam para cima e para os lados, porém continuam vermes, bichinhos de fome insaciável e de difícil tratamento.

Claro que, antes de se tornar visível, dápara perceber o verme em formação: eles têm o faro das conveniências; o discurso de ocasião, grandiloquente e meloso; a prática da esperteza e a disposição servil para as mil e umas utilidades do velho bombril. Tudo bem dosado para assegurar a conquista triunfante dos nacos de poder. E uma vez no poder, se lambuzam, descaradamente, no lodo da pilantragem e da corrupção. 

O tratamento édifícil; a cura, impossível. Não hápolítica sem grandes homens convivendo com homúnculos que atuam como os vermes da vida animal.

De fato, não hácomo eliminar a verminose na política. Não hávacinas, nem vermífugos que erradiquem a doença. Mas épossível combater e reduzir a peste com a terapia oferecida pela democracia: informação acessível, consciência cidadãampliada, voto criterioso (não abrir mão desta arma) e o controle social exercido pelas instituições e pela pressão da opinião pública.

Em 2016, o eleitor terámais uma oportunidade para aplicar boa dose de vermicida ao organismo da política brasileira. 

Tristeza Cívica

Gustavo Krause, | seg, 09/05/2016 - 14:42
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Depois da votação do impeachment de Collor (1992), um assessor me perguntou como me sentia participando daquele momento histórico. A pergunta tinha cabimento e a resposta esperada era de um eleitor que, no primeiro turno, votara em Aureliano Chaves e, no segundo, dissidente do partido, declarara, por escrito, da tribuna da Câmara Municipal, em 1989, as razões do voto em branco. Lido o voto, deparei-me com um repórter da televisão com procedente e desconcertante pergunta: - Quer dizer que o senhor vai ficar em cima do muro? Aíum anjo bom botou na minha boca providencial resposta - Não, vou ficar soterrado embaixo do muro qualquer que seja o eleito.

Durante o processo, fiz parte de um grupo de parlamentares que trabalhou ativamente pelo impeachment. Mais uma razão para a pergunta do assessor, qual não foi a surpresa dele (não sabia que faria parte do governo Itamar, muito menos como Ministro da Fazenda) quando disse que sentia uma profunda tristeza cívica; que não havia motivos para comemoração; que, naquele grave momento, acabara de iniciar o impedimento do primeiro presidente eleito da nascente democracia; que o mais difícil seria colocar nos trilhos um país que perdera o rumo.

Em 2016, assisto, silenciosamente, a um espetáculo televisivo grotesco, queiram ou não queiram os puristas, da representação política do eleitorado brasileiro. Um espetáculo em que acusadores e acusados se merecem e outros tantos para os quais pedaladas fiscais não configuram crime de responsabilidade política, certamente, porque sofrem de amnésia histórica: em 1215, a Magna Carta consagrou o princípio da legalidade tributária de modo a proteger os cidadãos da rapinagem e dos gastos desmedidos do monarca. O equilíbrio orçamentário éum dever inafastável do governante e uma proteção legal ao cidadão.

Hoje, o meu sentimento, também, éde tristeza cívica. E não seria, caso não visse o Brasil e suas instituições, irresponsavelmente, expostas ao mundo e se um raio de esperança me levasse a crer em homens públicos para os quais as futuras gerações valem mais do que uma eleição.

 

O Pensador

Gustavo Krause, | dom, 17/04/2016 - 14:07
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Recebi longa e impressionante carta de um velho amigo. Justificou-se dizendo que escreve para não se sentir só. Pedi autorização para transcrever e publicar trechos nos meus artigos quinzenais, generosamente, suportados pelo JC.

Concordou sob o pseudônimo Paulo Frederico. Percebi quea força arrebatadora do texto repousava sobre fascinantes contradições, desde a visão salvífica do apóstolo Paulo ao niilismo demolidor de Frederico, o Nietzsche.

Sobre a solidão:A solidão estána origem e no destino dos homens. Começa e termina, paradoxalmente, com dois encontros: o primeiro com a vida; o segundo com a morte. No princípio, com a proteção do conforto placentário, abrigado e alimentado, acendem as primeiras centelhas da (pré?)consciência. Vindo àluz do mundo, com breve passagem, passa a compartilhar de núcleos de relacionamento que vai da família àsociedade global. Modernamente, a criatura vive, convive (?) com multidões, multidão de tagarelas, conectados na potência das redes. E assim vive, iludido pelo instinto gregário: contingências, conveniências, sobrevivências, sobra-vivências. O que resta são sobras de um mínimo ser só, atéque se reencontra no líquido amniótico, transformado em pó, no húmus acolhedor, a Terra, a natureza-mãe, carinhosa com o grão a ser dissolvido,sumido nas trevas da noite e nos brilhos do sol.

Com lucidez, disserta sobre a beleza. A beleza éo espelho da miséria humana. Nela, enxergo a minha fealdade e sinto as labaredas da inveja. Sou um perseguido pelas minhas faltas. Seráque estou sóneste sentimento desolador? Seráque o terremoto existencial da falta deixa lugar para a esperança e uma réstia de luz para o poder da fé? Ouço um zumbido nos meus ouvidos: dêum sentido àsua vida! Lute! Como lutar se sou um re-sentido? E um ressentido não consegue enxergar belezas interiores. Meus olhares cupidos se deleitam com as ancas das mulheres. Sou um homem ou um bicho? Não hámargem para dúvidas sou um bicho-homem ou, tanto faz, um homem-bicho na sua extrema pequenez. Sinceramente pecador. Impuro. Haverálugar para os arrependidos?".

Sobre o amor, o texto élongo e profundo. Explora o tema nas múltiplas visões da filosofia, da religião, da mitologia e reconhece na capacidade de amar uma grande virtude humana que engloba as três dimensões legadas pela concepção grega: a dimensão erótica (Eros, o desejo), a dimensão da amizade (Philia, sentimento amplo que busca na amizade o bem do outro), a dimensão universal (Agapé, o amor universalista que une Deus aos homens e os homens a Deus). Para ele, o amor não se comanda; o amor comanda, portanto, não éum dever, uma coerção; éuma virtude, uma liberdade.

Embora respeite a afirmação do evangelista São João que Deus éamor" (Agapé), o meu amigo desacredita do amor como um sentimento completo: “Émais fácil e bonito afirmar o amor àhumanidade do que exercer o prosaico amor ao vizinho numa reunião de condomínio. Ninguém estáa salvo das ambições modernas que nos impõe o dever de ser feliz que, para além dos ansiolíticos, éamar os inimigos. Ronda a alegria de amar, a tragédia da paixão. E ainda que seja uma enfermidade passageira, traços da paixão permanecem: possessão, luxúria, egoísmo, fragilidades que brotam dos ressentimentos e das fraquezas da natureza humana. Nela estáa tendência de imputar aos outros nossas falhas e nossas faltas.

E o que parece um niilismo insuperável, o meu amigo surpreende ao confessar: "No lixo da minha existência, sou um catador da compaixão e da misericórdia para seguir adiante rodriguianamente abraçado àvida como ela é”.

Laranja

Gustavo Krause, | ter, 05/04/2016 - 10:00
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O título do artigo não se refere àantiquíssima nareng, a laranja, fruta do gênero citrus, originária da Índia, de notável valor nutricional que chegou ao continente europeu graças aos navegadores portugueses e, daí, se alastrou pelas terras do novo mundo. (A propósito, o Brasil éo maior produtor de laranja do mundo).

Transformada em substantivo masculino, o laranjapassa ser personagem central no mundo da fraude e que tanto pode ser um sujeito abestado, ou muito esperto, para servir de testa de ferro que empresta o nome ao delinquente para "legalizar" o produto do dinheiro sujo. (A propósito, o Brasil, também, éo maior produtor de laranjas do mundo).

No texto, laranja é, apenas, um pretexto para escrever sobrea laranja mecânica, metonímia aplicada à seleção holandesa de 1974 que, embora derrotada  pela pragmática seleção alemã, não somente maravilhou o mundo como também revolucionou os sistemas táticos do maior espetáculo da terra, o futebol.

A expressão foi inspirada no filme anglo-estadunidense, (1971), produzido, dirigido por Stanley Kubrick, adaptado do romance homônimo de autoria Anthony Burgess (1962), filme que foi sucesso de público e nomeado para vários prêmios. O complexo enredo, com fortes conotações psicológicas e de crítica social, se passa num ambiente londrino futurista. É chocante e refinado.

Assim foi a futurista Holanda: avassaladora e refinada. O tom alaranjado das camisas nada tem a ver com a bandeira holandesa e sim com as cores da dinastia reinante no país, os Orange-Nassau. Da mesma forma, a famosa azurra italiana, na conquista do título da copa de 1934, vestiu azul, cor da dinastia Saboia (Victor Emmanuel 3º). A nossacanarinha apagou o uniforme branco manchado pelo trágico maracanazo; pintou de verde-amarelo seu padrão de camisas, embora, na conquista do primeiro título, a canarinha, vestisse azul.

Mas vamos ao que interessa: um nome e uma lenda, Hendrik Johannes Cruyff, falecido em 24 de março, foi a encarnação do futebol revolucionário. Não basta o justo tributo de incluí-lo entre os maiores jogadores do mundo. Ele foi o líder de uma transformação dentro do campo, como atleta, e fora dele, como treinador. Ele e o técnico RinusMichels.

Como louco por futebole um curioso sobre o significado social do jogo,  sou discípulo da definição de Nelson Rodrigues: Em futebol, o pior cego éo que sóvêa bola. A mais sórdida pelada éde uma complexidade shakesperiana. Ou seja, para mim, o futebol éuma metáfora da vida; uma manifestação cultural reveladora de traços de identidades nacionais, étnicas, e um fenômeno de enorme força mobilizadora

Assumo inteira responsabilidade pela afirmação: existiram váriosos sistemas táticos, praticados antes da seleção holandesa e, depois dela, simplesmente variações do futebol total, do carrosselholandês, um futebol coletivamente solidário e individualmente encantador.

E explico. O time austríaco de 1931/32 adotou o sistema MW; a Suíça criou o ferrolhoem que nasceu o líbero; o WM nasceu na Escócia e teve vida longa atéque a Hungria espetacular de Puskas encantou o mundo como precursor do futebol total; o Brasil (Passolini dizia que o futebol brasileiro era poesia o futebol europeu, prosa. Velhos tempos.) subverteu toda e qualquer variação tática (4-2-4, 4-3-3, 4-4-2, 3-5-2, etc...) levando para o campo a combinação invencível de beleza estética e eficiência técnica graças aos gênios do futebol; em 1974, o que se viu foi o time holandês que marcava sob pressão a saída de bola; os jogadores não tinham posição fixa, todos atacavam e defendiam, em bloco, numa verdadeira blitz; regente era um maestro elegante, finalizador mortal, Cruyff que liderou uma geração diferenciada no Ajax, na seleção e, depois, como treinador, criou o estilo Barcelona de jogar um futebol educado, brilhante e que trata a bola com o carinho e a reverência que ela merece.

Cruiff foi vencido pelo tabagismo. Cruiff renasce em cada lance das disputas em que a arte vence a força grotesca, o recurso habitual da mediocridade.

PS. Poupei o eleitor de temas políticos. A medonha estratégia de transformar Sérgio Moro em vilão nacional elevou minha indignação a tal ponto que, reconheço, não éboa conselheira para quem escreve.

O Custo Dilma

Gustavo Krause, | seg, 07/03/2016 - 08:50
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Na edição de 26/2/2016, Folha SP, o leitor Álvaro Abrantes Cerqueira (Muriaé, MG), indaga sobre o custo moral e material, causado pela Presidente Dilma para se manter no poder.

Existem vários articulistas e renomados economistas que tentam responder a tão complexa e intrincada questão. Não háuma resposta precisa. A pergunta, a meu ver, remete a uma questão preliminar que merece reflexão: o erro, um fenômeno essencial àvulnerabilidade da natureza humana.

O erro, consequência indesejada dos nossos atos, pode ser cometido nas diversas esferas da ação humana e opera, em cada uma delas, consequências distintas quanto à abrangência eàgravidade.

Na esfera privada, os erros têm limites mais reduzidos, porém, importância semelhante a uma pedra que, ao ser jogada em um lago, gera um raio crescente de círculos concêntricos. Exemplo singelo: os erros cometidos pelos pais na formação do núcleo familiar podem gerar uma cadeia de consequências negativas no espaço alargado da sociedade.

Ainda na esfera privada, o erro do empresário opera necessariamente efeitos negativos e imediatos sobre a vida dos empregados e efeitos, mais ou menos significativos sobre a formação da riqueza nacional a depender do tamanho e da natureza dos bens e serviços produzidos.

No espaço público, espaço predominantemente ocupado pela Política, os erros cometidos afetam a coletividade e, dependendo da natureza e dimensão, podem comprometer gerações e o futuro de uma nação. Podem, até, colocar em risco a humanidade. Em síntese, os erros dos políticos são megaerros.

No caso da atual Presidente, houve um erro original que foi cometido pelo seu inventor, o ex-Presidente, Lula que, com força política e prestígio eleitoral, apresentou a candidata àsua sucessão como a gerentonacapaz de dar continuidade àgestãodo país que tinha rumo; um país que, aos olhos do mundo, tinha um manifesto destino de potência global; um país que, sob o comando de firme da gestora, com inquestionável competência (?), transformaria o Brasil dos nossos sonhos: nação grande, próspera e, sobretudo, justa.

Infelizmente, estamos diante de um cenário de horror: crises superpostas, indicadores econômicos, diariamente, apontando para o agravamento da situação e, o mais assustador, o ambiente de paralisia decorrente da incerteza e da deterioração do ambiente social o que, somados, comprometem possibilidades e disseminam o medo em relação ao dia de amanhã.

Neste sentido, não faltam palavras para descrever e sentir as dores das perdas; o que desafia a todos éavaliar o custo real do nosso infortúnio.

Eis o que afirma, em artigo publicado no Estadão, edição de 23/01/2016, Mônica de Bolle (Pesquisadora do Petterson Institute for International Economics e Professora da Sais Johns Hopkins University): A taxa de poupança como proporção do PIB caiu de uma média de 20% em meados de 2011 para míseros 15% em 2015 (...) perda de riqueza para economia brasileira de R$ 300 bilhões (...) em função das ´medidas contracíclicas´ que não surtiram os efeitos desejados, como nos tem dito a comandante-chefe da economia, a Presidente Dilma.

Por sua vez, Paulo Rabello de Castro (PH.D pela Universidade de Havard e autor de ´O mito do governo grátis'), em artigo publicado no Estadão, edição de 03/02/2016, fez uma conta pelo método da acumulação de passivos e prejuízos, contabilizando a média histórica de crescimento econômico, nela incluídas as década de 70, 80, os 3,5% da gestão Lula, custos financeiros da dívida,  e concluiu; São 15 pontos percentuais do PIB acrescidos ao nosso passivo financeiro (...) Dilma também éa senhora de um trilhão de reais acumulados ao nosso passivo financeiro (...) Essa éa conta. Juros a mais, PIB a menos, empregos eliminados, capital evaporado, confiança desfeita, futuro destroçado (...) Por isso a década esbanjadaseráconcluída com êxito! Ninguém, afinal, conseguirároubar essa Olimpíada de Dilma.

Antes que esqueça: nós, eleitores, erramos, ou, para aliviar o peso da consciência, fomos enganados. 

A Noite do Meu Bem (Parte I)

Gustavo Krause, | seg, 18/01/2016 - 08:47
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Quem não gosta de samba, bom sujeito não é [...]. Trata-se de um hino de amor ao samba escrito pelo gênio de Caymmi. Mais precisamente ao samba-canção. Eaí entra outro cara genial: Ruy Castro com a monumental obra A noite do meu bem A história e as histórias do samba-canção.

Ruy éum garimpeiro bem-sucedido de tesouros musicais e esplêndidas biografias. Pudera, ele éum ser musical, nasceu escutando os acordes do violão paterno com os sucessos da época (Chico Alves, Haroldo Barbosa, Ary Barroso, Herivelto Martins e tantos outros) e amamentado pelas modernas e ecléticas preferências maternas. Seus ouvidos, muito cedo, se deram conta das valsas, boleros, tangos, foxes e de um gênero que marcaria a história musical brasileira: o samba-canção.

Com efeito, A noite do meu beméuma fascinante narrativa do escritor que transpõe para a prosa, distintas partituras de realidades entrelaçadas: cultura, política, economia, sociedade e personagens marcantes numa sinfonia que diverte e emociona.

O meu encantamento pelo escritor vem de longe. Deu-se num domingo modorrento e entediante quando morava em Brasília. Embarquei e viajei na biografia de Garrincha. Sem pausas. No fim do dia, olhos avermelhados. Chorei e muito. Acabara de jogar uma pelada com ManéGarrincha num campo de várzea de Pau Grande.

Sonho ou delírio? O importante éque fui transportado para uma vida real marcada porcimos e vales, dores e amores, o símbolo de um futebol mágico que não volta mais. Manéentrou e jamais saiu do campo da minha imaginação. Assim foi em O Anjo Pornográfico, Carmen Miranda, Chega de Saudadee a A Noite do Meu Bem.

Com autoridade de quem sabe o que diz, Ruy define o samba-canção como um gênero autônomo e não uma costela do samba; composto por uma linha melódica não-sincopada; gênero que permite o canto suave e inspira a intimidade de rostos e corpos colados. Uma ode ao amor saudou o fim da brutalidade da Segunda Guerra. Assim, viventes e sobreviventes se entregaram ao gozo da paz universal.

No Brasil, a política retomava a democracia depois de oito anos de ditadura estadonovista. Respirava-se um clima de liberdade com Dutra,presidente eleito que somente as peculiaridades brasileiras explicam: ex-Ministro da Guerra e algoz de Getúlio; um candidato pesado que contou com o apoio próprio Getúlio; um presidente sem sabor, de cintilante mediocridade cuja graça era o defeito de dicção que trocava o c e o "s" peloxis(voxê xabia que no xeará...).

Por sua vez, o Rio de Janeiro continuava lindo e cheio de graça. Uma nova e variada fauna iria lustrar a Cidade Maravilhosa sob o manto protetor e estimulante da noite. A noite! Isto mesmo, a noiteéa mãe da boemia e a lua, o sol da noite. Sem noite não háboemia. Não hámistérios. Paixões implícitas, amores explícitos. Porres homéricos. Recantos charmosos e a Lapa de sempre. Ricos bestas; pobretões espertos; mulheres elegantérrimas; homens charmosos; luxo, glamour e cafonice, intrigas e negociatas, milionários e vagabundos, milionários vagabundos (rico, dizia Jorginho Guinle não é quem tem dinheiro; équem não vai ao escritório), políticos, diplomatas, intelectuais, jornalistas, e os artistas, tudo, enfim, convergindo para um espaço comum onde era impossível distinguir o começo e o fimda vida e da arte.

Aliás, este mundo das mil e uma noites jáfervilhava nos famosos cassinos cariocas. Eis que no dia 30 de abril de 1946, Dutra, em nome da tradição moral e dos bons costumes, decretou o fechamento dos cassinos em todo território nacional. O magnata Joaquim Rollaproprietário dos cassinos da Urca, Icaraí, Quitandinha e Pampulha viu desabar o seu império, certamente, arrependido do apoio que dera a Dutra na eleição presidencial. Injustamente, a beata esposa do presidente, Dona Santinha paga, atéhoje, o preço do ódio que o marido devotava aos jogos de azar.

A noite carioca seria reinventada. E voltaria com toda força. Seu habitat: boate,caixa, francesismo usado pelo austríaco Max Stuckart para descrever o ambiente intimista da casa noturna. Seu ritmo: o samba-canção. Sua proposta existencial: a opção pela vida intensa versus a vida extensa. Ali tudo acontecia. Éo que contarei na segunda parte do artigo.

O Ministro é Dilma

Gustavo Krause, | seg, 28/12/2015 - 17:53
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“Duas circunstâncias respondem pelo tempo de validade dos ministros da área econômica: conjuntura estável e favorável; confiança e identidade político-ideológico com o Presidente da República”.

Aí vai trecho do artigo de minha autoria, publicado no Blog do Jamildo em 08/01/15. No governo FHC (1995/2002), o Ministro foi Malan; governo Lula, dois ministros: Palocci (01/1/03-27/3/06) abatido pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo em decorrência do escândalo da “mansão do contubérnio” e sucedido pelo Ministro Guido Mantega que, apesar do recorde nacional de permanência no cargo e cega obediência à cartilha econômica da Presidente, foi alvo de humilhante “demissão” antecipada no início do mês de setembro de 2014. (Para refrescar a memória, na década perdida, 1980-1994, tivemos 15 Ministros da Fazenda, seis moedas, seis planos de estabilização e 720% de inflação média anual).

Com efeito, os fins eleitorais justificavam os meios: o corpo decapitado de Mantega, vagando pela esplanada do Ministério e o caminho aberto para a escolha de Joaquim Levy, representavam um sinal oportunista para o mercado, ainda que o cidadão fosse eleitor de Aécio e devoto de ideias que causam náuseas a Dilma, à bancada, aos economistas do PT e a todos que sempre defenderam uma saída pela esquerda. O roteiro do calvário era previsível e, por uma crueldade do destino, nem o clima de solidariedade natalina poupou Joaquim Levy da imagem de Papai Noel às avessas com um saco de maldades às costas para surrupiar a comida da mesa dos pobres. Na origem, ele estava marcado para morrer de morte matada. E que venha Nelson Barbosa sem repetir, porém, a opinião sobre a dupla indexação do salário mínimo e seus notórios efeitos sobre a previdência, o que lhe valeu, em janeiro, um pito público da Presidente. Barbosa, Dilma é o ministro!

Ora, a questão central não está na mudança de ministro porque a raiz da grave crise brasileira está na falência de um sistema político que permite e valida escolhas equivocadas e de má qualidade. Toda linha sucessória está sob suspeita. A Política deslegitimada corre o risco de abrir espaços para perigosas aventuras. O fato é que  falta Política à Economia e não receita econômica para enfrentar a crise.

Qualquer economista razoavelmente informado sabe que um ajuste duradouro repousa no tripé: redução estrutural das despesas públicas, redução da dívida e crescimento econômico sustentado. Claro que por trás do simples enunciado, a execução é de enorme complexidade e, somente, viável, caso esteja alicerçada num amplo consenso nacional.

O descontrole é estrutural porque a despesa cresce acima da renda nacional; o déficit nominal chegará a 9% do PIB em 2015 (6% em 2014); a dívida pública chegará aos 70% do PIB; a carga tributária que era 24% do PIB em 1988, hoje, está em torno de 36% (aumento do 50%); o déficit da previdência será de 85 bilhões de reais em 2015 e 125 bilhões em 2016; a vinculação de gastos é uma monstruosidade orçamentária porque enfraquece o Legislativo e o Executivo, e financeira porque enrijece a noção de prioridades, comprometendo a qualidade dos gastos e transformando o Estado num ente disfuncional e incapaz de arbitrar os conflitos distributivistas.

Diante de tamanhos desafios, cabe ao governo apontar e construir caminhos de modo a reverter expectativas; resgatar a confiança e agir de modo a iniciar um círculo virtuoso.

Neste sentido, o ajuste estrutural demanda uma agenda de curto prazo que enfrente a crise fiscal e uma agenda reformista de, médio e longo prazos, que permita enxergar a viabilidade de uma país que vive um flerte histórico e inacabado com o futuro.

Não é o Ministro Barbosa, nem o Ministro Simão que vão responder a tamanhos desafios. É Dilma, gerentona esporrenta, presidenta despótica, gestora plenipotenciária, que enfrentará sua obra desastrosa: a imobilidade política do próprio governo, a inércia reformista, a fragmentação da base parlamentar, a impopularidade e o imponderável, este sim, um adversário oculto que, iluminado pela Lava Jato, sacode as madrugadas brasileiras e confirma que cada dia há de ser consumido pela própria agonia.

O Impeachment da Zika

Gustavo Krause, | seg, 14/12/2015 - 19:14
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A epidemia da microcefalia atingiu uma parcela considerável dos políticos brasileiros. A atrofia deixou duas sequelas desconhecidas pela ciência: a indecência e a falta de vergonha.

Com efeito, a sucessão de episódios que, a cada dia, estarrece a nação, transformou a evidência empírica em evidência científica. Do pixuleco recebido por Maurício Marinho, ex-funcionário dos Correios, à voz acusadora do sofrível barítono, o então deputado Roberto Jefferson, edição da Folha, de 06/6/05, aconteceu, na década, de um tudo em matéria de crimes contra o patrimônio público.

Tudo não éexagero: étudo mesmo e mais alguma coisa que a gente não perde por esperar. A crônica da política brasileira passou a ser uma espécie de diário espetacular, sobre uma corrupção profundamente entranhada nas relações promíscuas entre instituições governamentais e organizações empresariais, movidas pela fome canina da patifaria contagiosa e tentacular. Do mensalãoao petrolão, as tenebrosas transações não têm paradeiro.

Numa sequência novelesca, os capítulos do seriado deixam o cidadão brasileiro chocado e, que émais grave, descrente em relação ao futuro do Brasil, exatamente em dezembro, mês tradicional de luzes e celebrações, ofuscado pelas sombras da incerteza.

Dois atores sobem ao ringue, Dilma X Cunha, e se engalfinham em mútuas acusações de chantagem (ambos têm razão) como se o nosso destino se reduzisse a rinha vulgar do vai haver ou não vai haver impeachment? E nenhuma responsabilidade com o que virádepois.

O povo brasileiro não merece pagar a pena do retrocesso, embora, caiba registrar que os representantes que aíestão não vieram de Plutão: emergiram de um processo democrático e somente o processo democrático pode responder pela saída da crise.

De fato, a sociedade brasileira vem construindo a duras penas os pilares que dão suporte às nações prósperas. Um amplo consenso social viabilizou a democracia política e a estabilidade econômica que, apesar das distorções, assegurou a eleição de um respeitável acadêmico; levou ao poder um operário, ex-retirante, líder popular, o sapo barbudo, transformado em ícone da alta burguesia, no "Midas" da política brasileira a ponto de eleger a primeira mulher como Presidente do Brasil. Na verdade, "grandes feitos/malfeitos" seriamente ameaçados de irremediável condenação pelo tribunal da História.

Pois bem, esta mesma sociedade viu chegar àPresidência do Supremo Tribunal Federal, o primeiro negro, de origem humílima queenfrentou e venceu a impunidade dos poderosos. Joaquim Barbosa deixou o exemplo, a mais poderosa fonte de pedagogia cívica, que penetrou a Magistratura, o Ministério Público e se reproduz no destemor e no respeito àlegalidade do Juiz Sérgio Moro que, por sua vez, consolida a digna missão da Justiça de fazer valer o primado da lei no tão almejado Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, o que parecia impossível aconteceu: a miscigenação da população carcerária, antes privativa de pretos, pobres e putas. E, assim, vai se construindo outro pilar que sustenta as grandes nações: a ética pública.

Neste ponto, discordo da afirmação de que as instituições estão funcionando. É meia verdade. O Governo não funciona porque sequer existe; o Congresso éuma lástima. Ambos buscaram acordos espúrios para salvar os seus chefes de julgamentos que podem levar àperda dos respectivos mandatos o que ratificaria as barganhas feitas a céu aberto do toma ládácá”, usando o santo nomeda governabilidade.

Agora, o jogo estájogado. Ou ata ou desata. A voz das ruas se imporá à conta rasteira dos votos. Tanto numa hipótese como na outra, o cenário desejável é um governo de salvação nacional. Com Dilma? Falta-lhe aptidão para unir. Com Temer? Uma grande interrogação. Difícil enxergar o sinal de um caminho iluminado. O Brasil seguirádividido. Radicalizado. E, no meio do caminho, a Lava Jato continuará assustando consciências pesadas e investigando personagens suspeitos.

Outra década perdida? Mais uma geração sacrificada? Enquanto não chegam as respostas, vamos àluta para eliminar os mosquitos, rebentos da imundície, e decretar o impeachment da Zica, uma vergonha nacional, ameaçando com sequelas irrecuperáveis, vidas inocentes abrigadas no ventre aflito das mães brasileiras.

 

Osvaldo Coelho: Sertão de corpo e alma

Gustavo Krause, | seg, 16/11/2015 - 09:19
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Vocêconhece legislação tributária?. Com esta pergunta, o então Secretário de Fazenda de Pernambuco, Deputado Osvaldo Coelho, idos de 1969, começava a conversa com um recém-formado Bacharel em Direito, na época, simples estagiário da Auditoria Fiscal.

Ali estava eu, sentado, atordoado, sentindo uma estranha redução da minha pequena biometria, um verdadeiro liliputiano, diante daquele homenzarrão que estava disposto a me resgatar das estatísticas do desemprego, mas que, pelo peso do corpanzil e força do Secretário todo-poderoso, parecia me esmagar.

Osvaldo colocou em marcha, sob a liderança do Governador Nilo Coelho, robusto processo de modernização da administração pública do Estado de Pernambuco. Em relação àgestão fazendária, reafirmo o que jádisse outras vezes: a história da Secretaria da Fazenda tem duas fases, uma antes e outra depois de Osvaldo Coelho. Ele eliminou todos os vícios e distorções decorrentes do apadrinhamento político; fundou uma meritocracia pela via democrática dos concursos público; oxigenou os quadros e criou uma burocracia estável, competente, séria, um verdadeiro banco de capital humano que prestou grandes serviços ao Estado. 

Voltemos ao início da conversa. Aquela audiência tivera as bênçãos do meu ex-professor, então Secretário de Educação e homem público exemplar, o ex-governador Roberto Magalhães que, generosamente, me indicara para o cargo de Adjunto de Auditor Fiscal que ampliava as funções da Auditoria Fiscal, primeira instância do contencioso administrativo.

Tenho estudado muito e estou por dentro da legislação sobre o ICM. Resposta rápida. Mentira. Sabia nada. Direito Tributário sequer fazia parte do currículo da Faculdade de Direito. Mas não podia pestanejar. Ele acreditou ou fez que acreditou. E aíele disse: Vou nomeá-lo e vocêvai ser adjunto de Souto Borges. Não tive tempo para alegria. Disse com os meus botões: "logo JoséSouto Maior Borges, o mais renomado jurista do Brasil (e continua sendo) na matéria e eu, seu adjunto, ignorante na matéria. Deu vontade de desistir. Porém encontrei em Souto o verdadeiro mestre, paciente, solidário, compreensivo, uma das pessoas a quem devo grandes lições e exemplos de vida pessoal, profissional e de espírito público.

A partir de então, o meu destino e o de Doutor Osvaldose entrecruzaram vezes incontáveis e esses encontros me autorizam a reiterar o testemunho sobre o grande político que Pernambuco, hoje, pranteia.

Na terça-feira, 27 de novembro, fui visitá-lo. Nada, nem a doença, nem o tempo afetavam a força das ideias. Senti o enlevo da despedida, embora o assunto tenha sido o Brasil,  as possibilidades do semiárido e o o futuro, entrecortado pelas boas risadas do inabalável senso de humor. Palavras finais: - lembre-se, a vida ensina a grandeza dos valores do perdão e da gratidão. Recebi queijo de cabra e uvas, presentes da terra que cultivou e em que semeou suas crenças.

Visionário. Missionário. Modernoporque nele o sertão fez-se corpo, alma, como terra da promissão.

O mais universal dos provincianos e o mais provinciano dos universais, para ele, Petrolina é raiz e centro do mundo; trata-se de uma obra humana feita de pedra; uma ode ao progresso; um poema ao trabalho que liberta o homem da fatalidade da pobreza e abre os horizontes da prosperidade.

Sempre que o ouvi, defendendo as bandeiras da difusão do conhecimento, da educação para o trabalho e para inovação tecnológica, do empreendedorismo para a democratização de oportunidades, do progresso que chegasse para todos, eu pensava: Doutor Osvaldo émovido pela profecia de Euclides da Cunha: Estamos condenados àcivilização. Ou progredimos ou desapareceremose, seguindo a construção euclidiana do homem do sertão como um ser autêntico, enraizado na terra, dotado de cultura e evolução própria, genuína, Osvaldo enxergava a possibilidade de transformar o sertanejo naquilo que Euclides chamava de rocha viva da nacionalidade.

Missionário. Assim se fez na política. Tomou como missão de vida transformar a Povoação de passagem de Juazeirono verde jardim das oportunidades, nesta metrópole/jóia debruçada sobre o rio cujo nome São Francisco édestino de amar mais do que ser amado; de perdoar mais que ser perdoado; de dar mais do que receber.

No exercício da representação política, varou madrugadas na Comissão de Orçamento, em vigília, na defesa das emendas para a região; bateu nas portas dos governos; peregrinou pelos Ministérios e órgãos públicos; esteve em todos os lugares para reivindicar, reivindicar certo, ambiciosamente, em favor de sua terra de seu povo, mesmo sabendo que o progresso cria o cidadão e liberta o eleitor

Um progressista nas idéias e na prática. Atémesmo os adversários que, se alguma vez, ensaiaram o coro injusto ou a etiqueta falsa do conservador ou oligarca, calaram-se para sempre diante da vitalidade do corpo e da alma do sertanejo que não sentiu as marcas do tempo.

Seus descendentes e sua gente, Pernambuco e o Brasil devem respeito, reverência e rogam neste momento, as bênçãos e o descanso merecidos.

O Passeio

Gustavo Krause, | ter, 03/11/2015 - 11:58
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Hoje vou poupar o leitor de temas pesados: crise, o blábláblá nosso de todos os dias. Domingo é dia de passeio. Passeio de bicicleta. Bem-vinda a ideia das ciclofaixas.

Semana passada, tomei a decisão: vou ver o Recife por dentro montado no lombo da bicicleta com a força do pé(dal). Um choque. A família inteira, assustada (sou um desastrado, não dirijo e me perco dentro de um shopping Center), ponderou, pediu, apelou com a dramaticidade de quem antecipava as dores da viuvez e da orfandade. Houve até quem dissesse: - Velho, fica na rede e lê o Guia prático, histórico e sentimental do Recife de Gilberto Freyre ou o antológico poema de Carlos Pena filho, Guia prático da cidade do Recife. Negativo. A teimosia ganha na rapidez e perde da sensatez. Disse: “Quem for recifense me siga”.

Tomadas as providências regulamentares e devidamente assumido o comando da bike, comecei a pedalar sob o sol recém-nascido que propagava raios brilhantes do tempo renascido. Em vez de escuro, usei óculos mágicos que, a um só tempo, protege, enxerga o presente e, com lentes poderosas, traz de volta o Recife a que fui apresentado quando completei meu primeiro decênio da vida.

Vacinado por Gilberto Freyre, não me senti “um tanto estrangeiro no Recife de agora”. Contemplei a memória e vi o que quis, pedalando do oeste (Bairro da Jaqueira) para o leste na direção do mar que saúda Boa Viagem?! a quem chega e a quem parte.

Não deixei empalidecer o Recife colorido; não permiti o doloroso martírio de lembrar a ausência de sobrados e casarões que pagaram o preço em nome de “um progresso” sem dó nem piedade do valor da história; despoluí o Capibaribe e revi alegres cardumes brincando na transparência das águas; reencontrei “o Recife marchando na Avenida Guararapes” e me deparei com os “trinta homens sentados” no “festim” do Bar Savoy; parei e descansei no berço da cidade, o Bairro do Recife e lá encontrei, em corpo e alma, Cícero Dias conversando com Francisco Brennand, um belo homem, dono (pois dele é o dom) das belas artes por sobre a raridade dos arrecifes de coral; mirei São José, quase despovoado de “casas cariadas” que explode em multidão no Sábado de “Zé Pereira” sob os acordes do Galo da Madrugada; chego exausto ao meu destino: a praia e respiro no ritmo do vaivém das ondas do mar quando, de repente, sai de dentro de dele u’a mulher, isto mesmo, Recife feminina, morena, tímida, recatada, flagrada no seu banho matinal.

Pude ver, por inteiro, um banho de mulher: a água escore pelo corpo como se fosse (e é) um batismo profano/Toma dois caminhos: o rosto e os cabelos/Olhos entreabertos compõem a máscara do prazer/A pele fabrica pérolas líquidas/Os pelos iluminam os tons dados pela natureza/Uma leve correnteza obedece à lei de gravidade/Uma pequena cascata salta do pescoço de garça e invade relevos redondos e pontiagudos/No caminho do dorso, uma ondulação permite intimidades/De repente, água e corpo se fundem em formas de mulher/O encontro entre a água e a mulher exalam sensualidade (com a permissão de Iemanjá)/A sensualidade é o perfume da mulher/E quando o mar devolve a mulher à terra, vestida com os restos diáfanos do mergulho, o remédio para o pecado da luxúria é rezar, contrito, uma “Ave Maria”, cheia de graça e sal.

São e salvo, quis tocar naquela mulher misteriosa. Era uma visagem. Estava “variando”. Quem sabe, um dos achaques da idade, hipoglicemia, por exemplo?. Fui socorrido com sôfregos goles da mais benta de todas as águas: a água de coco.

Seguido e perseguido pelos cuidadosos afetos da guarda pretoriana – a família –, limitei-me a dizer: - Estou ótimo! E Nada falei sobre o banho da mulher. Quem ia acreditar? Caduquice, ora.

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