[@#galeria#@]
A frieza com a qual o administrador Guilherme José Lira dos Santos teria lidado com a morte da ex-esposa, que faleceu em um acidente de carro provocado por ele, é um dos principais motivos para a família da vítima acreditar que as circunstâncias da morte de Patrícia Cristina Araújo dos Santos configuram o crime de feminicídio. Patrícia, que era engenheira e mãe de dois filhos, morreu há cerca de quatro anos, no Centro do Recife. O acusado por sua morte é Guilherme, ex-marido, com quem ela viveu por 19 anos.
##RECOMENDA##
O caso é de novembro de 2018. De acordo com a família, a rotina de violência psicológica e física não era de conhecimento dos familiares, pois Patrícia era uma pessoa reservada. Já relatos de amigos mencionam que a vítima passou a viver "um inferno" nos últimos cinco anos de matrimônio, até que a fatalidade aconteceu. Somente após a morte da engenheira é que toda a rede de apoio passou a ter acesso às mensagens e documentos que denunciariam a situação de violência.
Guilherme é acusado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) por homicídio qualificado por motivo torpe e com possível qualificação de feminicídio. A tese se dá levando em consideração não apenas o histórico de abuso do casal, mas também a conduta do réu diante dos fatos.
O acidente ocorreu após cerca de um ano de divórcio. O acusado teria coagido a vítima a entrar em seu carro e então, lançado o veículo contra uma árvore na rua Fernandes Vieira, no bairro da Boa Vista. A mulher faleceu no local, sem direito a socorro por parte do ex-marido, que abandonou a cena do crime. O julgamento do suspeito iniciou nesta segunda-feira (10), no Fórum Desembargador Aureliano, no Recife.
De acordo com Marcílio Araújo, de 66 anos, tio, amigo e ex-professor de Patrícia, Guilherme ligou para o ex-cunhado, irmão da vítima, para contar do acidente e chegou a dizer que havia "dado ruim" para a ex-companheira. Segundo ele, a indiferença com que Guilherme José Lira dos Santos saiu do carro, se evadiu do local e deixou o corpo de Patrícia sozinho, sem o mínimo de socorro, é apenas um dos indícios de que o crime havia sido planejado.
“Ele foi embora do local do crime. Ligou para o meu sobrinho e disse: ‘olha, eu briguei com a sua irmã dentro do carro, bati numa árvore perto da casa da sua mãe e deu ruim para ela, vai até lá ver o que aconteceu’. Como é que você sofre um acidente e se porta dessa maneira?”, questionou.
“Se eu tivesse dando carona para uma pessoa qualquer que seja, eu ficaria presente, nervoso, porque de qualquer maneira eu teria que responder por aquela vida. E por que uma pessoa que viveu com ele 19 anos, mãe de dois filhos, ele sairia do local sem nenhum constrangimento? É como se ele tivesse feito o que havia imaginado, planejado. Conseguiu e ponto final, ‘não tenho mais nada para fazer aqui”, complementou Marcílio.
“Não há nenhuma dúvida”, cravou o tio, sobre o assassinato. “As conversas entre eles nos celulares. A gente leu e tudo leva a crer que foi intencional, até porque ele diz ‘eu vou botar os meninos no carro, vou jogar no poste [o carro] e matá-los, para você ficar com remorso para o resto da sua vida’. Ele tentou suicídio duas vezes. Se ele tenta contra a própria vida, imagina contra a de um terceiro”, complementou Marcílio.
Se havia alguma dúvida por parte da família se havia sido crime ou acidente, o que não havia, apesar de não saberem o que acontecia, os relatos das amigas confirmam “que a vida dela se tornou um inferno” perto do fim do casamento.
“A conversa, os relatos das amigas que Patrícia diz que a vida se tornou um inferno nos últimos cinco anos porque a pressão psicológica se tornou muito grande já dizem tudo. Só que a gente não sabia de nada porque ela escondia tudo da família. Geralmente as vítimas de feminicídio têm medo de denunciar. Se ela tivesse feito um b.o, a gente provaria que foi assassinado. Mas vai ser provado pela fala das testemunhas, conversa entre eles pelo WhatsApp. Isso [que foi assassinato] eu não tenho dúvida e nunca tive”, afirmou.
O tio e professor disse, ainda, que soube da notícia pelo enredo de que “Guilherme bateu com o carro na Fernandes Vieira e Patrícia está morta”. “Eu falei: ele bateu, não. Ele jogou o carro contra a árvore. Ele matou ela”, lembrou. “A família espera a condenação máxima. Que ele pague a pena máxima e a expectativa é para que isso sirva de exemplo para que outros feminicidas não façam isso por conta da impunidade. Basta de impunidade no Brasil”.
Amiga de Patrícia desde 2015, Raissa Ferreira, de 33 anos, esteve junto com a amiga na última saída antes da sua morte. De acordo com Raissa, o relacionamento era conturbado e, desde quando Guilherme entendeu que haveria a separação, começou a perseguir Patrícia e garantiu que daria “a paz que ela queria”.
“Ele a ameaçava no sentido de: ‘vou lhe dar a sua paz’; ‘a gente separou, mas você vai viver em paz’; ‘você vai ter a paz que você quer’. E com isso ele deu a paz que ela queria. No final de semana do dia 4 de novembro estávamos viajando, passamos o final de semana na praia e, quando voltamos, ele colocou ela dentro do carro e meteu o carro na árvore”, relembrou.
“Era um relacionamento difícil. Ele muito ciumento, possessivo. Não aceitava o final do que viviam. A violência física foi o fato já consumado, mas a violência psicológica, emocional, perseguição, monitoramento da vida dela era frequente. Eu não consigo datar, mas ela passou anos assim com ele: acessando o telefone, invadindo a privacidade dela. Até que ela realmente decidiu separar definitivamente e ele piorou no monitoramento e controle”, contou Ferreira.
“Ela tinha muito medo dele”, informou a amiga, que acrescentou que Patrícia não achava que Guilherme seria capaz de agredi-la ou matá-la. “Ela não achava que ele seria capaz de fazer o que fez, mas depois ela entendeu e ia na delegacia prestar queixa pelo controle dele, até a pedido de alguns amigos também. Ela entendeu que era um movimento que precisava ser feito e ela iria na delegacia abrir medida protetiva, mas infelizmente não deu tempo”, expôs.
Raissa Ferreira disse, ainda, que o suspeito não gostava de algumas amigas da vítima e que também tolhia a liberdade dela neste sentido. No entanto, a relação paterna sempre foi normal. “Ele nunca foi violento com os filhos. Mas também ele fazia o que lhe competia, nada de extraordinário. Também entendo que ela era a provedora da casa, era a pessoa que sempre esteve à frente da educação escolar dos meninos, de tudo dentro de casa. Ela era referência na área de tecnologia, implantou diversos projetos em grandes empresas. Eu tive a oportunidade de trabalhar com ela em uma empresa. Ela era uma pessoa muito bem quista, bastante competente. Uma profissional excelente”.
A amiga também teceu comentários positivos sobre quem era a pessoa, a amiga, a mãe Patrícia Cristina Araújo dos Santos. “Ela era uma mulher espetacular. Tinha sede de vida. Era uma mulher fantástica, uma amiga exemplar, presente na vida dos filhos, Uma amiga apoio, uma amiga fiel. Foi uma perda imperdoável. Um assassinato realmente brutal. Temos o costume de ver isso e precisamos não normalizar essa violência. Estamos aqui justamente para tentar fazer justiça”, afirmou.
A tia da vítima Neuma Santos, de 54 anos, disse que não havia muita conversa de Patrícia com a família mas que, no último encontro delas antes da sua morte, a sobrinha deu um recado: “Um dia vocês vão conhecer quem é o Guilherme”. “Ao ponto que, quando ia sair para algum lugar, ela tinha que passar o dinheiro para a conta das amigas porque ele tinha um rastreamento. Ficamos sabendo disso quando já estavam separados. No dia da morte, quando chegamos ao local, o corpo dela ainda estava no chão. O perito chegou para mim e para Marcílio e disse para a gente que eram indícios de que não era acidente de trânsito, pois não havia frenagem na pista”, informou.
*Com Alice Albuquerque