O diretor, crítico e produtor de cinema, Kleber Mendonça Filho, entregou nesta última quarta-feira (5) à Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), uma carta com pedido de exoneração de seu cargo de Coordenação de Cinema no órgão. Ele que já vinha recebendo críticas relacionadas ao cargo público, também foi alvo de muita polêmica durante o Festival de Cinema em Cannes este ano, na divulgação de seu filme Aquarius, após se posicionar sobre o Impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Roussef.
O cineasta, que já atuava na autarquia há 18 anos, revela na carta que a decisão do afastamento já havia sido analisada há dois anos. Sem ressaltar nenhuma relação com a política, Kleber justifica o afastamento devido a seus projetos no cinema este ano, fator que tornaria inviável a conciliação com suas funções na Fundaj. Confira na íntegra:
##RECOMENDA##
“Caro Luiz Otávio
Venho, com esta carta, pedir meu desligamento da Fundação Joaquim Nabuco, onde desempenhei, com enorme prazer, e ao longo de 16 produtivos anos, a coordenadoria do Cinema da Fundação.
A decisão, que vinha sendo pensada já há quase dois anos, vem num momento muito particular da minha carreira como cineasta, carreira esta que sempre correu paralelamente às minhas funções nesta instituição, começando com meus filmes de curta-metragem e chegando às minhas três produções em longa metragem.
Nesse ano de 2016, com novos projetos de realização em cinema no Brasil e no exterior materializando-se, vejo que equilibrar minha função fixa e diária na instituição com minhas produções torna-se finalmente inviável. Curiosamente, foi em 1992, na Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, que eu mostrei publicamente pela primeira vez um filme meu, na época feito em video.
Nesses 18 anos, também desempenhei o papel de crítico de cinema do Jornal do Commercio e escrevi para a Folha de S. Paulo. Toda essa atividade no campo do cinema e da cultura, de alguma forma, somava no sentido de dirigir de um setor que sempre teve como missão abrir espaço para o audiovisual numa instituição tão forte e respeitada como a Fundação Joaquim Nabuco.
Eu conheci a Fundação Joaquim Nabuco na infância, através da ninha mãe, Joselice Jucá, que foi diretora do Cehibra e do Departamento de História. Em 1998, três anos após sua morte prematura, vim, como repórter de cultura do Jornal do Commercio; entrevistar a então Diretora do então Instituto de Cultura, Silvana Meireles, sobre o que, na época, era uma aquisição recente de equipamentos de som e projeção 35mm para o auditório José Carios Cavalcanti Borges.
A minha pauta jornalística naquele dia: "Quai a política de programação a partir desses novos equipamentos a serem usados pela instituição?" Silvana respondeu, em parte, indagando se eu teria o interesse de assumir o Cinema pensando nume política de programação e formação de público. Eu disse que sim, eu tinha 29 anos.
Muito me alegre ver que, depois de 18 anos, o Cinema da Fundação tcrnou-se um orgão catalisador de cfiélogc, de cultura e que ele é visto e jé estudado como grande incentivador para toda uma movimentação em torno do cinema em Pernambuco, produção esta que é hoje dscut!da Lodo o e também no exterior a partir de uma comunidade criativa que é ago de impressionante.
Nossas salas são referêncie, técnica e conceituaimente, com preços muito abaixo dos praticados pelos cinemas comerciais, muGtc embora para que ilido isso exista, um esforço às vezes grande demais seja necessário no die a dia de uma instituição pública. É um trabalho árduo de equipe.
Preciso também deixar aqui registrade e minha gratidão pelo diálogo direto e inteligente com Dr. Luiz Otávio como presidente da Fundação Joaquim Nabuco num ano tão confuso poüticemente para o nosso Brasil, pela sua demonstração de respeito
pelo trabalho que desenvolvi aqui, pe:a sua tentativa de acomodar uma situação incomum de ter um servidor público que faz filmes brasileiros com carreiras internacionais, e por ver que um filme pernambucano e brasileiro que viaja o mundo é motivo de orgulho para a nossa cultura, e nunca de vergonha. Também me chamou a atenção a ciara admiração que Dr. Luiz tem pela Fundação Joaquim Nabuco, a história dessa instituição e seu papel na sociedade em todas as áreas nas quais ela atua, inclusive a cultura.
Também deixo aqui registrado o excelente diálogo que tive com Valéria Costa e Silva como diretora de cultura e minha chefe. sempre no sentido de encontrar soluções construtivas para essa instituição. Em Valéria só consigo enxergar entusiasmo pela oportunidade de poder acrescentar algo. à Fundação Joaquim Nabuco.
Por fim, deixo aqui meu agradecimento à equipe do cinema, de Vera Cavalcanti a João, Rosy, Paula, Selme, a Aidige, Sandra e Romero (in memorian). A Silvana Meireles e Isabela Cribari, que me trouxeram e me mantiveram aqui. E a Luiz Joaquim, que foi, desde 2001 , excelente parceiro de trabalho, combinação rara que poderia ter dado muito errado (dois cinéfilos escolhendo filmes...), mas que deu muito certo, numa mescla de personalidades distintas unidas por um interesse nato por filmes e pela cultura.”
Em nota, o presidente da Fundaj lamentou o pedido de afastamento do diretor, mas demonstrou entender e respeitar seu posicionamento:
"Respeito a decisão do cineasta Kleber Mendonça Filho, de entregar o cargo por considerar este um ato pessoal. O mesmo respeito com que trato a decisão de Kleber Mendonça, de permanecer no cargo durante os 05 meses da atual gestão . Agradeço ao cineasta, pelo trabalho realizado na instituição e na promoção do Cinema da Fundação e desejo sucesso nessa nova etapa profissional".
Kleber já leva atualmente grandes premiações de seus renomados filmes ‘O Som ao Redor’, lançado em 2013 no país, bem como Aquarius, estrelado neste ano com cenas da capital pernambucana, que já rendeu mais de 350 mil telespectadores.
Ocupe Cine Olinda
Neste sábado (8), às 20h, militantes do Movimento Ocupe Cine Olinda confirmaram a exibição de Aquarius nas dependências do Cine Olinda, cinema abandonado pelo poder público que encontra-se ocupado. A ideia surge como forma de resgate aos locais públicos e culturais do município e integra o ato de posicionamento dos moradores em termos de resistência ao prédio que encontra-se inativo há 51 anos.
LeiaJá também
--> Kleber Mendonça posta carta aberta sobre comissão do Oscar
--> Diretor contesta classificação de 18 anos para 'Aquarius'
--> Após protesto em Cannes, internautas boicotam 'Aquarius'
--> Ocupado, Cine Olinda exibe 'Aquarius' neste sábado